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Rio teve mais de 500 tiroteios perto de unidades de saúde durante pandemia

7.mai.2020 - Ambulância na UPA da Rocinha sai para atendimento dentro da comunidade - Tércio Teixeira/Folhapress
7.mai.2020 - Ambulância na UPA da Rocinha sai para atendimento dentro da comunidade Imagem: Tércio Teixeira/Folhapress
do UOL

Igor Mello

Do UOL, no Rio

10/07/2020 04h00

Essencial para o combate da covid-19, o funcionamento das unidades de saúde do Rio de Janeiro foi prejudicado pela violência. Dados do Laboratório de Dados sobre Violência Armada Fogo Cruzado, repassados com exclusividade ao UOL, mostram que houve mais de 500 tiroteios no entorno dessas estruturas na região metropolitana do Rio.

De acordo com o levantamento, 516 confrontos foram registrados nas proximidades de clínicas da família, UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) e hospitais —uma média de cinco ocorrências por dia. A análise considera confrontos ocorridos a um raio de 300 m de instalações públicas ou privadas.

Em todo o primeiro semestre, ocorreram 2.606 confronto no entorno de instalações de saúde pública e privada. Os problemas de segurança pública afetaram 1.285 das 4.190 unidades existentes no Grande Rio.

Foco de conflitos de facções nos últimos meses, a Vila Kennedy, comunidade na zona oeste da capital, tem a unidade mais afetada pela violência no Rio. A Clínica da Família Wilson Mello Santos Zico conviveu com 140 tiroteios em seu entorno no último semestre. Em março, o UOL já havia mostrado que a área era uma das mais afetadas pelo crescimento de confrontos mesmo diante das medidas de isolamento social.

Em seguida, vem o Centro Municipal de Saúde Carlos Figueiredo Filho, com 19 confrontos. A clínica fica no Morro do Borel, na Tijuca, zona norte do Rio. Em terceiro lugar, ficou o Posto de Saúde Adolfo Lutz, em São Gonçalo, na região metropolitana, com 18 trocas de tiro.

Médica relata rotina de confrontos

Com dez anos de trabalho em equipes de saúde da família em comunidades do Rio, a médica Ana (o UOL optou por usar um nome fictício para proteger a identidade da profissional) relata as dificuldades causadas pela violência em uma comunidade do Complexo de Manguinhos, na zona norte do Rio.

Segundo ela, nem mesmo a pandemia fez com que os confrontos na comunidade arrefecessem.

No auge da pandemia, estávamos adotando estratégia de realizar parte do acolhimento dos sintomáticos respiratórios do lado de fora da unidade por uma questão de biossegurança. Era para não colocar as pessoas dentro de um lugar fechado. Só que em vários momentos a gente precisou sair correndo no meio desses atendimentos para dentro da unidade por causa dos tiroteios

Relato de médica que atende em Manguinhos

Ela conta que os confrontos colocam em risco os profissionais de saúde, que chegam a ficar ilhados durante os atendimentos aos moradores da comunidade.

"Tiroteio infelizmente é uma situação muito comum e traz uma série de problemas. Ficamos impedidos de atuar no território, e a saúde da família tem uma atuação que acontece dentro da comunidade. Já aconteceu de termos profissionais ilhados dentro do domicílio de alguém para se manter protegido, sem poder voltar para a unidade. Muitos momentos em que temos que interromper o atendimento e fechar a unidade momentaneamente ou até por um dia inteiro", lembra.

A médica afirma que esse convívio constante com a violência prejudica a saúde dos moradores e dos profissionais que trabalham em unidades mais afetadas.

"É um sofrimento enorme para a população. Gera sequelas e outras questões de adoecimento ter que conviver todo dia com essa violência. E aumenta também o estresse dos profissionais. Faz com que muitos acabem não se fixando em unidades em que isso acontece com maior frequência", lamenta.

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