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Fotógrafa Claudia Andujar ganha em Paris retrospectiva inédita de seu trabalho com índios Yanomami

28/01/2020 18h22

Com cerca de 300 obras, a exposição Cláudia Andujar, A Luta Yanomami em cartaz a partir desta quarta-feira (30) na Fundação Cartier para a arte contemporânea, em Paris, oferece a maior retrospectiva já dedicada à fotógrafa fora do Brasil. Além do conjunto de fotografias e vídeos, a instituição programou atividades com a presença da artista e de lideranças indígenas para expor a situação de vulnerabilidade em que se encontram as comunidades originárias do país.

Com cerca de 300 obras, a exposição Cláudia Andujar, A Luta Yanomami em cartaz a partir desta quarta-feira (30) na Fundação Cartier para a arte contemporânea, em Paris, oferece a maior retrospectiva já dedicada à fotógrafa fora do Brasil. Além do conjunto de fotografias e vídeos, a instituição programou atividades com a presença da artista e de lideranças indígenas para expor a situação de vulnerabilidade em que se encontram as comunidades originárias do país.

Nos dois andares reservados pela Fundação, a exposição reúne as imagens realizadas a partir dos anos 1970, quando Claudia Andujar iniciou seu contato com os Yanomami e que vai evoluir para um engajamento militante.   

A primeira parte que ocupa um andar inteiro do prédio mostra o caráter mais artístico de suas imagens; sua percepção com o estilo de vida, a relação com o território, os costumes e rituais como o xamanismo. A segunda parte revela a dimensão política e ativista, quando a fotografia é usada como vetor para ações em defesa dos direitos do povo Yanomami.   

"São dois núcleos. O primeiro, em que ela chega no território Yanomami e começa a desenvolver um projeto artístico original e criativo, e representa fotograficamente sensações. A visão de mundo dos Yanomamis. É um grande idílio, ela aprende e experimenta. No meio desse caminho, ela é expulsa do território por denunciar a violência da invasão do território amazônico e muda de atuação", explica o curador da exposição Thyago Nogueira.

Durante dois anos, ele e Claudia se debruçaram em um universo de cerca de 40 mil imagens realizadas pela fotógrafa, e selecionaram uma sequência que sintetiza de forma narrativa e didática a longa carreira da artista e de seu envolvimento com os indígenas.  

"O projeto original era entender como ela evoluiu como artista. Ela não tinha chegado aos Yanomami pronta. Ao mesmo tempo, queria mostrar a dimensão política do trabalho, que com o tempo vinha perdendo. Apenas a perspectiva artística vinha sendo destacada pelos museus, galerias e colecionadores. Na trajetória da Cláudia, isso era uma questão importante, a associação entre a imagem e a política. É fundamental", afirmou Thyago na entrevista à RFI Brasil.  

Um dos destaques da exposição é o conjunto de retratos com diversas gerações de índios marcados com números para auxiliar em uma campanha de vacinação contra doenças que apareceram no território devido à construção da rodovia Perimetral Norte, durante a ditadura militar.

A série, conhecida como "Marcados", estabelece um paralelo com o período sombrio de sua história familiar. Seu pai, um judeu húngaro casado com uma suíça, foi marcado ao ser levado com seus familiares para o campo de concentração nazista de Dachau. Sobrevivente do Holocausto, Claudine Haas, seu nome de nascimento, foi levada pela mãe da Suíça para Nova York e de lá foi para o Brasil, onde chegou em 1955, já tendo adaptado e assumido o nome do marido espanhol.

"Mãe dos Yanomami"

No decorrer da exposição, já apresentada em São Paulo e Rio de Janeiro,  textos e até imagens colocam em perspectiva a trajetória de Claudia Andujar, que viajou pela primeira vez às terras Yanomami em 1971, para ilustrar uma série de reportagens para a revista Realidade.

O contato com a comunidade instalada entre as fronteiras de Roraima e Amazonas com a Venezuela foi um divisor de águas na sua vida, como deixa claro em depoimentos exibidos em vídeos na exposição. Desde então, passou a frequentar e conviver com os índios.  

"Para nós é muito importante o trabalho da Claudia Andujar. Ela foi na terra Yanomami, morou lá, aprendeu nossa língua, comeu carne, peixe, beiju, banana. Ela provou nosso alimento, e se aproximou da nossa cultura. Ela pode contar nossa história para vocês", afirmou Davi Kopenawa Yanomami durante a apresentação da exposição a um grupo de jornalistas estrangeiros em Paris.

"Ela retornou como a mãe do Yanomami. Ela veio de longe e foi salvar nossas vidas, o povo Yanomami. Essas fotos contam a nossa história, o que aconteceu há 50, 60 anos", acrescentou, fazendo referência ao período durante a ditadura, quando Claudia foi proibida pelos militares de pisar no território indígena.

O período reforçou o caráter militante da artista, que ajudou a fundar a ONG CCPY (Comissão Pró-Yanomami). Ao lado de Davi Kopenawa, ela usou de sua arte e influência para mobilizar lideranças no Brasil e no exterior para defender os direitos indígenas, que tiveram o território definitivamente homologado em 1992.

"Conseguimos a homologação das nossas terras. Mas agora, o governo atual... é outra pessoa, tem outra cabeça, é doente. Ele fala que a terra Yanomami é muito grande e tem pouco índio. Sempre fala isso. Não acreditem nele. Nós não vamos construir outra cidade. Esse pensamento do Bolsonaro, não escutem, não", disse Davi em tom de apelo, ao se referir à política do presidente Jair Bolsonaro para as comunidades indígenas.  

Davi denunciou a presença de mais de 20 mil garimpeiros nas terras dos Yanomami. "As autoridades estão querendo roubar de novo (nossas terras). Eles devem tirar garimpeiro de lá. Estão aumentando de novo, tem uns 22 mil lá, não queremos que continuem. Vamos lutar para o presidente (Bolsonaro) tirar, urgentemente, os garimpeiros de nossas terras", continuou.

Segundo o curador Thyago Nogueira, a ideia de uma exposição para Claudia Andujar surgiu há cinco anos, para homenagear a artista e seu engajamento  político.  

"A exposição foi pensada em homenagem à Claudia e a todas as pessoas que lutaram durante anos para combater a ignorância e a violência no período da ditadura e também da democratização. A gente não podia imaginar quando começamos este projeto que iria dar essa reviravolta e que toda essa onda de ignorância e de violência, que tinha dominado num momento, poderia ser retomada e revivida", diz.

"É muito chocante ver que tudo o que a gente ouviu, leu, os depoimentos que a gente colheu sendo repetidos agora por um governo extremamente autoritário e ignorante, que está cometendo uma violência terrível contra os povos que estão muito tempo antes de a gente chegar ao Brasil", completa.

Uma das salas da exposição na Fundação Cartier dá espaço para uma grande instalação onde são projetadas imagens da releitura da artista, hoje com 89 anos, sobre seu próprio arquivo.

"No fundo ela percebe que tem um 'corpo político' de imagens como uma arma poderosa para denunciar e impedir as atrocidades que estão acontecendo. É um 'corpo fotográfico' usado em forma de defesa", destaca o curador.

A exposição Claudia Andujar, A Luta Yanomami fica em cartaz em Paris até o dia 10 de maio e depois segue para Suíça, Itália e Espanha.

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