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Bênção sem tocar: poucos fiéis quebram isolamento para ir a igrejas no Rio

26.mar.2020 - A atendente de supermercado Celma Miranda, que leva álcool em gel na bolsa, deixa templo após oração - Herculano Barreto Filho/UOL
26.mar.2020 - A atendente de supermercado Celma Miranda, que leva álcool em gel na bolsa, deixa templo após oração Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL
do UOL

Herculano Barreto Filho

UOL, no Rio

27/03/2020 13h29

Resumo da notícia

  • Após decreto, igrejas evangélicos mantêm portas abertas, mas sem cultos presenciais
  • De portas abertas, igreja do pastor Silas Malafaia estava vazia
  • Igrejas católicas do Rio mantiveram as portas fechadas

Portas abertas para bênção e oração, mas sem culto presencial e com medidas de prevenção contra o coronavírus. Essa é a nova realidade adotada por igrejas evangélicas das zonas norte e sul do Rio visitadas ontem pelo UOL.

Após decreto publicado pelo presidente Jair Bolsonaro que incluiu templos religiosos e lotéricas na lista de serviços essenciais, os templos mantinham ontem (26) as portas abertas, mas poucos fiéis quebraram a quarentena para orar. Houve quem levasse seu próprio álcool em gel e até funcionário desinfetando as mãos do público na entrada das igrejas.

A reportagem também foi a igrejas católicas, que permaneciam fechadas. A CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) manterá a decisão de não promover missas para evitar aglomerações.

"Só não vou poder colocar a mão sobre sua cabeça"

Um homem abre a porta de uma Igreja Universal do Reino de Deus em Botafogo, na zona sul carioca, e percorre um silencioso corredor com cadeiras vazias para chegar ao altar. Lá, fecha os olhos, enquanto o pastor estende a mão sobre a sua cabeça e faz uma oração.

Mas o líder espiritual logo se justifica, enquanto dá a bênção: "Só não vou poder colocar a mão sobre a sua cabeça", explica. O homem concorda, se despede e deixa o templo. A cena ilustra uma nova realidade enfrentada por fiéis em meio ao isolamento imposto pela pandemia.

Em seguida, a atendente de supermercado Celma Miranda, 42, deixa a igreja após fazer uma oração. Com álcool em gel na bolsa e consciente da necessidade de evitar o contato com outras pessoas, Celma ainda tenta se adaptar a essa nova realidade.

"Pra gente, que vive a fé e busca Deus todos os dias, tá muito difícil. A igreja tá vazia. Sinto falta das pessoas, sinto falta das conversas com outros fiéis. Isso é triste"

Celma Miranda, atendente de supermercado

Até a igreja do pastor Silas Malafaia, que chegou a receber 350 fiéis em um culto na semana passada, passou a adotar medidas de prevenção. Na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na Penha, zona norte do Rio, havia mais pastores e obreiros do que fiéis.

26.mar.2020 - Até mesmo a igreja do pastor Silas Malafaia, que chegou a receber 350 fiéis em um culto na semana passada, se adaptou à nova realidade. Na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na Penha, zona norte do Rio, havia mais pastores e obreiros do que fiéis - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
26.mar.2020 - Até mesmo a igreja do pastor Silas Malafaia, que chegou a receber 350 fiéis em um culto na semana passada, se adaptou à nova realidade. Na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na Penha, zona norte do Rio, havia mais pastores e obreiros do que fiéis
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

O pastor Ueliton Oliveira, que chegou a estender a mão para cumprimentar, ainda parecia se adaptar aos novos códigos de conduta impostos pelo coronavírus. Mas o discurso estava alinhado com as novas determinações do templo. "Não estamos permitindo aglomerações. Mas pouca gente está vindo aqui. As pessoas que chegam dobram o joelho na igreja e voltam para casa", conta.

Na mesma rua, um casal aproveita uma ida ao mercado para fazer uma oração em uma Igreja Universal do Reino de Deus.

"A gente participava dos cultos três vezes por semana. Agora, estamos acompanhando de casa, pela televisão. Fiz a minha oração no altar para me fortalecer. É um tratamento espiritual"

Denise Monteiro Fernandes, 52, técnica de enfermagem

"Tinha gente que não acreditava e passou a acreditar em Deus. Tenho um colega que fala que tem algo errado. Eu respondo dizendo que tá tudo na Bíblia", completa o encarregado em logística Paulo Henrique Fernandes, 55, marido de Denise.

O isolamento atinge inclusive a sede estadual da Igreja Universal do Reino de Deus, em Del Castilho (zona norte). Com 45 mil metros quadrados de área construída, o complexo de igrejas e prédios com capacidade para receber até 20 mil fiéis parecia abandonado.

Na entrada, um sujeito borrifa álcool nas mãos das poucas pessoas por ali. "Se o senhor quiser fazer uma oração, é só descer aquela rampa ali", orienta.

Pastores evitam falar com fiéis

No templo, os pastores dizem que não estão autorizados a falar com os fiéis. "Só está liberado para fazer orações", explica um deles.

26.mar.2020 - O isolamento atinge até mesmo a sede estadual da Igreja Universal do Reino de Deus, em Del Castilho, zona norte do Rio, contrastando com as proporções de uma das maiores igrejas do país - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
26.mar.2020 - O isolamento atinge até mesmo a sede estadual da Igreja Universal do Reino de Deus, em Del Castilho, zona norte do Rio, contrastando com as proporções de uma das maiores igrejas do país
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

A diarista Janete Souza, 49, faz uma oração de menos de um minuto e circula pelas instalações do templo. "Só vim trazer o meu dízimo", explica.

O radialista Flavio Castelo conversa com a reportagem na saída da igreja. "Só vim fazer a minha oração. E fiquei longe de todo mundo. É muito triste ver a casa do Senhor vazia", diz.

Em seguida, estufa o peito e aumenta o tom de voz: "E põe aí, abre aspas: A humanidade tem mais temor a um vírus do que temor a Deus. Se tivesse temor a Deus, Ele nos tiraria muito mais rápido disso tudo que estamos vivendo", completa.

26.mar.2020 - Morador de rua Elias Patricio Pontes deixa igreja de Del Castilho após fazer oração - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
26.mar.2020 - Morador de rua Elias Patricio Pontes deixa igreja de Del Castilho após fazer oração
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Na Igreja Mundial do Poder de Deus, ainda em Del Castilho, o cenário também é de abandono. "Estamos seguindo as orientações. É o que o senhor tá vendo aí. As pessoas entram para fazer a oração e saem. A gente não se aproxima. O pessoal tá com medo", diz o auxiliar do pastor, que apenas monitora a movimentação por ali.

Em seguida, um homem se ajoelha ao fundo da igreja e deixa o local rapidamente. "Meu amado, todo o dia eu faço uma oração aqui. Não tô entendendo esse coronavírus. Não leio jornal, não sei o que tá acontecendo aí", diz ele, que se identifica como Elias Patrício Pontes, 45, morador de rua e usuário de drogas.

"Tá tudo fechado, não tem gente na rua e ninguém dá nada para eu comer. Eu tenho que ir, tá? Que Deus te abençoe", diz, antes de sair do templo e perambular pelas ruas vazias da região.

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