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Por que especialistas aprovam e seguidores de Jair Bolsonaro e Moro criticam volta do Ministério da Segurança Pública

Há quem veja em disputa sobre pasta neste início de 2020 um sinal de uma disputa que pode se configurar em 2022 entre Bolsonaro e Moro: as eleições presidenciais - Adriano Machado/Reuters
Há quem veja em disputa sobre pasta neste início de 2020 um sinal de uma disputa que pode se configurar em 2022 entre Bolsonaro e Moro: as eleições presidenciais Imagem: Adriano Machado/Reuters

Mariana Schreiber

Da BBC News Brasil em Brasília

24/01/2020 05h54

Pasta exclusiva é considerada importante para combate à criminalidade por estudiosos, mas apoiadores do governo reagem a possível enfraquecimento de ex-juiz da Lava Jato.

A indicação pelo presidente Jair Bolsonaro de que pode recriar o Ministério da Segurança Pública foi bem recebida por especialistas no combate à criminalidade, mas gerou descontentamento em sua própria base eleitoral.

Depois de Bolsonaro dizer pela manhã desta quinta-feira que estuda desmembrar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mantendo Sergio Moro apenas como ministro da Justiça, diversos apoiadores do governo usaram as contas oficiais do presidente nas redes sociais para cobrar que o ex-juiz da Lava Jato continue comandando as duas áreas.

A possível volta do Ministério da Segurança Pública, pasta que existiu no governo de Michel Temer, foi discutida ontem em uma reunião entre o presidente e secretários estaduais — enquanto o Planalto sustenta que se trata de uma demanda dos Estados, reportagem do jornal Folha de S. Paulo diz que os governadores estão divididos e que Bolsonaro articulou a ideia.

Nos bastidores políticos, há uma leitura de que a mudança teria o propósito de enfraquecer Moro, diante das especulações de que ele quer disputar contra Bolsonaro a eleição presidencial de 2022, apesar das negativas do próprio.

Em reação às críticas, o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, saiu em apoio a Bolsonaro, que compartilhou as mensagens do subordinado em sua página no Twitter.

"Ou vocês confiam no Capitão Jair Bolsonaro, que teve visão e coragem para, sem recursos, enfrentar o Sistema e nos dar esperança de mudar, ou continuarão atacando-o e devolverão o Brasil à esquerda, em 2023", concluiu o general, após uma sequência de seis tuítes em que destacou que Bolsonaro é o "CAPITÃO DO TIME" e que ainda estava "estudando" a recriação da pasta.

Queda da criminalidade em disputa

Estatísticas indicam que a queda da criminalidade, iniciada em 2018, ganhou mais força no país no ano passado — números preliminares apontam para uma redução de cerca de 20% nos homicídios. Com isso, a política de segurança pública se tornou a principal vitrine de Moro, ao mesmo tempo em que a percepção sobre o combate à corrupção tem piorado na sociedade.

Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, a recriação de um ministério específico para a área é importante para melhorar a articulação das políticas de combate ao crime e à violência no país, que são de responsabilidade dos Estados. Na atual conjuntura, porém, ele considera que essa mudança também atenderia ao interesse político de Bolsonaro de recuperar o controle da agenda de combate ao crime.

Quem está sendo cotado para assumir a pasta, caso ela seja recriada, é o coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal e ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM), aliado próximo de Bolsonaro. Figura polêmica, foi importante liderança da chamada "bancada da bala" no Congresso e hoje enfrenta um processo criminal por suposto recebimento de propina quando foi secretário de Transportes no Distrito Federal — por enquanto, foi condenado em primeira instância e absolvido na segunda.

"Como o Moro assumiu para si o discurso de redução da criminalidade, o Bolsonaro precisa recompor e dizer que essa ação é também dele, porque da forma como está sendo colocado (o papel do ministro na queda dos crimes), Moro ficou maior do que o Bolsonaro", analisa Renato Lima.

"Hoje, boa parte da base eleitoral de Bolsonaro é composta por policiais. Ele não pode perder essa batalha da segurança, e aí precisa colocar alguém da absoluta confiança dele (para comandar a área). Alberto Fraga é Bolsonaro, Moro é uma aliança tática com data para acabar", acrescenta o especialista.

Se for mesmo objetivo de Bolsonaro enfraquecer Moro, é impossível prever se a estratégia funcionará com a criação de uma nova pasta, ressalta a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora da FGV.

"Segurança pública é uma área complexa, em que as políticas públicas dependem dos Estados e podem demorar a dar resultado. Se o presidente tirar de Moro essa área e a criminalidade voltar a crescer, dará de presente a Moro o discurso de que ele que reduziu os crimes. Se criminalidade continuar a cair, Moro também poderá dizer que o novo ministério deu continuidade ao que ele estava fazendo", observa Mesquita.

Queda da criminalidade pode ser atribuída a Moro?

A Constituição estabelece a segurança pública como responsabilidade dos Estados. Por isso, no nível federal, a área foi historicamente submetida ao Ministério da Justiça. No entanto, diante da crescente violência no país, o governo Michel Temer atendeu a uma antiga reivindicação dos estudiosos da segurança pública e criou uma pasta própria para cuidar dessas políticas em fevereiro de 2018.

O Ministério da Segurança Pública ficou sob comando de Raul Jungmann, antes Ministro da Defesa, e incorporou três órgãos que eram do Ministério da Justiça: a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.

A redução nacional dos índices de criminalidade começou em 2018 e se intensificou no ano passado, segundo estatísticas oficiais. À BBC News Brasil, Jungmann disse que são os Estados os principais responsáveis pelos números positivos.

"Nosso governo apoiou e colaborou, e o atual também, mas os Estados respondem por 85% dos gastos com Segurança Pública. Eles são os responsáveis pela área", destacou.

O ex-ministro defendeu a volta da sua antiga pasta e destacou o apoio à recriação dado por governos estaduais e congressistas ligados à área. "Minha posição não tem nada a ver com o atual ministro, muito pelo contrário, mas eu sempre defendi que a Segurança precisava de um ministério exclusivo para cuidar dessa política pública", ressaltou.

Segundo Renato Lima, o número de Estados que estão reduzindo a criminalidade é crescente no país desde 2016. Naquele ano, 9 Estados diminuíram os homicídios; em 2017, foram 15; e em 2018, a queda atingiu 24 das 27 unidades federativas. Os dados preliminares de 2019 indicam que a redução da criminalidade continuou se ampliando no ano passado.

"Não existe uma causa nacional que explique essa queda. Há um esforço coletivo dos Estados e do governo federal, com integração, modernização das gestões estaduais", nota Lima.

Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ainda é cedo para avaliar o desempenho de Moro, até porque faltam boas estatísticas e mecanismos para medir a eficiência das políticas nessa área. "Na prática, o discurso político prevaleceu, e o debate sobre a efetividade da política pública ficou em segundo plano", afirma.

O ministro da Justiça costuma exaltar seu papel na transferência de lideranças do crime organizado de São Paulo para presídio federal em Brasília. No entanto, ressalta Lima, isso não foi uma decisão de Moro — o ministro atendeu ao pedido feito pelo governador de São Paulo João Doria e que foi autorizado pela Justiça.

A grande novidade apresentada até o momento por Moro na área de segurança é um projeto-piloto de enfrentamento à criminalidade, o "Em Frente, Brasil". Ele tem apresentado resultados positivos, com ações integradas entre os governos federal, estaduais e municipais em cinco cidades nas cinco regiões do país: Ananindeua (PA), Paulista (PE), Cariacica (ES), São José dos Pinhais (PR), e Goiânia (GO). O grande desafio, porém, é expandir o programa — especialistas desconfiam da possibilidade de ser replicado em larga escala devido a questões orçamentárias.

'Ministério exclusivo para melhorar estatísticas'

Apesar do ministério exclusivo criado por Temer ter durado menos de onze meses, especialistas celebram a criação do Sistema Único de Segurança Público (Susp), com objetivo de estabelecer diretrizes comuns para as políticas estaduais de combate à criminalidade e promover integração e colaboração entre as diversas esferas públicas na área de segurança. Outro ponto considerado importante foi o esforço para melhorar as estatísticas sobre violência e as informações sobre as polícias estaduais.

"A criação de um Ministério da Segurança Pública é uma reivindicação histórica da área, principalmente em razão da integração e dos dados. A primeira coisa que a gente precisa para responder aos problemas de violência e segurança no Brasil é compreendê-los, e para isso é preciso ter dados confiáveis, sérios e consistentes", nota Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios de Segurança Pública do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

"A área de Segurança Pública é um caos em termos de conhecimento, informação e dados. É como se na área da Saúde, cada Estado classificasse as doenças de uma forma. No Brasil, cada Estado classifica de forma diferente crimes como homicídio, latrocínio", exemplifica.

Para Ramos, a atuação de Moro até o momento ficou muito focada na aprovação no Congresso de um "pacote penal", como ela prefere chamar o que ficou conhecido como "pacote anticrime".

"Houve priorização total de temas legislativos e muita pouca capacidade de intervenção dos rumos do que o Brasil precisa na área de segurança pública, que é uma profunda reforma que tire as polícias militares dos quartéis, que modernize os sistemas de segurança, que produza segurança pública não só baseada nessa receita eterna de multiplicação de viaturas, armas e contingente policial", crítica.

Apesar de considerar positiva a recriação da pasta, a especialista considera que será negativo se o ministério ficar submetido a interesses "corporativistas" das categorias policiais.

Esse é o risco apontado por Renato Lima na eventual nomeação de Alberto Fraga, coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal. "Fraga tem grande articulação com as polícias estaduais. Se isso vai ser bom ou ruim para sua eventual atuação como ministro, é algo a conferir", nota ele.

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