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Mais de 23 mil pessoas desafiam proibição e protestam contra violência policial e racismo na França

6.jun.2020 - Em Paris, na França, pessoas se reúnem na Praça da Concórdia, perto da embaixada dos EUA - ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/AFP
6.jun.2020 - Em Paris, na França, pessoas se reúnem na Praça da Concórdia, perto da embaixada dos EUA Imagem: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/AFP

06/06/2020 17h57

A onda de indignação causada pela morte do americano George Floyd nos Estados Unidos continua tendo repercussão na França. Hoje, novos protestos para denunciar o racismo e a violência policial reuniram 23.000 pessoas em Paris, Lyon, Marselha e outras cidades francesas, segundo o Ministério do Interior. Os participantes desafiaram as autoridades, que tinham proibido as manifestações.

Com o slogan "justiça para todos", os comícios antirracistas organizados em várias cidades francesas prestaram homenagem aos afroamericanos mortos nas mãos da polícia nos Estados Unidos. Eles também criticaram o "racismo" e a "impunidade" que reinam nas corporações policiais na França.

Em Paris, 5.500 pessoas, de acordo com o Ministério do Interior, desafiaram as proibições relacionadas com a epidemia de coronavírus, que impedem aglomerações de mais de dez pessoas, e se reuniram na Praça da Concórdia, nas proximidades da embaixada americana e do Palácio do Eliseu. Manifestantes também realizaram ações aos pés da Torre Eiffel e no Campo de Marte.

"Eu ouvi comentários racistas a vida toda", disse Nadine, 46 anos, executiva de uma seguradora. "Assim é a nossa vida, ser francesa negra não é fácil", afirmou.

Em Bordeaux (sudoeste), pelo menos 2.500 pessoas marcharam atrás de faixas denunciando uma "polícia racista". Num determinado momento da passeata, todos colocaram um joelho no chão, gesto que marca a mobilização por George Floyd, e fizeram um longo minuto de silêncio. Um segundo comício reuniu algumas centenas de pessoas que ouviram os nomes das vítimas de violência policial.

"Não quero que minha filha cresça em uma sociedade em que a vida humana não seja de igual valor", disse Caroline Fache, uma franco-americana.

Em Lyon (sudeste), milhares de pessoas se reuniram no centro da cidade, enquanto em Nice, 2.500 pessoas se ajoelharam aos pés de uma estátua de Apolo, em memória de Floyd.

"A França está se afogando em seu racismo. Denunciamos a violência policial e a negação silenciosa das instituições", declarou Lyon Arkya Sedime, membro do coletivo de afrodescendentes.

Em Rennes (oeste), os participantes formaram uma corrente ao redor de Awa Gueye, irmã de Babacar Gueye, morto a tiros durante uma intervenção policial na cidade, em 2015.

"Há 34 anos eu era estudante e já protestava para denunciar a morte de Malik Oussekine. Nada mudou", disse Nathalie Aubré-Connan.

Oussekine, um estudante francês que sonhava em se tornar padre, morreu depois de apanhar da polícia à margem de um protesto estudantil contra uma reforma universitária, em dezembro de 1986. Ele tinha 22 anos na época. Dos três policiais que surraram o estudante até a morte, apenas dois foram julgados e condenados, sem pegar penas de prisão. Os dois policiais sofreram apenas sanções profissionais administrativas.

Em Marselha (sul), segundo a polícia, mais de 3.000 pessoas fizeram uma passeata na área do porto. "Não há mais presunção de inocência. Qualificamos as pessoas por seu físico", disse Ouiam el-Hamdani, estudante de direito. Ao seu lado, Cléo, que morou na Martinica (ilha francesa no Caribe), lamenta que colegas seus negros peçam para ela acompanhá-los até em casa com receio de serem presos pela polícia.

Manifestações menores aconteceram em Nancy (leste), Béziers (sul) ou Limoges (centro). Na sexta-feira (5), outros atos aconteceram em Estrasburgo (leste) e Clermont-Ferrand (centro). Quase todos eles ocorreram em uma atmosfera pacífica, à exceção de Metz (leste), onde o procurador ficou levemente ferido ao levar uma pedrada no final da manifestação.

"Fratura" na sociedade

As acusações de violência policial e de racismo são recorrentes na França há vários anos. Na noite de terça-feira (2), 20.000 pessoas protestaram em frente à sede da polícia em Paris pela morte do jovem negro Adama Traoré, ocorrida em 2016, até hoje tratada de forma controversa pela polícia e pela Justiça.

Pressionado, o governo francês refutou a existência de qualquer "racismo estrutural" na polícia, mas acabou admitindo a existência de um "certo desconforto". O ministro do Interior, Christophe Castaner, prometeu ser "intransigente" diante de qualquer sinal tangível de racismo por parte da corporação.

Ontem, o ministro acionou a Justiça após a revelação de que um grupo privado no Facebook, reunindo apenas policiais brancos, trocava mensagens racistas contra colegas negros e árabes. A promotoria de Paris abriu uma investigação.

O deputado conservador Damien Abad, líder do partido Os Republicanos na Assembleia Nacional, teme um aprofundamento da "fratura" social e do "ódio antipolicial".

Já o deputado da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon, líder do partido A França Insubmissa, criticou o Executivo. "A raiz de tudo isso é o poder político, que está nas mãos dos sindicatos da polícia, que fazem o que querem", afirmou.

Deplorando um "enorme silêncio", a ONG SOS Racismo pediu ao governo para se apropriar do problema e combater o racismo na polícia.

Com informações da AFP

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