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Covid Dreams: como a pandemia tem influenciado os nossos sonhos

28/05/2020 12h57

Desde o início da pandemia de Covid-19, se multiplicam as histórias de pessoas que acordam relatando sonhos inusitados e muitas vezes ameaçadores. Segundo especialistas, as mudanças bruscas que o contexto atual de incerteza e medo da morte impôs na população estaria por traz do que já está sendo chamado de Covid Dreams.

Correspondente da RFI em Bruxelas

Um dos sonhos mais marcantes do ator Daniel Faria nesta quarentena chegou com uma mensagem que não podia ser mais direta. Enormes caixas de som empilhadas formavam um grande telão e mandavam um aviso para ele ter alegria. Já a ilustradora Luciana Ladeira encontrou no inconsciente a solução para prevenir o perigo das explosões nas casas onde as pessoas estão confinadas. Ela sonhou que haviam proibido em todo o mundo a fabricação e venda das panelas de pressão. Na semana passada, a professora de ioga Lya Torres sonhou que enquanto caminhava pela areia da praia, fendas se abriam e de dentro saíam leões marinhos gigantescos e pesadíssimos, mas que se moviam com uma tremenda agilidade.

De repente, a rotina do planeta mudou. E com isso, relatos de sonhos estranhos e pesadelos tem se multiplicado durante a pandemia. Em uma pesquisa recente sobre os chamados Covid dreams, publicada pela Universidade de Harvard, o novo coronavírus tem aparecido no universo onírico como insetos, vermes rastejantes e gafanhotos com garras. Este estudo mostra também muitas pessoas sonhando que estão em locais públicos lotados sem máscara ou que estão sendo infectadas. No último pesadelo da tradutora Rossana Pasquale Fantauzzi, dezenas de pessoas invadiam a sua casa. "Eram hordas de pessoas entrando, homens, famílias, mulheres, as crianças correndo, e eu perplexa falava: vocês não estão com máscaras, vocês estão infectando tudo. Toda aquela multidão dentro da minha casa e eu não sabia o que fazer".

O neurocientista Sidarta Ribeiro, um dos mais respeitados em sua área no Brasil, professor e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirma existir uma forte teoria que originalmente todos os sonhos eram pesadelos.  Segundo o especialista, desde os tempos das cavernas os sonhos serviam para avisar dos perigos iminentes.

Hoje, o medo da morte está atingindo proporções épicas com quase 6 milhões de pessoas infectadas pela Covid-19 e mais de 350 mil vítimas fatais no mundo. Além de afetar a qualidade do sono, a maioria das pessoas está tendo sonhos com conteúdo cada vez mais ameaçador. Ao viver este trauma coletivo, com as mudanças bruscas na rotina imposto pelo novo coronavírus, os sonhos refletem o esforço psíquico para se adaptar a uma nova realidade, explicou a psiquiatra e neurocientista Natália Mota, para a revista Viva Bem.

A simbologia dos sonhos foi matéria-prima na carreira do psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica Carl Jung. Ele foi um dos primeiros a explorar o conceito de inconsciente. Ao longo de sua vida, Jung analisou mais de 20 mil sonhos e compreendeu que eles eram a chave para entender a psique. Foi também Jung que identificou a existência de arquétipos, que são as imagens psíquicas primordiais que habitam a alma humana. De acordo com a perspectiva junguiana, os sonhos são construções da nossa psique com função de regular e equilibrar nossa vida. O ato de sonhar é uma forma de comunicação com nosso inconsciente e também com nosso inconsciente coletivo.

Em entrevista à RFI, a psicóloga Heloisa Aguiar, especialista em interpretação de sonhos, fala sobre a importância de sonhar nesta época. "As pessoas estão processando mais os seus sentimentos em sonhos. Isso não é estranho, é lindo". Com a experiência de quase 30 anos ouvindo e interpretando os sonhos de seus pacientes, Heloisa diz que "nós estamos criando um novo mundo e vamos precisar do input de muita gente como registro, como caminho". Ela gosta de fazer uma comparação com a história da Arca de Noé. "No momento, nós estamos dentro da arca. Todo mundo está sem saber onde vamos chegar. Então, nesta hora os sonhos são de extremo valor para contar o que vem por aí; porque somos nós que vamos construir essa nova era".

Heloisa explica que o sonho tem também uma parte compensatória na psique, quando mostra o que não estamos podendo fazer para podermos superar o conflito. Com a impossibilidade de sair de casa durante o isolamento social, a bióloga Ana Claudia Paraense tem tido sonhos recorrentes com o mar. Ela conta que é como se fosse um resgate de memórias da época em que mergulhava. "Tenho sonhado com muita frequência com o fundo do mar, com tudo que eu via de bonito, com Abrolhos, o litoral, enfim, vários lugares que já tive oportunidade de mergulhar". Ana Claudia diz que "esta beleza tem trazido paz, sossego, lembranças de um tempo bom" o que foi uma surpresa nestes tempos de pandemia.

Sob a ótica de Jung, a psique é econômica, ela não manda mensagens à toa. E nesta nova rotina que nos obriga a ficar dentro de casa, tendo que conviver com o medo da morte, com o stress, a ansiedade, a falta de experiências novas e a monotonia dos dias, todas estas emoções passam a povoar a nossa realidade onírica. A psicóloga Heloisa Aguiar lembra que a linguagem dos sonhos é simbólica e que o sonho se utiliza destes símbolos para nos mandar mensagens. Ela diz que para interpretar um sonho "é preciso entender o que as imagens significam para a pessoa que sonhou e assim tentar chegar ao âmago do que o arquétipo daquele símbolo está querendo dizer". É ainda possível ampliar toda esta simbologia dos sonhos com a mitologia, as lendas, as fábulas, os contos de fadas, como Jung nos ensinou.

 

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