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Pandemia pode aprofundar protecionismo agrícola dos europeus, avalia consultor

14/07/2020 12h42

A pandemia de coronavírus pode despertar um novo protecionismo agrícola europeu, na medida em que a crise gerada pelo coronavírus leva os países a refletir sobre a necessidade de aumentar a produção local e a depender menos do mercado globalizado. Neste contexto, o futuro do acordo comercial entre o Mercosul e União Europeia pode estar ainda mais ameaçado, na avaliação de Jean-Yves Carfantan, consultor francês de agronegócio instalado há mais de 30 anos em São Paulo.

"Agora, o protecionismo agrícola vai encontrar uma nova justificativa: a ideia de que temos que produzir e criar circuitos curtos, produzir local para atender a demanda local", adverte o economista, fundador do site Istoebresil.org. "Pode ser um novo filão para agricultores europeus e, no futuro, gerar regulamentações que dificultem as importações entre a Europa e outros países."

A esse argumento, se adicionam outros que já eram evocados por ambientalistas, agricultores e parlamentares para pressionar pelo boicote ao tratado, acertado em meados de 2019 e que precisa da aprovação dos países integrantes dos dois blocos para entrar em vigor. Do lado europeu, a principal crítica é que a agricultura praticada no Mercosul não é sustentável e, em boa medida, é resultado da devastação das florestas, principalmente no Brasil. "Vejo vários movimentos do agronegócio brasileiro mais esclarecido, dizendo que não podemos continuar assim porque estamos cavando o poço onde vamos cair. O agronegócio vai ser a primeira vítima dessa política."

Razões para o acordo UE-Mercosul "ir para o brejo"

O desmatamento descontrolado registrado há um ano na Amazônia levou o presidente francês, Emmanuel Macron, a cobrar publicamente Brasília e a ameaçar não ratificar o acordo com o Mercosul.

"Tem várias coisas que podem fazer com que esse acordo [entre a UE e o Mercosul] vá para o brejo. Eu dificilmente vejo qualquer país europeu, principalmente os maiores - Alemanha, Espanha, França - aceitarem a conclusão desse acordo comercial se não houver uma mudança política significativa no Brasil: tanto na política ambiental quanto na postura geral do governo em relação a questões internacionais, globalização", avalia Carfantan. "O Brasil, nos últimos 500 dias de governo Bolsonaro, se tornou o grande vilão do cenário internacional."

Não que o presidente francês seja uma santo no desentendimento com Jair Bolsonaro, frisa o consultor. Ele considera que ambos os lados tiveram excessos, com "provocações desnecessárias". "A postura do Macron foi muito desajeitada. Tratar da Amazônia daquele jeito demonstrou uma grande ignorância tanto da história, quanto da sensibilidade do povo brasileiro - afinal, a França é o único país europeu que ainda mantém uma colônia na América do Sul", ironiza o francês.

Impacto da diplomacia ideológica

Mas Carfantan assinala que, além do tema do desmatamento, a diplomacia brasileira tem mais afugentado do que agregado parceiros, ao adotar uma visão ideológica das relações internacionais.

"No dia que você sai para paquerar, você toma uma ducha. Você não vai sair sujo. Para negociar, você tem que adotar uma postura mais flexível, mais aberta do que esse nacionalismo bitolado, que parece estar prevalecendo", observa o francês. "Com esse tipo de postura, você não dialoga com ninguém. Hoje em dia, no comércio, não é só competitividade de preços que conta. Tem uma questão de imagem, guerra de influências, representação dos países e mensagens que a política do país transmite para fora."

Para ouvir os principais trechos da entrevista, clique no podcast acima.

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