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Orçamento agoniza no Congresso rodeado por disputa de verbas e desconfiança

O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - Carolina Antunes/PR
O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) Imagem: Carolina Antunes/PR
do UOL

Luciana Amaral*

Do UOL, em Brasília

21/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Orçamento ainda não tem consenso, fazendo governo e Congresso brigarem entre si e internamente
  • Em jogo estão R$ 31,1 bilhões, controle de prioridade de emendas, recursos a ministérios e punição ao governo
  • Veto de Bolsonaro precisa ser analisado até 29 de fevereiro, senão passa a trancar a pauta no Parlamento

Em ritmo de pré-carnaval, naturalizou-se que algumas pautas sejam adiadas no Congresso Nacional e no governo federal. Mas uma que tem agonizado e ninguém sabe ao certo que rumo vai tomar é a do Orçamento impositivo.

Rodeadas de desconfianças entre os envolvidos e de disputas por verbas — R$ 30,1 bilhões —, as negociações ganharam um tempero que esquentou o caldo: a fala do general Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional) de que o Executivo não pode ser chantageado pelo Legislativo.

Embora forte, a declaração do ministro reflete apenas uma das pontas da tensão em torno do Orçamento. O descontentamento não parte apenas do governo perante o Congresso e vice-versa, mas também dentro de cada um dos Poderes. Sobrou para todo mundo.

Os principais pontos em jogo estão a possibilidade de os parlamentares controlarem R$ 30,1 bilhões em emendas hoje nas mãos do relator do Orçamento, deputado federal Domingos Neto (PSD-CE), indicado pelo centrão, e o cronograma de recursos às áreas que preferirem nas bases eleitorais.

Da forma como foi aprovada no ano passado, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2020 determina que esses R$ 30,1 bilhões sejam de execução obrigatória. É uma maneira de os parlamentares terem mais autoridade no direcionamento de verbas sem depender de ministérios e do Palácio do Planalto.

Os parlamentares ainda aprovaram determinação de que o governo execute as emendas empenhadas em até 90 dias. Caso contrário, servidores seriam penalizados. A avaliação de parlamentares ouvidos pela reportagem é a de que a articulação do Planalto no Congresso falhou em não detectar essas mudanças a tempo.

O Planalto ficou insatisfeito com os próprios aliados responsáveis pela articulação no Congresso por terem permitido se chegar a tal ponto. Quando perceberam, já era tarde.

O senador Major Olímpio (PSL-SP), que tem votado com o governo embora tenha se afastado da família Bolsonaro, classificou a situação como um "ajuste macabro".

Quem está falando pelo presidente está conspirando contra o governo. Fizeram isso por total inconsequência ou incapacidade
Major Olímpio (PSL-SP), senador

Ministérios e a equipe econômica alertaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que o projeto como estava poderia travar a máquina pública por falta de dinheiro sob o controle do Executivo. Ontem, o ministro Paulo Guedes (Economia) disse ser "normal que o Congresso queira entrar no Orçamento, mas peraí, não precisa pisar no nosso pé".

Outro fator alardeado ao presidente era que, se não pagassem as emendas em até 90 dias, haveria brecha para um pedido de impeachment por improbidade administrativa. Correndo atrás do prejuízo, Bolsonaro vetou parte do projeto. Um veto pode conter vários itens, que são negociados separadamente.

A partir daí, as insatisfações de parte a parte se intensificaram. No Congresso, há quem concorde com a decisão de Bolsonaro e há quem defenda que o Legislativo deve ter mais voz no Orçamento a fim de não ficar refém do governo.

Poder definir para onde vão as verbas torna-se ainda mais importante em um ano eleitoral, como 2020. Embora parte das emendas já seja impositiva, ou seja, de pagamento obrigatório, o governo ainda consegue controlar o ritmo de liberação de verbas de acordo com quem votar a favor dele em pautas importantes. Esse controle seria dificultado se os parlamentares derrubassem um dos itens vetados por Bolsonaro.

Este grupo a favor da derrubada também alega que em outros países o Orçamento já é estipulado pelo Legislativo e nada mais justo do que o Brasil se atualizar no tema.

O Congresso então passou a articular pela queda de parte do veto — alguns parlamentares se sentiram traídos. Reclamaram de que o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) havia prometido que Bolsonaro não mexeria no projeto.

Bolsonaro não conseguiu formar uma base aliada definida no Senado e na Câmara até o momento. Porém, quem mais tem saído em defesa da manutenção total dos vetos do presidente é um grupo de 21 senadores chamado "Muda, Senado", que tem entre suas principais bandeiras o combate à corrupção.

Eles passaram a questionar supostas razões não republicanas para que o Parlamento ficasse tão empoderado. O UOL ouviu mais senadores, inclusive de partidos tradicionais, que estariam dispostos a apoiar Bolsonaro pela manutenção total do veto.

Como a sessão conjunta do Congresso que analisa o veto presidencial começa com a votação dos senadores, estes conseguiram obstruir os trabalhos por falta de quórum. À reportagem integrantes do "Muda, Senado" afirmaram pretender continuar com a estratégia utilizando-se da prioridade na votação.

Poder de barganha

Outro ponto de divergência entre parlamentares é o fato de R$ 30,1 bilhões estarem sob o controle do deputado Domingos Neto, apesar de parte já estar direcionada em acordo prévio com o governo.

Senadores e deputados ouvidos pelo UOL afirmaram que, nessa situação, o relator do Orçamento pode ficar com mais poder de barganha do que o próprio presidente da República.

"Daqui a pouco, em vez de ir ao Planalto ou ao ministério para conversar, vamos ter que ir atrás do relator. É um absurdo. Ele virou rei ou presidente não eleito para o cargo?", disse um senador sob a condição de anonimato.

Antes dessa sessão conjunta, um primeiro acordo foi costurado entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e líderes do governo no Congresso.

O acerto previa que, dos R$ 30,1 bilhões em emendas do relator, R$ 11 bilhões fossem repassados para os ministérios. Os R$ 19,1 bilhões restantes permaneceriam sob as emendas de Neto.

Mais detalhes seriam definidos por um projeto de lei a ser enviado pelo governo ao Congresso, que não saiu. Grupos de parlamentares, especialmente da oposição, disseram não ter sido convidados para as discussões. O acordo derreteu.

Uma reunião oficial foi marcada para a terça-feira passada (18) para negociar novos termos, mas, de novo sem o projeto em mãos, Alcolumbre a desmarcou.

A divisão do bolo

Ao longo dessa semana, a repartição dos R$ 30,1 bilhões adquiriu diferentes formatos, sem definição. Deputados do centrão ainda passaram a ficar irritados com Maia ao considerarem que ele estaria querendo agradar o Planalto ao devolver parte do montante, o que não aceitam.

Segundo apurou o UOL, nesse meio tempo, partidos que formam o centrão tentaram costurar um acordo em que recursos das emendas seriam redistribuídos entre líderes partidários e até mesmo entre parlamentares. Parte dos congressistas se revoltou com a possibilidade.

Para piorar o clima, a fala de Heleno sobre a suposta chantagem do Congresso irritou Alcolumbre e Maia. O primeiro disse que a declaração do militar é um "ataque à democracia". O segundo disparou que o ministro é um "radical ideológico contra a democracia".

A ordem agora no Planalto é encerrar o assunto para acalmar os ânimos. Enquanto isso, o prazo para a análise do veto está correndo. Se não for votado até 29 de fevereiro, passa a trancar a pauta em plenário. As partes terão de chegar a um consenso, sem deixar de medir as forças de cada uma.

*Colaboraram Guilherme Mazieiro, do UOL, em Brasília, e Carla Araújo, colaboração para o UOL, em Brasília

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