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Covid-19 chega à zona rural dos EUA e afeta cadeia de alimentos

27/05/2020 06h45

Depois de causar dezenas de milhares de mortes nos grandes centros urbanos dos Estados Unidos, a Covid-19 está tendo um surto nas regiões rurais americanas. Além de trazer mortes para essas comunidades carentes em infraestrutura, a pandemia também acaba por afetar a cadeia de suprimentos e o consumidor americano.

Ligia Hougland, correspondente da RFI em Washington

Nos Estados Unidos, a maior parte dos casos de vítimas da Covid-19 têm sido em residências para idosos e principalmente em grandes cidades, como Nova York e Seattle. Mas agora o coronavírus está começando a atingir as zonas rurais americanas, devido à presença da indústria frigorífica nessas regiões.

Os municípios rurais têm uns dos índices mais altos de casos de infecção e mortes pela doença nos Estados Unidos. Depois de atingir metrópoles e já ter causado cerca de 100 mil mortes nos EUA, agora os municípios rurais têm uns dos índices mais altos de casos de infecção e mortes pela Covid-19 no país - e 60 milhões de americanos vivem em zonas rurais. 

Virologistas já vinham alertando que era só uma questão de tempo até que essas localidades fossem atingidas pelo vírus. Um dos motivos para isso é que empresas que processam e armazenam carne são um forte vetor para a transmissão da Covid-19, e essa indústria se concentra na zona rural. 

Facilidade de transmissão

A transmissão do vírus é alta nessas instalações porque os funcionários precisam trabalhar lado a lado e, mesmo usando máscara, eles frequentemente precisam removê-la, pois é um ambiente barulhento onde a comunicação é difícil. 

A situação fica ainda mais grave porque é na zona rural que se encontra uma grande parcela das populações menos privilegiadas, mais idosas e de minorias, que são quem mais sofrem de diabete e obesidade, fatores que aumentam o risco de morte por Covid-19. 

Além disso, essas localidades, que geralmente ficam longe de cidades com mais infraestrutura, são as que têm menos leitos em hospitais. Apesar das cidades mais populosas ainda apresentarem mais infecções e mortes per capita, esses índices estão aumentando mais rapidamente em municípios rurais, que podem ter ainda mais dificuldade em lidar com a pandemia.

Animais sacrificados e profissionais sob risco

A indústria de processamento de carne de US$ 185 bilhões de dólares tem sofrido com a pandemia. Os abatedouros de carne bovina e suína viram sua capacidade cair em cerca de 40%, com muitos animais tendo de ser sacrificados. Muitos frigoríficos fecharam, o que fez com que faltasse carne nos supermercados. 

Mais de 11 mil casos de Covid-19 e 63 mortes foram registradas nas principais empresas do setor, que inclui a JBS dos EUA, que é uma empresa subsidiária integral da brasileira JBS S.A. 

No final de abril, Donald Trump declarou que os frigoríficos faziam parte de uma "infraestrutura crítica" e ofereceu uma certa proteção a essas empresas contra possíveis processos e, assim, diversos frigoríficos voltaram às operações. 

Isso fez com que os sindicatos que representam os funcionários dessas empresas se manifestassem com força dizendo que o presidente americano tinha dado "carta branca" aos frigoríficos. 

As empresas implementaram diversas medidas de segurança, como telas protetoras entre os trabalhadores e passaram a oferecer incentivos financeiros aos trabalhadores dispostos a retornar às instalações. 

Trabalhadores contra reabertura

Mesmo assim, alguns especialistas e representantes dos trabalhadores do setor alertam que a volta às operações continua a apresentar risco. Apesar de as empresas estarem monitorando a temperatura dos funcionários e incentivarem aqueles com sintomas a fazerem quarentena, muitos, talvez com sintomas leves ou assintomáticos, não podem se dar ao luxo de recusar mais dinheiro ou perder o emprego se ficarem afastados por muito tempo.

Apesar do risco, nem todos trabalhadores são contra a reabertura das instalações. Cerca de 40% dos 470 mil trabalhadores da indústria frigorífica, que paga na média US$ 15 por hora, são imigrantes, incluindo refugiados, sendo que aproximadamente 14% são imigrantes não documentados. 

Um grande número desses profissionais não apenas precisa do emprego para sobreviver, como têm medo de deportação. Mesmo assim, muitos dos funcionários desse setor ainda não retornaram ao trabalho, pois têm medo de serem contaminados.

Outro fator que complica são as informações conflitantes sobre o real risco e crise no setor. O governo federal, por meio do CDC (Centers for Disease Control and Prevention, órgão do governo americano responsável pelo controle e prevenção de doenças), diz que cerca de 5 mil trabalhadores de frigoríficos foram infectados em abril. 

Mas a Food & Environment Reporting Network, uma organização sem fins lucrativos que monitora o setor, diz que o número é de mais de 17 mil. A organização alerta que, com o número das infecções aumentando, vai faltar trabalhadores e a cadeia de suprimento de carne será prejudicada. Isso significa que o consumidor também vai sofrer. 

Investigação do setor

Nesta terça (26), o Departamento de Justiça americano anunciou que está investigando a indústria frigorífica por possível manipulação de preços durante a pandemia. 

Além da JBS, as empresas Tysons Foods, Cargill e National Beef serão investigadas. Essas quatro empresas controlam cerca de 85% do mercado de carne americano. 

Em uma ação bipartidária, a senadora democrata Tammy Baldwin (Wisconsin) e o senador republicano Josh Hawley (Missouri) pediram, em abril, que a Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês) iniciasse uma investigação sobre a possibilidade de o setor frigorífico causar interrupções na cadeia de suprimento de alimentos.

Mas há também notícias mais encorajadoras. Segundo dados do início de maio, dos 2.700 funcionários de uma instalação da JBS no estado de Minnesota, 1.200 testaram positivo para o vírus, sendo que 90% deles não apresentaram sintomas e apenas 12 foram hospitalizados, sem nenhuma morte. 

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