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Como seria se a Lua desaparecesse? Não seriam apenas os poetas a sofrer

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL
do UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

30/06/2020 04h00

A Lua é o corpo celeste mais visível do nosso céu noturno, com magnitude (escala usada em astronomia para medir o brilho de objetos) aparente de -13 em sua fase cheia. Está a "apenas" 384.400 km da Terra e "humilha" o segundo objeto mais brilhante do céu, Vênus (-5 de magnitude). Mas como seria se o nosso satélite simplesmente desaparecesse?

Uma situação do tipo seria perfeita para vermos que, mais do que um "rostinho bonito", a Lua exerce uma influência determinante sobre diversos aspectos da Terra —incluindo a vida no nosso planeta.

Hoje à noite não tem luar

A primeira consequência óbvia seria termos noites muito mais escuras. Mas, mais do que uma falta de inspiração para as pessoas apaixonadas, a ausência da luz do luar teria consequências para muitos animais.

Isso porque a Lua, assim como o Sol, tem papel determinante no chamado ritmo circadiano, o popular relógio biológico. Estudos mostram que organismos como zooplâncton, ostras e outros crustáceos usam o luar como guia de comportamento.

Outros estudos apontam que o satélite impacta a reprodução de peixes e até mesmo questões mais específicas, como o tipo de parto das vacas.

Variações na iluminação noturna também têm o potencial de afetar a vida de animais com hábitos noturnos, especialmente a relação entre presas e predadores.

Por fim, atividades humanas como a agricultura poderiam ser afetadas, já que a luz da Lua pode influenciar populações e atividades de insetos, como seus voos noturnos e polinização de algumas plantas.

Adeus, (boa parte das) marés

Em termos astronômicos, a principal influência exercida pela Lua sobre a Terra é gravitacional. E a forma mais clara de vermos isso é ao observarmos o mar: a maior parte da variação das marés tem como "culpada" a Lua.

Sem ela, essa variação ocorreria apenas por influência do Sol, sendo muito menos perceptível. Uma das consequências mais diretas aqui é o enfraquecimento das correntes oceânicas. Também haveria uma redistribuição da água do mar, que passaria a se acumular nas regiões polares.

A maré também tem a função de servir como um sistema de drenagem e limpeza natural da costa. E sem essa mudança, a dinâmica de ecossistemas como mangues sofreria um impacto tremendo.

O giro maluco da Terra

O eixo de rotação do nosso planeta não está alinhado de maneira perfeitamente perpendicular ao plano de sua órbita ao redor do Sol. Caso isso ocorresse, por exemplo, não haveria variação de estações. O frio seria constante em regiões mais afastadas do equador.

O eixo de rotação da Terra está 23,5 graus inclinado em relação ao plano de órbita ao redor do Sol. E a "culpada" por isso se manter é a Lua.

Sem ela, essa inclinação do eixo iria variar consideravelmente ao longo do tempo, o que causaria grandes variações climáticas. Isso impactaria na evolução da vida no nosso planeta, que depende de condições estáveis.

Há quem estime que, com o passar do tempo, o eixo de rotação da Terra ficaria alinhado ao plano de órbita ao redor do Sol. Se isso ocorresse, seria catastrófico, já que dias e noites teriam seis meses de duração cada e a grande diferença térmica entre esses períodos resultaria em fenômenos climáticos extremos.

O que poderia fazer a Lua sumir?

A gente já viu aqui em cima as consequências de uma Terra sem Lua, mas será que essa poderia ser a realidade algum dia?

Bem, isso é improvável. Um exemplo seria a possibilidade de um impacto com um asteroide —as crateras da superfície lunar são provas de que isso já aconteceu diversas vezes. Para que um evento do tipo tirasse a Lua de sua órbita, arremessando-a na direção da Terra ou jogando-a para longe, seria necessário que o "projétil" fosse quase do tamanho do satélite.

Considerando os maiores cometas e asteroides que passam pelas proximidades do sistema Terra-Lua, nenhum tem massa suficiente para provocar algo assim —felizmente, diga-se.

O que ocorre, na verdade, é que pouco a pouco a Lua fica mais distante da Terra. E aqui eu não estou falando da órbita elíptica levemente achatada que o satélite descreve ao redor do nosso planeta —segundo a Primeira Lei de Kepler— e que resulta na variação da distância entre os dois corpos em cerca de 50 mil km.

A cada ano, a Lua se afasta em torno de 3,8 cm da Terra. É o resultado da redução da velocidade da rotação da Terra causada pelas marés: ao se moverem contra os continentes, as massas de água "freiam" a rotação do planeta.

A diminuição da velocidade ocorre de forma muito lenta, mas acaba refletindo no chamado momentum angular do planeta, que é a energia contida no movimento de rotação.

Como não há formas da energia cinética do sistema Terra-Lua se dissipar, a velocidade menor de rotação da Terra é compensada por esse afastamento da Lua, o que permite que a energia total dessa interação seja conservada.

Mesmo esse afastamento não significa que a Lua um dia "irá embora". Vai chegar um momento que o sistema entrará em equilíbrio e a Terra terá sempre a mesma face voltada para a Lua —de maneira similar ao que ocorre com o satélite, que sempre tem o mesmo lado voltado para a Terra.

Uma vez que isso ocorra, o satélite seria uma presença constante no céu de algum lado do planeta. O lado bom é que ninguém precisa ficar preocupado em perder o luar: quando isso acontecer, daqui a alguns bilhões de anos, o Sol já deverá ter passado por etapas evolutivas o suficiente para inviabilizar a presença de vida no nosso planeta.

Fontes:

Roberto D. Dias da Costa, professor do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP)

Ana Bonassa, bióloga e doutora em ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP)

Renato Las Casas, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (DF-UFMG), com a ajuda dos monitores do Grupo de Astronomia da UFMG

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