Universidades têm lacuna no controle de fraudes
A discussão ficou mais evidente nos últimos dias, com a polêmica que envolve Carlos Alberto Decotelli. Nomeado ministro da Educação, ele pediu demissão após ter seu histórico acadêmico e profissional questionado, com suspeita de fraude na dissertação de mestrado e de registro de doutorado não concluído no currículo.
Mas o que não é amplamente noticiado fica restrito aos comitês de ética das instituições de ensino ou nem chega a ser desvendado. Isso faz pesquisadores do tema acreditarem que há casos de subnotificação.
"Quando a comunidade científica era pequena, havia um autocontrole informal eficiente. Acho que sempre teve fraude", afirma Luiz Henrique Lopes dos Santos, coordenador adjunto da diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). "Hoje, uma pessoa não consegue acompanhar tudo. Então, você tem facilidade maior para ter fraudes não percebidas."
Outro indicador de que pode haver casos não notificados é a grande quantidade de trabalhos produzidos a cada ano, somada à ausência de busca proativa por essas más condutas. Munir Skaf, pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, explica que a instituição não tem comitê que avalie as publicações, que chegam a 4,7 mil artigos por ano encaminhados a entidades internacionais. "Quem avalia é o sistema internacional e (as fraudes) são mais comuns do que se desejaria."
Na USP, cerca de 3 mil teses e 4 mil dissertações são defendidas a cada ano. Do total, três ou quatro são confirmadas com alguma fraude e o autor, que já foi nomeado doutor ou mestre, tem o título cancelado. Mas o processo de avaliação da má conduta só é feito a partir de denúncia. "Não tem como analisarmos 7 mil trabalhos por ano", justifica Carlos Gilberto Carlotti Junior, pró-reitor de Pós-graduação da USP. "Confiamos que a banca e o orientador tenham feito esse serviço."
Já na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o sistema é semelhante: um caso é apreciado pela Comissão de Ética da instituição só quando há denúncia, diz Rosa Maria Feiteiro Cavalari, presidente do órgão interno.
Em nota, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) informou que tem "rigoroso Código de Ética e Conduta e utiliza, já há 10 anos, as mais eficientes ferramentas antiplágio". Sobre a acusação de plágio na dissertação de mestrado de Decotelli, a universidade prometeu apurar o caso.
Menos clareza
Marilia Mendes Ferreira é professora livre-docente do Departamento de Letras Modernas da USP, trabalha com escrita acadêmica e, desde 2012, pesquisa plágio na educação. "Lá fora, você tem mais orientação para que as pessoas não cometam isso, as regras do jogo são mais claras."
Ela cita, por exemplo, que é mandatório para qualquer ingressante em universidade internacional fazer um curso de escrita acadêmica, independentemente da área em que vai atuar. A preparação pode durar mais de um semestre. Carlotti Junior, da USP, diz que todo aluno de pós-graduação faz curso introdutório de três aulas sobre definições de plágio e autoplágio (quando o autor "recicla" os próprios trabalhos anteriores).
Em uma de suas pesquisas, Marilia comparou o tratamento dado ao plágio pelas universidades de Harvard, Stanford, ambas dos Estados Unidos, USP e Unicamp. Ao analisar o site das instituições, notou que as internacionais deixam regras mais evidentes e há setores que ajudam os professores a lidar com a questão.
"Nos EUA e Europa, a maior consequência é o banimento acadêmico", diz François Ramos, professor da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac), em Minas, que analisou fraude acadêmica. "A pessoa não é digna mais de habitar o ambiente acadêmico e terá de começar tudo de novo, em outra área." No Brasil, ele diz haver uma cultura de justificar as fraudes como incorreção curricular ou desajuste de informação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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