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Missionário brasileiro diz que países estão jogando migrantes em matadouros

18/02/2020 00h25

Cidade da Guatemala, 17 fev (EFE).- O padre brasileiro Mauro Verzeletti, missionário de São Carlos Scalabrinianos e diretor da Casa de Migrantes da Guatemala, advertiu nesta segunda-feira que os Estados Unidos, México e o norte da América Central estão jogando pessoas "no matadouro" com os acordos de imigração assinados no ano passado.

A política de imigração adotada pelo governo do presidente americano, Donald Trump, seguida em maior ou menor grau pelo México, Honduras, El Salvador e Guatemala - que concordaram em se tornar um "terceiro país seguro" - foi uma "demonstração muito clara de ignorância", disse à Agência Efe.

Desde o início da crise humanitária que levou o êxodo centro-americano para os Estados Unidos com as chamadas caravanas de migrantes, a organização administrada por Verzeletti na capital guatemalteca tem prestado atenção abrangente a mais de 30 mil migrantes na região.

Verzeletti tem testemunhado há 22 anos, quando fundou a Casa dos Migrantes, na Guatemala, de como a migração irregular tem variado. Mas ele não tinha visto nada parecido com o que está acontecendo agora: "Uma ignorância que viola o sistema de asilo e a proteção internacional aos migrantes".

As pessoas deixam países onde há "condições extremamente violentas", afirma o religioso, mas, com os planos do governo dos EUA e replicados pelos presidentes dos países envolvidos, os migrantes "são devolvidos para a mesma região, através de um carta de entendimento na qual estamos jogando pessoas para o matadouro e não estamos resolvendo o drama humano".

Um drama histórico cuja dinâmica mudou em 2014, quando menores desacompanhados deram lugar a um cenário anteriormente protagonizado por homens e jovens que, em sua maioria, viajavam de mãos dadas com coiotes e redes de tráfico de pessoas, sob a cumplicidade de governos no poder.

Em 2018, essa mesma dinâmica foi completamente modificada e foram estabelecidas caravanas maciças, convocadas pelos próprios migrantes que, em famílias inteiras, se reuniram em vista de todo o mundo para deixar os abismos de seus próprios países em busca do suposto sonho americano.

TRIÂNGULO NORTE DA AMÉRICA CENTRAL

Verzeletti tem acompanhado e estudado esses processos e reflete que a "violência incontrolável" em Honduras, "gangues, crime organizado e narcotráfico que penetraram nas comunidades em El Salvador" e a configuração de poderes a serviço da corrupção na Guatemala têm levado as pessoas a migrar.

Nesses três países, o triângulo norte do istmo, "podemos falar hoje de uma guerra não declarada, na qual mais pessoas morrem do que durante os conflitos armados" que cimbraram a América Central há mais de 30 anos.

O padre scalabriniano lamenta que parte dos governos dos países envolvidos "não tenham compreendido esta mudança no fluxo migratório e não tenha implementado novas políticas para enfrentar essa nova dinâmica. Em vez disso, eles se comportaram de maneira xenofóbica e racista".

Acima, em Honduras, o presidente Juan Orlando Hernández "é praticamente o braço direito do narcotráfico em todo o país", que "narcoEstado, um dos mais exemplares da região".

E na Guatemala, o presidente Jimmy Morales, que deixou o cargo em 14 de janeiro após quatro anos no poder "não queria trabalhar com a comunidade internacional" e trabalhou ao lado do Congresso no "eixo fundamental: o pacto corrupto, sem pensar no povo".

Agora, com o novo governo liderado por Alejandro Giammattei, Verzeletti não "vislumbrou o curso exato que o fluxo migratório vai tomar", embora reconheça algumas ações positivas, como respeitar os direitos humanos dos migrantes durante a caravana de 15 de janeiro, mas com o alarme de ações duras, com estados de prevenção que, em outros países, "não resolveram o problema estrutural subjacente".

O missionário, que em 2018 foi declarado "personagem do ano" pelo jornal guatemanteco "Prensa Libre", destaca que os EUA são "um problema para o mundo" na área da migração e apela que, em vez de gastar milhões de dólares em muros, teriam investido em "programas de desenvolvimento para conter o fluxo da migração".

No mesmo ano, o missionário brasileiro e funcionários da organização receberam várias ameaças de morte, culminando com o "fim" da Casa.

AMEAÇAS DE MORTE

Durante semanas, ele, a equipe de trabalho e a instituição contaram com vigilância e segurança 24 horas, seguindo "ameaças muito fortes, duras e sérias".

De qualquer forma, este missionário de 59 anos e com uma longa barba branca continuará a atender migrantes de passagem, aos que ficaram mais tempo em busca de um lugar para morar ou de repatriados sob o acordo de "terceiro país seguro" ou Acordo de Cooperação de asilo.

Além de tudo, a Casa do Migrante recebeu quase 400 hondurenhos e salvadorenhos dos quase 600 que chegaram ao país da América Central deportados dos Estados Unidos sob o acordo de "terceiro país seguro". Na maioria dos casos, os migrantes retornam aos seus países de origem.

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