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Jair Bolsonaro e Narendra Modi: dois líderes populistas em busca da relevância perdida

21/01/2020 14h27

O presidente Jair Bolsonaro desembarca neste sábado (25) na Índia, com a expectativa de aprofundar as parcerias com o país asiático, em especial comerciais. Apesar da enorme distância geográfica e das diferenças culturais, a aproximação de Brasília e Nova Délhi é conveniente para os líderes dos dois países, que perderam relevância internacional.

"Há semelhanças complicadas entre Bolsonaro e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi", nota Karin Vazquez, professora associada da Jindal Global University, de Nova Délhi, e pesquisadora do Centro de Estudos dos Brics da universidade chinesa de Fudan.

Enquanto, no Brasil, Bolsonaro exalta o período da ditadura e levou ao Planalto uma vasta cúpula de militares, na Índia a principal força do premiê Narendra Modi vem do movimento RSS, admirador de Adolf Hitler e propagador da supremacia hindu. "É um paralelo triste, porque são dois países que sempre exerceram uma liderança global, em especial no âmbito da ONU, nas áreas ambiental e de desenvolvimento humano e social. Mas vemos essa liderança em xeque, à medida em que tomam uma direção bastante à direita e enfrentam contestações devido a tantas polêmicas", pontua Vazquez.

Reação à globalização

O economista Jean-Joseph Boillot, especialista em potências emergentes e pesquisador-associado do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (IRIS), de Paris, avalia que a emergência de Bolsonaro e Modi é um reflexo dos efeitos negativos da globalização nos anos 1990 e 2000. "Estamos vivendo um ciclo pós-globalização e a chegada ao poder de neofascistas, inclusive no Brasil, é ligada a isso. São países que foram duramente atingidos - e como sociais democratas como Lula e o Partido do Congresso de Gandhi estavam no comando no auge da globalização, agora são apontados como os responsáveis de todos os males", analisa.

O mundo globalizado, sustenta Boillot, acelerou o crescimento econômico dos países que formam o grupo do Brics. O problema, argumenta, é que o fenômeno também resultou num processo acentuado de desindustrialização tanto na Índia quanto no Brasil, que se traduz em desemprego em massa, em especial entre os jovens.

 "Muito se especulou sobre o fim do Brics com o pretexto de que havia um antagonismo entre dois campos: de um lado, os regimes autoritários, representados por China e a Rússia, e do outro os regimes democráticos, com o Brasil, a Índia e a África do Sul. A verdade é que não é tão simples assim", explica o pesquisador francês. "Por uma coincidência da história, há uma aproximação muito significativa entre não apenas as personalidades de Bolsonaro e Modi, dois populistas autoritários, como há uma tendência de fundo nas sociedades brasileira e indiana", afirma o autor de Chindiafrique. Ele ressalta que o livro de Adolf Hitler, Mein Kampf, "agora é encontrado em qualquer banca na Índia".

"Minipotências" unidas

A aproximação entre Brasília e Nova Délhi é também uma maneira de ambos se reforçarem como "minipotências", espremidas entre os Estados Unidos, do lado ocidental, e a China e a Rússia, pelo Oriente. "Neste ciclo político atual, com um mundo multipolarizado e que vive a pós-globalização, minipotências como Índia e Brasil querem cooperar mais para aumentarem a própria autonomia, garantirem uma certa independência econômica e tecnológica das grandes potências e terem mais poder de negociação internacional", afirma o especialista.

É por isso, frisa Boillot, que o continente africano também está na mira do governo Bolsonaro. Em dezembro, o chanceler Ernesto Araújo realizou um giro africano, que incluiu visitas a Cabo Verde, Senegal, Nigéria e Angola.

"Como ele está marginalizado, inclusive pelos Estados Unidos, a prioridade de Bolsonaro é sair do isolamento, assim como Modi. A África se transforma em um continente importante nessa lógica", indica o pesquisador.

Mercado limitado para o Brasil

Ao mesmo tempo em que a Índia representa um mundo de oportunidades comerciais para o Brasil, o modelo de crescimento pouco inclusivo do país é uma barreira importante, ressalta Vazquez. O resultado é que o mercado consumidor é limitado: a Índia ainda tem 600 milhões de miseráveis, 60% da população não tem acesso a saneamento básico e ainda menos pessoas podem comprar carne, o principal produto de exportação brasileira.

"Ao mesmo tempo em que desenvolve tecnologias de ponta e investe em lançamentos de satélites, a Índia é um país que tem muitas carências em questões sociais e até em inclusão financeira, com mais de 80% da população de fora do sistema bancário", lembra a pesquisadora, autora de Relações Brasil-Índia: além dos 70 anos.

 

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