Topo
Notícias

Na crise do coronavírus, enfermeiros alemães querem mais do que aplausos

Grzegorz Szymanowski (md)

05/04/2020 10h36

Na crise do coronavírus, enfermeiros alemães querem mais do que aplausos - Antes pouco valorizados e agora festejados em sacadas, profissionais exigem melhores remuneração e condições de trabalho, especialmente em tempos de pandemia. Setor da saúde sofre há anos com escassez de mão de obra."Parecia um serviço de plantão 24 horas por dia", diz Jan Peters, 27 anos, (nome alterado) sobre como o trabalho como enfermeiro em um hospital do oeste da Alemanha. Ele deveria receber 10 turnos noturnos por mês, mas seu telefone tocava com muito mais frequência, por falta de pessoal.

Ele se deu conta de que havia chegado a seu limite quando não conseguiu sair da cama para ir ao aniversário de sua mãe, após trabalhar seis madrugadas seguidas. "Dei-me conta de que não conseguiria fazer isso durante 30 anos, provavelmente nem mesmo por dez", diz.

Jan Peters então mudou para um emprego de meio período, mas suas horas extras não diminuíram. Até que ele finalmente deixou o trabalho definitivamente, seis meses atrás.

Hoje Peters, como muitos outros, está ausente do sistema de saúde alemão, em plena luta contra o coronavírus. Oficialmente, de acordo com a Agência Federal de Emprego (BfA), já em 2018, cerca de 40 mil postos de enfermagem estavam vagos, mas o número é muito maior, dizem especialistas. Muitos empregadores não se reportam mais ao BfA porque quase ninguém se candidata aos postos vagos.

A falta de enfermeiros é uma crise à qual muitos alemães já se acostumaram. Mas a epidemia de coronavírus fez com que ela voltasse à ordem do dia. Políticos alemães agora classificam enfermeiros como "relevantes para o sistema". A população os aplaude de suas sacadas à noite. Mas para muitos que trabalham em enfermagem, tudo isso chega tarde demais.

"Agora somos chamados de 'relevantes para o sistema', mas isso é algo que sempre fomos", diz Nora Wehrstedt. Ela tem 29 anos e trabalha como enfermeira na Clínica Municipal de Braunschweig. "Acho simpático que sejamos aplaudidos, mas isso não paga nosso aluguel."

Além de trabalhar como enfermeira, ela também é vice-presidente da Câmara de Enfermagem da Baixa Saxônia. "Valorização e reconhecimento são importantes, mas também precisamos disso quando lutamos por melhores condições de trabalho", diz.

Falta de equipamento de proteção

Há muito que enfermeiros exigem melhores salários e mais funcionários. Agora, durante a crise do coronavírus, eles sentem falta de material de proteção. Em muitos lugares, não existem máscaras suficientes. "Se não tomarmos cuidado e não fortalecermos as equipes de enfermagem agora, mais colegas deixarão a profissão após essa pandemia", alerta Wehrstedt.

Uma petição na internet dirigida ao ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, reivindica melhor proteção e aumentos salariais para enfermeiros. O abaixo-assinado já tinha no final de março cerca de 350 mil assinaturas. Embora a petição não seja legalmente vinculativa, ela mostra que muitos agora estão dando ouvidos à voz da classe dos enfermeiros.

"Percebemos como nossa imagem vem mudando. As pessoas dizem: sejam exigentes, vocês têm direito a bons salários e proteção", diz a enfermeira Yvonne Falckner, de Berlim, que ajudou a criar a petição.

O Ministério da Saúde da Alemanha afirmou que 20 milhões de máscaras de proteção adicionais e 15 milhões de luvas já foram providenciadas e que um total de 3 bilhões de euros do orçamento da pasta será destinado para novas compras de equipamentos de proteção.

Confiança perdida

A falta de enfermeiros faz parte de um ciclo vicioso. Como há escassez de pessoal, outros enfermeiros ficam sobrecarregados. Se eles pedem demissão por isso, a escassez aumenta.

"Muitos aprendizes abandonam o emprego já no primeiro ano por causa das condições de trabalho", diz Johanna Knüppel, porta-voz da Federação Alemã de Profissionais de Enfermagem.

A escassez de mão de obra cresceu nos últimos anos. Enquanto 36% dos hospitais tinham problemas para preencher vagas de enfermagem em 2011, o número era de 78% no ano passado, de acordo com uma pesquisa do Instituto Hospitalar Alemão. Enfermeiros estão em falta em quase todos os hospitais pesquisados com mais de 600 leitos.

A situação é ainda mais difícil em casas de repouso, onde os salários dos enfermeiros são mais baixos, em média. Especialistas da Universidade de Bremen afirmaram recentemente, em uma avaliação produzida para o Ministério da Saúde da Alemanha, existir nessas instituições uma carência de 120 mil profissionais.

Agora o ministério planeja aumentar o número de vagas para aprendizes, que são alunos em formação do ensino técnico em enfermagem, e um salário mínimo de 15 euros por hora foi adotado recentemente. Para remediar a escassez de mão de obra, há dois anos o mínimo previsto de membros em equipes de enfermagem para determinadas enfermarias foi reduzido há dois anos. Mas há tão poucos enfermeiros no mercado que os limites legais tiveram que ser elevados novamente com a crise do coronavírus.

Momento certo para demandas

É por isso que os enfermeiros querem garantir melhores salários durante esta crise. A entidade representante da categoria do estado da Baixa Saxônia classificou o salário mínimo de 15 euros por hora como "piada" e exige um salário bruto de 4 mil euros.

Os iniciadores da petição online direcionada ao ministro alemão da Saúde concordam com a proposta. Segundo o Serviço Federal de Estatística da Alemanha (Destatis), enfermeiros formados ganham atualmente nos hospitais alemães, em média, 3.502 euros, enquanto cuidadores de idosos recebem 3.116 euros mensais. O sindicato Verdi reivindica um adicional de periculosidade de 500 euros mensais.

Nos meios políticos, também parece estar crescendo a disposição para destinar mais verba à área. O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, classificou os novos salários mínimos de muito baixos e pediu, durante uma entrevista, acordos coletivos para todos os funcionários do ramo.

"É apropriado negociar, no contexto desta crise, o pagamento de um adicional, a ser feito permanentemente para essas profissões", disse à DW o especialista em saúde da bancada parlamentar do Partido Social-Democrata (SPD), Karl Lauterbach. "Com isso, também poderíamos conseguir o retorno de enfermeiros que deixaram a profissão."

Lauterbach acredita que este é o momento certo para falar sobre dinheiro. "Caso contrário, ninguém se lembrará disso depois da crise, quando são esperadas dificuldades econômicas."

Falckner também rejeita as críticas de que este não é o momento certo para reivindicações monetárias. "Não adianta nada se nos mandarem esperar para mais tarde. Quando é esse 'mais tarde'?", questiona a enfermeira.

Promessas não cumpridas

Será que o interesse pela situação dos enfermeiros continuará após a crise? "As pessoas agora estão batendo palmas das sacadas porque têm medo de adoecer", diz a cientista social Barbara Thiessen, professora da Universidade de Ciências Aplicadas de Landshut.

"E então, elas percebem que há outras pessoas que se expõem ao risco e continuam nos hospitais, trabalhando", afirma, acrescentando que nesta situação, os aplausos são uma reação "absolutamente compreensível", mas "também cínica", dadas as más condições de trabalho.

"Agora eles recebem aplausos e talvez até um bônus isento de impostos. Mas se as condições de trabalho não mudarem depois, isso seria um tapa na cara", diz Thiessen. Ela duvida que os enfermeiros recebam o apoio de que precisam, mesmo após a crise.

Wehrstedt avalia que a imagem do setor vem mudando aos olhos da população. "Antes, os cuidadores e enfermeiros geralmente não eram valorizados e associados somente a limpeza de excrementos, assistência para alimentação e limpeza de doentes e inválidos",diz.

"Agora estão começando a perceber que a profissão é muito mais que isso. Mas os enfermeiros se tornaram céticos em relação às promessas de mudanças permanentes", comenta a enfermeira. "Muito nos foi prometido, mas pouco foi cumprido."

______________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube
| App | Instagram | Newsletter


Autor: Grzegorz Szymanowski (md)

Notícias