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"Discurso do presidente não ajuda a saúde, nem a política", diz analista

08/07/2020 07h17

Com coronavírus, Jair Bolsonaro segue na contramão da ciência e encarna de vez a figura de garoto propaganda da cloroquina. Doença é confirmada num momento em que o presidente, acuado por investigações, tenta amenizar tom de guerra contra outros poderes.

 

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Enganou-se quem imaginou que o resultado positivo para o coronavírus fosse reduzir o tom negacionista do discurso do presidente Jair Bolsonaro com relação à doença que já matou quase 67 mil brasileiros, segundo dados oficiais.

Horas depois de confirmar que está com a Covid-19, o presidente divulgou no fim do dia um vídeo no momento em que tomava um comprimido que, segundo ele, é hidroxicloroquina, medicamento hoje contraindicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate do coronavírus, devido a seus efeitos colaterais e à falta de eficácia comprovada.

"Eu confio na hidroxicloroquina, e você?

"É a terceira dose da hidroxicloroquina", diz no vídeo em meio a risadas. "Estou me sentido muito bem. Estava mais ou menos domingo, mal na segunda. Hoje, terça, estou muito melhor que sábado. Então, sabemos que hoje em dia existem outros remédios que podem ajudar a combater o coronavírus. Sabemos que nenhum tem sua eficácia cientificamente comprovada, mas mais uma pessoa que está dando certo. Então eu confio na hidroxicloroquina, e você?", questiona o presidente.

Mais cedo, ao divulgar o resultado dos exames numa entrevista a três veículos de comunicação que foram convidados a entrar no Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse "que o cuidado mais importante é com seus entes queridos, aqueles mais idosos ou quem tem problema de saúde. Esses têm que ter um cuidado todo especial. Com os demais, você toma cuidado, mas não precisa entrar em pânico. A vida continua. Não se pode combater o vírus onde o efeito colateral desse combate é pior do que os danos causados pelo próprio vírus".

A fim de mostrar que não estava abatido, o presidente se afastou um pouco dos repórteres e tirou a máscara para que seu rosto fosse filmado enquanto dizia "olha como estou bem".

Confrontos e conflitos continuam

Para o analista político Creomar de Souza, CEO da Consultoria Dharma e professor da Fundação Dom Cabral, a forma como o presidente insiste em tratar a doença não ajuda na questão sanitária, nem na situação política. Ele diz que nos últimos dias, integrantes do governo e o próprio presidente tentaram apaziguar um pouco o tom beligerante com relação a outros poderes, mas que é cedo para dizer que a crise institucional de fato está controlada.

"Ele baixou o tom, mas ainda tem componentes de confronto e conflito. Vamos pegar, por exemplo, essa fala do presidente Bolsonaro, quando ele admitiu que testou positivo para Covid-19. A fala tem um quê de provocação. Então, nesse aspecto, parece ainda um tanto precoce ou cedo dizer que a guerra institucional arrefeceu. Me parece que há gente de ambos os lados querendo que ela arrefeça. Acho que isso ainda vai demorar um pouquinho para a gente ter uma definição", analisa o cientista, para quem outro fator, as investigações judiciais, põe um ponto de interrogação na pretendida distensão política em Brasília.

Estratégia de estabilidade

"Bolsonaro se aproximou do centrão. Trouxe uma parte desses grupos políticos para dentro do governo, em troca de cargos. Isso simbolizava que o governo estava tentando arquitetar uma estratégia de estabilidade. Só que tem uma outra variável, que o governo não tem controle, que foram as ações orquestradas pelo Ministério Público e Supremo Tribunal Federal contra a militância bolsonarista, e a ação do Ministério Público do Rio de Janeiro, que resultou na prisão do Queiroz. Esses elementos vindos do Judiciário colocaram o governo numa posição de muito defensivismo. E se somaram à crise da semana passada, quando o governo indicou Carlos Decotelli no Ministério da Educação e teve todo aquele problema da falsidade ideológica nos diplomas e tal. E o governo tem tentado agora construir um novo tipo de articulação política", diz Souza.

A declaração de Bolsonaro de que está com coronavírus deixou em alerta várias outras autoridades que estiveram com o presidente nos últimos dias, inclusive o embaixador americano Todd Chapman que recebeu o presidente, o filho Eduardo Bolsonaro e alguns ministros para um almoço no dia 4 em comemoração à independência dos Estados Unidos. A embaixada disse que Chapman fará um exame, mas que não apresentou sintomas até aqui.

Quase cinquenta pessoas foram recebidas pelo presidente em audiências e almoços na última semana, de empresários a ministros. Alguns deles, como o chefe da Casa Civil, Braga Neto, e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Ramos, fizeram testes rápidos e informaram que o resultado foi negativo. Bolsonaro chegou a participar de alguns eventos sem o uso de máscara e desrespeitando o distanciamento social preconizado por autoridades de saúde.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) fará um exame de laboratório. "Vou fazer o exame de sangue para ver se tenho os anticorpos. Porque a verdade já está no sexto dia que estive com o presidente Bolsonaro. Tentei fazer na semana passada, mas o enfermeiro errou no primeiro braço, errou no segundo. E eu tenho que admitir que fiquei com medo e deixei para a próxima semana", disse Maia.

Melhores soluções para a economia

Nesse ambiente político de tentar amenizar embates entre os poderes, ele minimizou a postura do presidente diante do coronavírus. "Tanto o presidente como todos os outros poderes, os entes federados, é preciso que todos compreendam que ainda temos ainda um longo caminho para percorrer. É importante que a gente possa percorrer esse caminho todos unidos olhando as melhores soluções para que o país possa ter uma recuperação mais rápida da economia, e que principalmente que a gente possa continuar contanto com o sistema único de saúde para salvar as vidas dos brasileiros".

Políticos governistas e de oposição desejaram melhoras para o presidente, mas houve críticas quanto ao seu comportamento. "Como cidadã e como médica, quero que ele se recupere, mas não quero que ele utilize sua doença para fazer propaganda enganosa sobre cloroquina, absolutamente demonstrada já a ineficácia desse remédio para a Covid-19. Muito menos que ele não se preocupe em usar máscara e se isolar. Muito menos que não se preocupem com os que estiveram com ele em fazer também seu isolamento para não contaminar outras pessoas, e que eles também não se preocupem em ser rastreados. Todos têm que ser rastreados, todos têm que ser isolados, todos têm que fazer exames. E é importante que não se utilize também de todas essas notícias para paralisar os processos de investigação no Brasil, inclusive sobre sua família", afirmou a parlamentar do PCdoB do Rio de Janeiro.

O ministro da Justiça, André Mendonça anunciou que vai entrar na Justiça contra a publicação de um texto no jornal Folha de S.Paulo do colunista Hélio Schwartsman, que tem por título "Por que torço para que Bolsonaro morra".

 

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