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Sistema previdenciário privado chileno estremecido pela primeira vez

09/07/2020 14h37

Santiago, 9 Jul 2020 (AFP) - O sistema previdenciário privado do Chile, base do seu modelo econômico e referência de sucesso na região, vê-se estremecido pela primeira vez após a aprovação de um projeto de lei na Câmara dos Deputados que permitiria saques antecipados dos fundos de pensão para enfrentar a pandemia.

Criado em 1981 - em meio à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1999) - por José Piñera, irmão do atual presidente de direita, Sebastián Piñera, o sistema foi pioneiro no desenvolvimento de um sistema de capitalização absolutamente individual.

No meio da discussão mundial sobre sistemas de previdência, os Administradores dos Fundos de Pensões do Chile (AFPs) se apresentavam como uma alternativa para os sistemas fracassados de repartição.

Mas depois que começaram a pagar as primeiras aposentadorias, a partir de 2011, foi revelado que esse modelo não era capaz de cumprir sua promessa de cobrir até 70% do último salário.

Esse sistema concede, em média, menos da metade do último salário aos mais beneficiados, enquanto a maioria recebe aposentadorias abaixo do salário mínimo (US$ 400).

Nos últimos anos, esses valores fizeram o sistema perder o crédito e a confiança. O movimento "Não + AFP" tornou-se forte nas ruas, organizando manifestações em massa.

No entanto, até esta semana, nenhuma reforma havia se saído bem no Congresso, por causa do intenso lobby dos Administradores de Fundos de Pensões, que investiram o dinheiro em quase todas as áreas da economia chilena.

É por isso que nesta quinta-feira (9) foi definido como uma "derrota histórica para o governo" e "um avanço histórico contra a AFP" a aprovação pelos deputados do projeto de lei que permite a retirada antecipada de 10% dos fundos como medida excepcional a ser feita para enfrentar a crise econômica derivada da pandemia.

Um amplo setor da sociedade chilena considera esse passo como um primeiro golpe para as poderosas AFPs chilenas.

- Para além dos 10% -A iniciativa apresentada pela oposição, em um congresso em que a coalizão governamental é minoria, contempla a criação de um fundo previdenciário coletivo, financiado pelo Estado e pelo empregador para compensar a redução nos fundos de aposentados. Este instrumento seria administrado por uma entidade pública autônoma.

"Não é apenas a retirada de 10%. A possibilidade de ter duas pensões paralelas é o que coloca em cheque as AFPs", explica Hassan Akram, um acadêmico da Universidade Diego Portales, explicando que há a possibilidade de no Chile existir dois sistemas previdenciários, um com componente de repartição e outro com iniciativa individual.

"O grande problema das AFPs é a lógica fundamental do sistema, é que o pagamento depende do que foi poupado", e não possui lógica de economia coletiva, acrescenta o especialista.

No Congresso, demorou anos para tramitar sobre outro projeto que planeja aumentar em 6% a contribuição mensal do trabalhador (que hoje é de cerca de 13% do salário), um mecanismo que o governo tentou defender para evitar qualquer plano que contemplasse as retiradas antecipadas dos fundos das AFPs.

Embora a aprovação no Senado ainda tenha que acontecer, a votação dos deputados representa uma derrota ideológica para o governo Piñera, ainda mais enfraquecido por não ter conseguido alinhar os parlamentares de sua coalizão, apesar dos esforços de seus ministros até o último minuto da votação.

Cerca de 11,9 milhões de pessoas estão vinculadas às AFPs chilenas, com um saldo médio em suas contas de cerca de US$ 14.000.

Caso o projeto seja aprovado no Senado, a iniciativa permitiria uma retirada única de até 10% do fundo previdenciário, com um mínimo de US$ 1.250 e um máximo de US$ 5.300 em duas parcelas.

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