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Bolsonaro acha que Meio Ambiente é 'coisa de comunista', mas ecologia brasileira nasceu com militares, diz Alfredo Sirkis

02/07/2020 12h23

Premiado por "Os carbonários", best-seller autobiográfico que escreveu em 1980 e que lhe rendeu o Prêmio Jabuti do ano seguinte, o escritor e jornalista carioca Alfredo Sirkis lança agora "Descarbonário" (ed. UBOOK), tendo como fio condutor, dessa vez, as mudanças climáticas, trazendo um balanço da política no Brasil. Um dos fundadores do Partido Verde (PV), Sirkis comenta os altos e baixos da causa ambiental no Brasil, dentro de uma perspectiva histórica, analisa a "onda verde" na França e denuncia a "profunda ignorância" do presidente brasileiro sobre o assunto.

RFI: Gostaria que você começasse comentando a "Onda Verde" que varreu as eleições municipais na França esta semana, entronizando prefeitos de cidades-chave francesas do Partido Ecologista, ou com uma coligação definitiva com políticos ligados à ecologia, como foi o caso da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, reeleita para mais seis anos à frente da capital francesa. A ecologia é o futuro da esquerda?

Alfredo Sirkis: Pelo menos tem sido um tema crescente na França, e não é a primeira vez que os verdes são bem-sucedidos em uma eleição francesa.  Houve um pleito europeu em que eles conseguiram muitas cadeiras, os verdes já fizeram parte do governo do [ex-premiê Lionel] Jospin, então houve sempre uma oscilação entre os verdes na França. É de se esperar que eles tenham ganhado em maturidade e implementação local. Essa vitória se dá na esteira de gestões bem-sucedidas, como foi a de Grenoble [leste]. Penso que os verdes são talhados principalmente para a gestão local. Você pode pensar globalmente, mas agir localmente. Há um avanço das ideias da Ecologia e da sustentabilidade dentro de todo o espectro político.

RFI: Por que, na sua opinião, o movimento ecologista nunca conseguiu uma projeção muito grande no Brasil, apesar da existência de figuras como a Marina Silva?

AS: Por causa dos graves erros que cometeu. Coordenei a campanha da Marina em 2010, foi um momento grandioso, foram 20 milhões de votos, 20% dos eleitores. Nem os verdes franceses tiveram isso, 20% numa eleição presidencial. O Partido Verde (PV) conseguiu se autoexplodir por causa da burocracia interna fisiológica, logo depois das eleições, 2011? Começaram a hostilizar a Marina Silva dentro do partido. O PV ainda tem alguns ambientalistas, como o Eduardo Jorge, mas a burocracia do partido, o aparato, são dominados por cidadãos que pensam, basicamente, no próprio bem-estar. O atual partido da Marina, a Rede, é um partido muito confuso, com um vasto espectro de pessoas que vão desde o segmento evangélico conservador até uma extrema esquerda quase black block. Tudo gira em torno da figura carismática da Marina, que cometeu erros e perdeu espaço até obter esse resultado triste que ela teve nas eleições passadas. Eu mesmo não votei nela. Votei no Ciro, numa alternativa ao PT, um voto util, mas ele também não entende nada de Meio Ambiente. O PV se tornou um grupelho fisiológico, assim como a Rede. Era necessário começar juntando os dois, e tentar voltar ao ponto de ruptura, no ano de 2010.

RFI: Em relação às atitudes do governo Bolsonaro, o presidente francês Emmanuel Macron já disse que talvez não ratifique o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia, houve os cortes no Fundo Amazônia, há o boicote de produtos brasileiros e inclusive um projeto de lei sendo discutido na França para taxar com imposto carbono produtos oriundos de culturas que não respeitam o Meio Ambiente. A pressão internacional pode contribuir para asfixiar o governo Bolsonaro, ou apenas prejudica brasileiros que, por exemplo, se beneficiavam do Fundo Amazônia?

AS: A pressão internacional é sempre importante, sobretudo quando ela se exerce sobre a exportação do chamado agrobusiness. O desmatamento recente é quase todo ilegal. Ele é feito não para expandir atividades agrícolas, mas numa especulação de terra por grileiros que vão se apossando de áreas de floresta. Colocam um ou dois bois ali para marcar a "posse", na esperança de serem legalizados, por este projeto de lei que tramita no Congresso. Na verdade, são grileiros, ladrões de terra por um lado, e por outro lado são os garimpeiros. O preço do ouro está subindo e eles estão invadindo massivamente as terras indígenas. Hoje temos 20 mil garimpeiros em terras dos índios Ianomâmis. Os garimpeiros poluem os rios com mercúrio, passam Covid-19 para os indígenas. A gente sabe o quão mortal pode ser uma epidemia para o modo de vida dos indígenas. Dos milhões de índios brasileiros que morreram, foi muito mais por epidemia do que por assassinato direto. Isso é assassinato indireto.

RFI: E garimpeiros e grileiros contam com a adesão e a simpatia do presidente brasileiro Jair Bolsonaro...

AS: Totalmente, essa é a questão. Temos tido choques ambientais em praticamente todos os governos. Tínhamos críticas ao FHC, ao Lula, à Dilma, mas sempre mantivemos diálogo com eles. No caso [do Lula], a Marina era ministra, havia coisas que ela não poderia fazer [de dentro do governo]. Era uma postura de criticar, dialogar e propor. No caso do Bolsonaro é diferente. Estes interesses estão mais ativos do que nunca, mas existe um outro componente que é o idiossincrático: o Bolsonaro odeia o Meio Ambiente, odeia os ecologistas, odeia quem se preocupa com o assunto, e se identifica com o grileiro, o desmatador e o garimpeiro. Ele tem uma "alma de bandeirante", aquelas expedições que entravam na mata para procurar pedras preciosas e matar os índios. Essa é a mentalidade. Para ele, a questão ambiental está dentro da caixinha do "comunismo". Ele acha que foram os "comunistas" que inventaram "esse negócio". Mal sabe ele que os grandes pioneiros do ambientalismo no Brasil foram o Marechal Cândido Rondon, o Major Archer, que fez o maior reflorestamento da história do mundo urbano, o Almirante Ibsen, todos militares. A concepção do Bolsonaro existe dentro da profunda desinformação e ignorância, e daquela postura resumida pela piada brasileira que diz "não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe".

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