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'Armamento é privilégio para elites': a nova estratégia de Eduardo Bolsonaro para baratear armas no Brasil

Ricardo Senra

Enviado especial da BBC News Brasil a Nova Déli

26/01/2020 14h03

Originário da "bancada da bala", Eduardo Bolsonaro aproveitou a eleição do pai como presidente da República para mudar o rumo da carreira de deputado federal e mergulhar em temas ligados a relações internacionais.

Eduardo - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
Eduardo Bolsonaro participa de jantar oferecido pelo presidente indiano, Nath Kovind, em visita oficial do pai à Índia
Imagem: Alan Santos/PR
A partir de 2019, depois de quatro anos como titular em comissões "domésticas" ligadas a segurança, direitos humanos e educação, o deputado estreou como titular na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (Credn) da Câmara já como presidente. Também assumiu posto na subcomissão que debate a crise na Venezuela.

O objetivo da virada ficou mais claro com o tempo: Eduardo queria ser embaixador do Brasil nos EUA, tinha o aval do pai e do chanceler Ernesto Araújo.

Mas, depois enfrentar dura resistência no Senado e ter o currículo questionado dentro e fora do Itamaraty, o filho do presidente parece agora estar voltando às origens.

Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, em Nova Déli, onde acompanha o pai em viagem oficial à Índia, Eduardo conta que vai deixar a comissão dedicada a temas estrangeiros para se dedicar à democratização do acesso às armas no Brasil — um dos temas mais seminais da bancada da bala.

O parlamentar tem conversado com gigantes estrangeiras do mundo dos armamentos e munições, como a alemã SIG Sauer e a italiana Beretta, e quer ajudá-las a abrirem filiais no Brasil. Outras empresas do setor, como a austríaca Glock e a americana Smith & Wesson também estariam interessadas em investir no país.

O objetivo, diz, é "gerar empregos no Brasil, abrindo finalmente uma concorrência nesse setor, que hoje é dominado pela CBC/Taurus" — empresa privada que é alvo de críticas por dominar o setor e ter forte lobby junto a parlamentares, militares e forças de segurança.

Eduardo também quer tentar simplificar o acesso a licenças para atiradores e caçadores. "Tudo hoje está caminhando para ser feito através de aplicativo e internet."

A reportagem lembra o deputado do enorme volume de assassinatos com armas de fogo no Brasil. Segundo o Atlas da Violência 2019, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país tem mais de 65 mil homicídios por ano. Pessoas negras são vítimas de 75,5% dos crimes.

"Essa ideia de quanto mais armas, mais mortes, é totalmente falida. Quanto mais armas nas mãos dos criminosos, aí sim eu tenho certeza de que são mais mortos", afirma.

O parlamentar também comenta a polêmica envolvendo uma possível divisão do ministério da Segurança Pública e Justiça, comandado por Sergio Moro: "Foi sepultado".

Leia a entrevista na íntegra.

BBC News Brasil - O senhor me disse há pouco que tem como prioridade em 2020 se dedicar ao setor de defesa e armamentos. Como pretende atuar?

Eduardo Bolsonaro - Nesse ano, eu pretendo não continuar na presidência da Credn (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional). Também não pretendo ocupar uma cadeira na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), uma comissão importantíssima mas que ocupa praticamente toda a semana do deputado. Então vou ter espaço para trabalhar principalmente voltado para o Brasil, e uma das bandeiras que pretendo colocar adiante é essa das armas.

BBC News Brasil - Qual é o panorama do setor hoje no Brasil e o que o senhor pretende mudar?

Eduardo Bolsonaro - Existem dois fatores que podem ser tocados adiante. A implementação de fábricas de armas estrangeiras que pretendem abrir e gerar empregos no Brasil, abrindo finalmente uma concorrência nesse setor, que hoje é dominado pela CBC Taurus.

E também uma facilitação com relação à burocracia de atiradores, colecionadores e caçadores para a retirada dos seus registros. A informatização... tudo hoje no país está caminhando para que seja feito através de aplicativo e internet, e não tem motivo para que a parte dos atiradores se mantenha no modelo arcaico, na base do papel e da caneta.

BBC News Brasil - O objetivo ao trazer empresas estrangeiras é baixar o preço, aumentar o acesso?

Eduardo Bolsonaro - Tem um conteúdo teórico, da economia liberal: você abrindo a concorrência, melhora a qualidade e baixa o preço.

E a crítica que eu tenho é que hoje em dia, em que pese as flexibilizações que o presidente Bolsonaro tem feito, a compra de um armamento segue quase um privilégio para as elites. O armamento é muito caro, muito tributado, e a lei hoje praticamente exige que você seja filiado a um clube de tiro, tenha um despachante, para conseguir importar ou comprar uma arma nacional.

Essa é a realidade que eu quero mudar. E trazendo empresas estrangeiras para o Brasil e abrindo concorrência, a tendência do preço certamente é reduzir.

BBC News Brasil - O senhor já falou com alguma empresa estrangeira? Que empresas seriam essas?

Eduardo Bolsonaro - Já fui procurado por empresas, entre elas a [alemã] SIG Sauer. Acredito que outras empresas também estão quase certas desse interesse de abrir no Brasil, muito provavelmente [a italiana] Beretta, [a checa] CZ. Inclusive, rumores há pouco tempo atrás, de a empresa do Oriente Médio Caracal abrir uma fábrica em Goiás.

Quem é do mundo das armas sabe que esses boatos sempre existem, mas na ponta acabam nunca se concretizando. O caso mais notório é o da europeia Ruag, uma fábrica de munições, que depois de 7 anos tentando abrir a sua fábrica, desistiu de fazê-lo.

O Brasil tem que ser um país aberto ao mercado, aberto à livre iniciativa, e isso também compreende o setor das armas.

BBC News Brasil - O Brasil, como o senhor sabe, é um país com uma taxa de homicídios muito alta por conta de armas de fogo. São mais de 60 mil homicídios por ano ? em 1980 eram em torno de 8 mil. Trazer mais armas e baratear o armamento não é uma jogada arriscada em um país ainda tão violento?

Eduardo Bolsonaro - De maneira nenhuma. Nós experimentamos uma política desarmamentista. O Brasil, de 2003 em diante, quando os mensaleiros aprovaram o Estatuto do Desarmamento, tornou dificílimo comprar uma arma de fogo, e a gente segue aí com taxas altíssimas.

É a primeira vez em que temos uma quebra brutal de 22% nos homicídios, isso no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro junto com o ministro da Justiça, Sergio Moro.

Ou seja, em 2019 flexibilizou-se o acesso às armas de fogo e os homicídios reduziram. Essa ideia de quanto mais armas, mais mortes, é totalmente falida. Quanto mais armas nas mãos dos criminosos, aí sim eu tenho certeza de que são mais mortos.

BBC News Brasil - Muitos especialistas discordam do senhor. Há a experiência da Austrália que flexibilizou e teve alta em homicídios, há o caso norte-americano, que tem uma epidemia de atiradores, apesar de ter um índice de homicídios muito diferente do brasileiro. Isso é levado em consideração?

Eduardo Bolsonaro - Com certeza, os EUA são um bom exemplo. E não vou negar o exemplo do Japão, que os desarmamentistas usam muito. Mas é uma ilha que há séculos usa o desarmamento, desde o tempo dos samurais, para se conseguir uma espada, então é um caso excepcional.

Os EUA, há décadas, vêm mudando sua legislação, principalmente estadual, e permitindo acesso às armas de fogo. Dos anos 1980 para cá, quando os EUA tinham mais ou menos a mesma taxa de homicídios do Brasil, o Brasil só viu a taxa de homicídios subir e os EUA só viram a taxa de homicídios descer.

O que é melhor? O Brasil desarmado ou os EUA armados? Então acho que podemos aplicar essa medida no Brasil, lembrando que há pouco tempo, antes do desarmamento, as pessoas não se matavam no trânsito e não havia um número grandioso de mortes. Pelo contrário. Havia mais armas e menos mortes.

BBC News Brasil - O senhor falou em queda de 22% nos homicídios como resultado das políticas de Bolsonaro e Moro. Acaba de acontecer a controvérsia sobre uma possível separação entre o ministério da Justiça e o ministério da Segurança Pública. Como viu o episódio?

Eduardo Bolsonaro - Vi uma polêmica desnecessária. O presidente, pousando aqui na Índia, já descartou essa possibilidade. Agora, quando o presidente recebe uma demanda de 20 secretários de segurança pública, o mínimo que ele tem que fazer em respeito a essas autoridades é analisar e fazer os estudos. Consultados os ministros e amadurecida a ideia, foi sepultado. Então, não corre esse risco.

BBC News Brasil - A base do senhor e do presidente ficou muito preocupada durante as 48h de dúvida em relação a esse caso. Muita gente questionando como o governo ficaria em uma eventual saída do ministro. O governo sobrevive sem Sergio Moro?

Eduardo Bolsonaro - Eu acredito que não tem nem que se cogitar esse tipo de coisa. Quando eu saí de férias, no final do ano, muita gente dizia que o ministro [da Educação] Abraham Weintraub estaria saindo de férias para não retornar mais. Que seria demitido. Agora a história parece que se repete com Moro. Não vi risco nenhum disso acontecer. O que existiu foram 20 secretários de segurança pública trazendo uma demanda ao presidente que estudou e em 48h acabou sendo sepultada.

Os secretários de Segurança Pública não se sentiram desrespeitados e o presidente já avisou que mais cedo ou mais tarde vai se encontrar com o ministro Sergio Moro, assim como vai se encontrar com outros ministros, como Paulo Guedes [da Economia]. Vida normal.

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