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Os coaches que usam drogas psicodélicas para ajudar clientes a mudar de carreira

Colleen Hagerty

Da BBC Worklife, na Califórnia (EUA)

26/01/2020 09h00

Paul Austin e Matt Gillespie estão tentando refazer seus passos ao longo de um caminho cheio de sequoias.

Na mata, é fácil se perder: ainda resta cerca de uma hora de luz do Sol e o clima é extraordinariamente agradável para o mês de dezembro na cidade de Oakland, na Califórnia.

A psilocibina, ou 'cogumelos mágicos', recebeu uma permissão dos EUA para pesquisa clínica para usos médicos - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
A psilocibina, ou 'cogumelos mágicos', recebeu uma permissão dos EUA para pesquisa clínica para usos médicos
Imagem: Getty Images/BBC

Além disso, os dois homens de 29 anos estão de bom humor. Austin, um "coach psicodélico", sente-se confiante de que sua orientação ajudou seu cliente, Gillespie, a fazer algum progresso real hoje. E Gillespie, roçando a palma da mão em uma árvore enquanto dá outro passo na lama, parece nada preocupado com o desvio não planejado na floresta.

"Com que frequência você se permite se perder?", pergunta Gillespie. É difícil dizer se ele está realmente encantado com as sequóias ao seu redor —ou se ele ainda está sentindo os efeitos da dose de drogas psicodélicas que tomou algumas horas antes.

'Isso realmente me ajudou a entender meu potencial'

Na última década, o uso de psicodélicos tem aumentado nos Estados Unidos. Essas substâncias capazes de alterar a consciência, que incluem psilocibina (ou "cogumelos mágicos") e LSD, são mais conhecidas por seus efeitos alucinógenos. Mais notavelmente, elas estão associadas à contracultura dos anos 1960.

Hoje, porém, elas também são parte da cultura da tecnologia e da obsessão pelo sucesso do Vale do Silício. A empolgação com esses psicodélicos tem menos a ver com recreação e mais com otimização —especificamente, sua suposta capacidade de ajudar as pessoas a subir de nível em suas carreiras.

Gillespie concorda com essa ideia —e faz isso há anos. Ele credita grande parte de seu sucesso profissional à sua primeira dose de LSD, tomada com seu melhor amigo quando eles eram adolescentes no Estado americano de Ohio.

"Nesse estado alterado, tornou-se muito mais real o fato de eu não saber nada sobre o mundo", diz Gillespie. "Percebemos como éramos ignorantes e o quanto de crescimento tínhamos deixado para trás em nossas vidas. Era, de uma maneira estranha, muito humilhante, mas também muito libertador. Isso realmente me ajudou a entender meu potencial."

Antes de sua experiência com LSD, ele achava que seu futuro já estava escrito: ele frequentaria uma universidade local e encontraria um emprego em sua cidade natal, Cincinnati. Mas, depois de experimentar o medicamento, Gillespie decidiu se formar em design industrial. Ele acabou trabalhando na Alemanha e na Suíça antes de retornar aos Estados Unido para se juntar a uma start-up de energia solar.

Agora, chegando aos 30 anos e no meio de uma nova empreitada, Gillespie se voltou novamente para os psicodélicos em busca de orientação. Depois de se abster das substâncias durante grande parte de sua carreira, ele ficou intrigado com a chamada "microdose" —prática de tomar uma dose baixa dessas substâncias— na tentativa de melhorar a criatividade, a produtividade e o bem-estar geral.

O conceito de uso de psicodélicos para aprimorar o desempenho pessoal e profissional tem aumentado nos últimos anos, embora haja poucos dados científicos para respaldar essas alegações.

Esse é particularmente o caso no Vale do Silício, que há muito tempo adota o uso dessas drogas. Em seu livro sobre o assunto, Como Mudar sua Mente, o jornalista Michael Pollan traçou essa história desde a década de 1950, quando os engenheiros usaram os efeitos alucinógenos do LSD para visualizar novos conceitos, como chips de computador.

Os titãs da tecnologia, incluindo Steve Jobs, fundador da Apple, também são conhecidos por se interessar por psicodélicos. Segundo relatos, Jobs classificou seu colega Bill Gates como "sem imaginação", observando que ele seria "mais criativo" se usasse LSD (Gates, na verdade, já admitiu ter usado o produto).

'Viagem guiada'

Para Gillespie, foi difícil encontrar uma maneira eficaz de usar psicodélicos. Ele descreve suas primeiras tentativas de microdosagem como "desagradáveis", dizendo que teve dificuldade em determinar a quantidade de droga a tomar e a melhor forma de tirar proveito de seu estado alterado de consciência.

"Encontrar o equilíbrio certo e o lugar certo na minha vida precisou de uma pequena ajuda", diz ele. "E é aí que Paul Austin entra."

Como Gillespie, a primeira experiência psicodélica de Austin aconteceu no final da adolescência: uma viagem de psilocibina. Mais tarde naquele ano, ele tomou LSD "talvez 20 vezes". Os psicodélicos têm sido um elemento constante em sua vida pessoal desde então, e educar os outros sobre esse assunto virou sua missão profissional.

Austin fundou a The Third Wave, uma comunidade online para "educação psicodélica". Ela oferece sessões de treinamento para ajudar as pessoas a integrar os medicamentos a suas vidas de uma maneira "segura e significativa".

Desde que se mudou para Oakland no ano passado, ele desenvolveu uma lista de clientes regulares —"quase exclusivamente fundadores de empresas ou empreendedores"—, orientando suas viagens de drogas, definindo metas e intenções, muitas vezes focando em seus caminhos profissionais.

"Sinto que, em geral, os clientes vêm a mim porque chegou o momento de abordar essas questões mais profundas: 'Por que estamos fazendo o que estamos fazendo? Por que o trabalho que estamos fazendo é importante para nós? ", explica Austin. "Acho que os psicodélicos estão realmente ajudando as pessoas com esse processo mais do que qualquer coisa."

'Hike-rodosing'

Quando Gillespie chegou à sessão acompanhada pela reportagem, ele já havia tomado uma microdose de psilocibina. Como os psicodélicos são ilegais nos EUA, Austin não os fornece a seus pacientes, mas observa que eles se tornaram muito mais fáceis de serem encontrados depois que a cidade Oakland descriminalizou esses produtos, no início do ano passado.

Depois de uma curta viagem de carro dos arranha-céus de San Francisco para as imponentes sequóias do parque Joaquin Miller, os dois escolhem um caminho aleatório: foi então que a sessão de hike-rodosing —a combinação das palavras, em inglês, para caminhada (hike) e microdosagem (microdosing)— começou. Austin entra no "modo coach", pedindo a Gillespie para indicar seus objetivos para o dia.

Grande parte da conversa parece bastante semelhante ao que se esperaria de uma sessão típica de aconselhamento de carreira. Mas Austin acredita que os psicodélicos tornam esse processo mais eficaz, ajudando os clientes a alcançar uma espécie de objetividade sobre si mesmos.

"Isso facilita a conscientização sobre certas coisas", diz ele. "Psicodélicos apenas nos ajudam a ser um pouco mais maleáveis. Eles nos ajudam a ser mais honestos e abertos."

Não é apenas o palpite de Austin: em um estudo recente do Imperial College de Londres, os pesquisadores examinaram o cérebro dos pacientes que usam LSD e descobriram que a droga induz uma mudança na maneira como os usuários se relacionam com o mundo ao seu redor.

O pesquisador principal, Robin Carhart-Harris, descreve o processo como "um cérebro mais unificado", o que significa que as redes que normalmente funcionam separadamente começam a trabalhar de maneira mais integrada. Ele diz que isso se relaciona com o fenômeno da "dissolução do ego" nos usuários, que é um sentimento de conexão renovada entre eles e com o ambiente.

Estudos como o de Carhart-Harris estão começando a lançar uma nova luz sobre os possíveis usos médicos de psicodélicos, que foram tornados ilegais e classificados décadas atrás nos EUA como medicamentos do Anexo 1, sem valor medicinal.

Hoje, a Food and Drug Administration (FDA), agência que regula segurança alimentar e de saúde nos Estados Unidos, concedeu a dois psicodélicos, psilocibina e MDMA, designações "inovadoras", permitindo que eles sejam pesquisados —clinicamente após mostrarem potencial promissor no tratamento de pacientes com problemas de saúde mental. Outras pesquisas anteriores analisaram os impactos positivos dos psicodélicos no tratamento de vícios e até no alívio das dores de cabeça.

Caroline Dorsen, pesquisadora do uso de substâncias e professora assistente da Meyers College of Nursing, da Universidade de Nova York, concentrou seu trabalho em como as pessoas estão usando psicodélicos para curar traumas de infância e melhorar a saúde física e mental. Ela afirma ser importante, em uma sessão psicodélica, ter algum tipo de ajuda no processo —seja de um médico, um coach ou um líder espiritual— para auxiliar o usuário nessa experiência.

"Ter um guia treinado e bem preparado é uma parte essencial para garantir a segurança física e emocional durante as experiências psicodélicas terapêuticas, que podem ser felizes ou tristes; inquietante ou assustadoras", diz Dorsen. "Após as cerimônias psicodélicas, os guias cumprem o papel essencial de ajudar os participantes a entender a experiência e integrar o que aprenderam em suas vidas cotidianas."

Curiosamente, Dorsen diz que ouviu muitas histórias de pessoas que tiveram "epifanias" durante sessões psicodélicas que levaram a uma mudança de carreira. Mas, ela adverte, os usuários não podem criar grandes expectativas sobre os efeitos. "Em minha pesquisa, os participantes muitas vezes explicaram que têm controle mínimo sobre a experiência enquanto tomam psicodélicos", diz ela. "As plantas vão lhe dar a experiência de que você precisa."

Revelando o melhor caminho a seguir

Desde que começou a trabalhar com Austin, Gillespie diz que estabeleceu preços mais justos para seu trabalho de consultoria e deu passos significativos no lançamento de seus negócios.

"Muito do que Paul me ajuda a fazer é superar essas crenças limitantes em torno de meu próprio valor e minha própria competência", diz Gillespie.

Ele já havia tentado trabalhar com "grupos de prestação de contas", nos quais os membros compartilham metas e relatam o progresso, mas consideram que a experiência não foi tão benéfica. Com Austin é "mais profundo", ele acredita, na medida em que o coach o incentiva a ser mais introspectivo e honesto sobre o que realmente o motiva em seu trabalho e vida pessoal.

Trabalhar com Austin não é barato: ele exige um compromisso mínimo de três meses de treinamento com um preço de até US$ 2 mil por mês (cerca de R$ 8 mil). Mas Gillespie está confiante de que continuar trabalhando com o coach —e com psicodélicos— revelará o melhor caminho a seguir.

Gillespie agora planeja participar de uma cerimônia de ayahuasca pela primeira vez, em que experimentará o potente chá psicodélico conhecido por induzir visões intensas. Empolgado com essa oportunidade, ele passou boa parte da segunda metade da sessão com Austin discutindo o tema. Enquanto conversavam, o par finalmente encontrou o caminho de volta para o carro.

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