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Amazônia: "Brasil se consolida como pária ambiental no mundo", diz especialista

16/07/2020 12h41

O tamanho da área da Amazônia sob alerta de desmatamento bateu recorde no mês de junho. O Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), usado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontou uma área de 1.034 km². Para especialistas ouvidos pela RFI, a linha de desmatamento é ascendente e sem sinais de reversão. 

O resultado é 10% maior do que o registrado no mesmo mês do ano passado e 24% maior do que em maio, que já havia sido um recorde para o período. Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, uma iniciativa de entidades encarregadas de analisar os alertas de desmatamento gerados por satélite, destaca a constância dos avisos.

"Todos os meses, desde maio do ano passado, têm havido desmatamentos superiores ao mesmo período do ano anterior. Então, estamos num período de aceleração do desmatamento que não acontecia de forma contínua, assim, desde o final dos anos 1990, início dos anos 2000", calcula.

"Os 1.034 km² que tivemos no mês de junho equivalem a cem mil campos de futebol em apenas um mês, ou um pouco mais de mil campos de futebol por hora que foram desmatados nesse período. É uma quantidade muito grande de desmatamento e ele ocorre, basicamente, para a conversão da floresta para uso agropecuário", completa.

O problema é que, depois de usadas, muitas dessas áreas acabam sendo desprezadas. "86% daquilo que foi destruído e desmatado na Amazônia foi abandonado ao longo dos últimos 30 anos ou ocupado por pastagens de baixíssima produtividade", explica Carlos Rittll, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha. "Quem desmata tem um lucro imediato, depois abandona aquela área e fica um passivo para sociedade, pois ela não é aproveitada. Há casos de menos de um boi por hectare, um boi num campo de futebol", compara.

No acumulado do semestre, os alertas do INPE indicam sinais de devastação em 3.069,57 km² da Amazônia. Isso equivale a um aumento de 25%, em comparação com o primeiro semestre de 2019.

Atividade especulativa

O sistema Deter indica às equipes de fiscalização onde pode estar havendo crime ambiental.

"Quando a gente cruza esses dados com as autorizações, áreas protegidas, vemos que a vasta maioria desse desmatamento está acontecendo de forma ilegal. Aproximadamente de 95 a 99% têm fortes elementos de ilegalidade", afirma Tasso Azevedo, acrescentando que, como toda atividade ilegal e especulativa, o desmatamento também vive de expectativas.

"Se eu tiver uma perspectiva baixa de ser pego e de sofrer consequências, ser penalizado, e eu tenho uma expectativa alta de me beneficiar daquele ato ilegal, ou seja, eu consigo vender o meu produto, consigo regularizar a terra, eu estou criando condições para que o desmatamento aumente", afirma.

"Se eu quiser parar o desmatamento, eu tenho de parar as expectativas. Eu tenho de gerar expectativas de que você será pego e levado às consequências, pagar multa, recuperar os danos etc., e que você não vai conseguir se beneficiar; não vai receber créditos, nem vender o seu produto", acrescenta.

"E por que não está acontecendo isso agora no Brasil? Porque todos os elementos que existem montados para fazer com que esse final seja dado, no sentido correto, foram sendo, de diferentes formas, contidos ou colocados na direção contrária", conclui.

Carlos Rittl acredita que o aumento da área em alerta de desmatamento tem relação com os sinais emitidos pelo Planalto, através de suas políticas públicas.

"O desmatamento continua em alta. A gente tem dois meses de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com soldados do Exército, em tese, combatendo crime ambiental, ao custo de R$ 60 milhões por mês - e diga-se, entre parênteses, que dois meses deste custo seriam suficientes para pagar os salários de mil agentes ambientais do Ibama por um ano. Mesmo com a GLO, mesmo com Exército, o desmatamento continua subindo", diz.

Para Rittll, o governo brasileiro não tem demonstrado um compromisso de combate ao crime ambiental.

"Há um incentivo, ou pelo menos no discurso do governo, quando o presidente constrange os órgãos ambientais, quando o ministro do Meio Ambiente demite o chefe de fiscalização do Ibama e outros agentes que estavam combatendo a invasão de terras indígenas e o desmatamento provocado pelo garimpo ilegal; quando se reúnem com madeireiros ilegais, quando recebem pressão da bancada ruralista e mandam para o Congresso projetos de lei para tornar o que é ilegal em legal, eles estão dando uma mensagem muito clara. Quem comete crime ambiental se sente respaldado por Brasília", observa.

Em resposta aos dados publicados, o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, disse em entrevista que o recorde de alerta de desmatamento na região, em junho, ocorreu porque as ações do governo federal começaram "tarde".

O mercado cobra

Em encontro recente com empresários, Mourão criticou o que considera ser uma campanha difamatória contra o agronegócio do país. Brasília enfrenta pressão de investidores para reduzir a devastação da floresta, enquanto empresários cobram ações concretas que garantam a melhoria nos indicadores de desmatamento e queimadas. 

No mês passado, um grupo de fundos internacionais de investimento, que gerenciam cerca de R$ 20 trilhões em recursos, enviou carta aberta às embaixadas brasileiras de oito países (Estados Unidos, Japão, Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França e Holanda) para tratar da questão ambiental. No texto, eles manifestaram preocupação com o aumento do desmatamento no Brasil e apontaram uma incerteza generalizada sobre as condições para investir e fornecer recursos financeiros ao país.

O movimento aconteceu depois da divulgação da gravação de uma reunião ministerial do governo Bolsonaro, ocorrida no dia 22 de abril. Nela, o ministro brasileiro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugere ao presidente que, com a atenção da imprensa voltada para a Covid-19, o momento seria propício para passar reformas.

"Nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", declarou Salles.

"Existe um total descontrole do desmatamento e todo e qualquer discurso do governo dizendo que está agindo é mera retórica diante dos fatos e dos dados, porque os satélites não mentem", observa Carlos Rittll.

"É preciso reconhecer que esse não é um problema de direita e de esquerda. Não é um problema político, ideológico. É um problema prático", adverte Tasso Azevedo. O coordenador do MapBiomas explica que "o Brasil é um país dependente desses recursos naturais, seja para a geração de energia, com sua dependência das hidroelétricas, seja para o motor da economia atual, o agronegócio, ou seja, ainda, pela economia como um todo, pois mesmo fatores que não têm relação direta com a floresta estão sendo afetados".

Para Carlos Rittll, o que está em jogo é a imagem do Brasil.

"O desmatamento vem muito associado à violência contra comunidades extrativistas, povos indígenas, pequenos produtores e agricultores familiares. Tudo isso, associado ao desmatamento, aos dados e as imagens de queimadas e destruição, é muito prejudicial para a imagem do Brasil e para a reputação das empresas brasileiras que estão exportando", afirma.

"Ninguém quer que o seu negócio acabe gerando lucro e leve para prateleiras europeias produtos ligados à devastação da Amazônia, violência contra povos indígenas e aumento de emissões de gases de efeito estufa. E é isso que o governo Bolsonaro tem gerado", acrescenta.

Acordo UE-Mercosul

Há um ano, a União Europeia e os países do Mercosul fecharam o maior acordo entre blocos econômicos da história, e que deveria impulsionar fortemente o comércio entre as duas regiões. 

Carlos Rittll destaca que "nesse acordo está o compromisso de não retrocesso ambiental, de combate ao desmatamento, de respeito aos povos indígenas e implementação do acordo de Paris. Mas estamos na contramão desse caminho".

"É por isso que eurodeputados do parlamento europeu se manifestaram de forma crítica, após o vídeo da reunião ministerial em que o ministro Ricardo Salles fala, de maneira imoral, de aproveitar a pandemia e atenção da mídia aos mortos para 'passar a boiada', ou seja, para enfraquecer leis e desregulamentar muita coisa. Os parlamentares disseram que há um risco para a implementação do acordo por causa do Brasil", analisa Rittll.

"A imagem do Brasil já vinha péssima no ano passado e ela se consolida, cada vez mais, como a de um país que é um pária ambiental no mundo, um dos grandes inimigos do meio ambiente no planeta", observa.

Taxa anual deve ser mais alta

A estimativa é de que a taxa oficial de desmatamento, medida de agosto de 2019 a julho deste ano, seja ainda maior do que a registrada no período encerrado no ano passado, até então a maior em 11 anos.

"No período que consideramos o período anual do desmatamento, em que se contabilizam os dados anuais e que vai de agosto até julho do outro ano, o crescimento projetado, atualmente, gira em torno de 60%. Então, quando forem divulgados os dados do desmatamento entre 2019 e 2020, deveremos ter um desmatamento bem superior ao desmatamento de 2019, que já foi bem superior ao de 2018. Estamos, infelizmente, num processo de aceleração do desmatamento sem sinais de retração", diz.

O Brasil já fez melhor

Quem defende o meio ambiente no Brasil fortalece sua esperança no fato de que o país já conseguiu ter melhores resultados na proteção às florestas antes, mesmo em tempos de crise, e sem detrimento da economia e do agronegócio.

"A taxa caiu, entre 2004 e 2012, em mais de 80% com ações de comando, controle e fiscalização. E neste período, a economia do Brasil cresceu, inclusive o PIB agrícola do país cresceu, demonstrando que existe uma dissociação entre o desmatamento e o benefício econômico que esse desmatamento traz para o país", observa Carlos Rittll, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade.

"Da mesma forma como a gente aprendeu a controlar a inflação, lá em 1990, e até hoje a gente usa os instrumentos que foram implementados de controle fiscal, de ajuste fiscal e controle da moeda, a mesma coisa a gente sabe fazer para o desmatamento", completa Tasso Azevedo.

Potência ambiental

Atualmente, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking do desmatamento mundial. Os dados de 2019 mostram que o país devastou mais florestas do que a área desmatada pelos outros dois países que o acompanham no topo da lista, Congo e Indonésia, juntos. Isso ocorre no momento em que poderia estar aproveitando seus ativos naturais para se tornar uma superpotência ambiental do século 21, frisa Azevedo.

"No momento em que o mundo está preocupado com a questão ambiental, era o momento de o Brasil brilhar", diz  o coordenador do MapBiomas. "Mas se a gente destrói aquilo que é o nosso ativo, nossa bandeira e a posição do Brasil no mundo, isso vai contra os nossos interesses", acrescenta. "Quando o desmatamento vira uma ameaça para as atividades em geral, isso acaba se cristalizando nas palavras dos investidores internacionais que fizeram a sua carta, nas palavras dos CEOS das empresas brasileiras que se colocaram contra e até dos ex-ministros da economia e gestores do Banco Central pedindo que o Brasil pense a sua economia de forma mais sustentável", conclui.  

    

 

 

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