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Crise do coronavírus reforça papel do Estado e pode reaproximar europeus, avaliam especialistas

04/07/2020 15h33

A crise do coronavírus reforçou o papel do Estado e poderá consolidar a cooperação entre os países da União Europeia, avaliam especialistas do bloco que participaram dos tradicionais Encontros Econômicos de Aix-en-Provence, realizados em Paris neste ano e publicados na internet.

"Os cidadãos do mundo perceberam que os nossos sistemas de saúde pública são absolutamente essenciais. Nós temos um Estado que deve nos proteger nas questões como as de segurança, abastecimento de água e alimentação ", disse a ministra espanhola da Economia, Nadia Calviño, que interveio por videoconferência, neste sábado (4).

Com a chegada da pandemia, os países adotaram medidas emergenciais de liberação de orçamento, ampliando o déficit ao mesmo tempo em que os bancos centrais injetaram liquidez no sistema bancário e mantiveram as taxas de juros baixas. "As despesas públicas e a eficiência do Estado, tanto no papel estratégico como no de provedor, será a questão central dos anos seguintes", avaliou o economista francês Christian Saint-Étienne.

Lagarde prevê "mudanças profundas" na economia mundial

A crise econômica gerada pela pandemia vai "mudar profundamente" a economia mundial em direção à ecologia, à digitalização e à automatização, na visão da presidente do BCE, Christine Lagarde. Para ela, a Europa está em "excelente posição" para embarcar neste novo caminho.

"Será uma aceleração da transformação que já estava latente em nossas economias", estimou a presidente do Banco Central Europeu, que também participou por videoconferência. "O que acabamos de viver nas fábricas, no trabalho, no comércio, vai acelerar as transformações e provavelmente provocar uma evolução para um modo de vida mais sustentável e ecológico", considerou.

Alguns, entretanto, esperam que o aumento do peso econômico do Estado seja apenas temporário, como o presidente do Banco Central da Finlândia, Olli Rehn. "É importante que os Estados europeus utilizem a margem de manobra permitida pelo BCE (Banco Central Europeu) para iniciar reformas estruturais", comentou.

Fim do capitalismo globalizado que conhecemos

Já o economista Yann Algan, professor do Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po), ressaltou que, ao mesmo tempo em que governos e instituições exercem o papel de protetores durante a pandemia, a desconfiança em relação à globalização nunca foi tão forte. "A crise da Covid-19 decreta o fim do capitalismo globalizado como o que conhecemos nas últimas décadas", constatou.

A situação inédita também foi um teste de peso para a coesão da União Europeia, frisou o professor Henrik Enderlein, da Hertie School of Governance, de Berlim. Ele citou o fechamento das fronteiras internas e a proibição, pelos países-membros, de exportações de máscaras e equipamentos médicos no auge da pandemia no bloco. "Quando a crise começou, pensamos que a Europa poderia não estar à altura dos desafios. Houve muito poucas ações de estabilização e coordenação", relembrou.

UE mais unida do que antes

Mas em pouco tempo, os governos compreenderam que fazer nada significaria agravar o risco de implosão do bloco - ainda mais logo depois da concretização do Brexit. "Podemos ver alguma coisa nova emergindo, que eu qualificaria de federalismo de exceção, ou seja, um momento no qual o Estado se constitui quando há uma crise", analisou Enderlein, referindo-se ao acordo sobre um plano de ajuda econômica para os países mais atingidos pelo coronavírus, que pode chegar a 750 bilhões de euros.

Na avaliação dos especialistas reunidos nos Encontros de Aix, a reação incisiva da BCE permitiu ao bloco evitar os erros cometidos na crise financeira de 2008-2009, quando as medidas de apoio foram insuficientes e ocorreram tarde demais.

Jean-Louis Girodolle, diretor-presidente do banco Lazard, considerou que o plano poderá significar "o começo da Europa federal". Em uma mensagem enviada ao evento, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, disse estar convencida de que a "Europa vai se sair mais unida do que antes" da crise da Covid-19.

"A retomada será um novo capítulo na nossa história. (...) Nós já percebemos um novo sopro, um novo impulso, uma nova unidade europeia", disse a comissária. "Como a comissão não vai mais fazer apenas empréstimos, mas também transferências diretas, é o momento de ela ter recursos próprios: imposto de emissão de CO2 nas fronteiras, imposto sobre os GAFA (gigantes digitais), como um Estado", pontua Girodolle.

Com informações da AFP

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