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Troca de emenda por apoio não é toma lá dá cá, diz líder do governo

do UOL

Hanrrikson de Andrade e Daniel Carvalho

Do UOL e da Folha, em Brasília

15/12/2019 02h00

Resumo da notícia

  • Fernando Bezerra defende oferecimento de emendas em troca de apoio a projetos do governo
  • Para senador, relação entre Planalto e Congresso mudou e presidente está mais próximo de parlamentares
  • Emedebista afirma que presidente deve vetar fundo eleitoral maior que R$ 2,5 bilhões
  • Ele diz esperar que Câmara e Senado cheguem a um acordo até fevereiro sobre a reforma tributária
  • Para parlamentar, não se pode dizer que Bolsonaro conspire contra democracia: 'Muito pelo contrário'

Líder do governo Jair Bolsonaro (sem partido) no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) afirma, em entrevista ao UOL e à Folha de S.Paulo, que não vê como "toma lá dá cá" a destinação mais rápida de emendas parlamentares em troca de apoio a um determinado projeto no Congresso.

Para o senador, o pagamento de emendas a parlamentares faz parte do processo orçamentário e "é evidente que [os congressistas] vão sempre influenciar e pedir ao governo, dentro daquilo que foi aprovado, que possa acelerar a liberação de recursos para o atendimento das suas bases".

Se eu estou atendido, se eu recebo, eu posso estar mais sensível para votar determinadas matérias

Fernando Bezerra, líder do governo no Senado

No ano passado, Bolsonaro venceu a eleição presidencial com a promessa de que daria fim na política do toma lá dá cá para aprovar iniciativas do governo, com loteamento de cargos na administração federal e liberação de recursos. O então candidato afirmava que a prática estimula corrupção e era recorrente na gestão de seus antecessores —- Michel Temer (MDB), Dilma Rousseff (PT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

bezerra - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
Bezerra concede entrevista ao UOL e à Folha de São Paulo em Brasília
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Bolsonaro foi acusado de contrariar sua bandeira de campanha durante a reforma da Previdência. Um dia antes da votação na Câmara, o governo liberou mais de R$ 1 bilhão em emendas a fim de garantir o resultado favorável. O valor prometido, no entanto, ultrapassa os R$ 3 bilhões. Até hoje parlamentares cobram o Executivo e dizem que os recursos não foram pagos.

Bezerra disse também que Bolsonaro "tem reiterado sucessivas vezes o seu compromisso com o regime democrático e independência dos Poderes" e que o presidente e seus aliados não flertam com o retorno do AI-5 (Ato Institucional Nº 5), o período mais repressivo da ditadura militar.

"Ninguém pode colocar a pecha no presidente Bolsonaro de que esteja conspirando contra a democracia brasileira, muito pelo contrário", disse.

Sobre o aumento do fundo eleitoral — dinheiro público que financia campanha —, o senador afirmou que "a chance de o presidente vetar é total" se a nova quantia definida pelo Congresso passar de R$ 2,5 bilhões.

Parlamentares defendem que o fundo suba para R$ 3,8 bilhões para 2020. Deputados avaliam que seria melhor costurar um acordo, ainda que com valor menor, e não correr o risco de ficar sem a fonte de financiamento no pleito do ano que vem.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na quarta-feira (11), no estúdio UOL/Folha, em Brasília. A íntegra da conversa também está disponível em podcast e no Youtube.

Toma lá, dá cá

UOL/Folha - Ao liberar emendas para garantir a reforma da Previdência, Bolsonaro não contrariou seu discurso de campanha?

Fernando Bezerra Coelho - O toma lá dá cá se referia aos cargos. Referia-se aos ministérios [e, portanto, não à destinação de emendas]. Isso acabou. Agora, a liberação de recursos para os parlamentares, isso vai existir sempre. É o Poder Legislativo que aprova o Orçamento anual. É uma das principais responsabilidades do Congresso. E é evidente que o parlamentar, dentro dos diversos programas que o governo apresenta e que são aprovados, deseja que aqueles recursos cheguem à sua base eleitoral. É dinheiro que vai para a saúde, a educação, a construção de estradas, a segurança. Isso sempre vai existir.

E não se falou [que] o presidente hora nenhuma iria acabar com esse toma lá dá cá. Vai ser, inclusive, cada vez mais recorrente. O Congresso acabou de aprovar o Orçamento impositivo. Ou seja, aquilo que for votado e aprovado, o Executivo terá obrigação de executar, como se dá nas democracias mais, digamos assim, tradicionais e sólidas do mundo.

O governo vai poder coordenar a execução do Orçamento através do contingenciamento. Mas a influência do Congresso, do parlamentar, continuará existindo

Obter apoio por meio de liberação de emendas não é toma lá dá cá?

De forma nenhuma. Isso está no Orçamento público, que foi debatido ao longo de quanto tempo dentro do Congresso Nacional? Os diversos segmentos da sociedade, governadores, prefeitos, entidades que representam setores econômicos vão ao Congresso pressionar por alocação de recursos nas mais diversas áreas. Isso faz parte do regime democrático e é evidente que os parlamentares vão sempre influenciar e pedir ao governo, dentro daquilo que foi aprovado, que ele possa acelerar a liberação de recursos para o atendimento das suas bases.

É evidente [que], se eu sou atendido, se recebo, posso estar mais sensível para votar determinadas matérias. Agora, é importante destacar que não só recebem aqueles que votam a matéria, todos recebem. Inclusive os de oposição, que também tem assegurado o direito ao acesso às suas emendas.

Muitos parlamentares dizem que não receberam as emendas negociadas. O governo prometeu mais do que podia cumprir?

Na realidade, tivemos dificuldade na execução orçamentária. As receitas começaram a ocorrer só a partir de outubro. Veja o caso da cessão onerosa, que foi o grande dinheiro que entrou para equilibrar as contas do governo... Ainda está por vir, vai chegar agora no final de dezembro. Mas o governo vai terminar o ano pagando tudo o que empenhou. É uma coisa muito positiva de ser destacada.

Mas tem muita coisa que não foi empenhada e que vai se perder agora no final do ano.

Se não for empenhado, se perde. E corre esse risco? Claro que corre. E o Congresso pressiona para que as equipes técnicas dos diversos ministérios possam, de fato, empenhar para que se assegure esses recursos.

Por outro lado, não podemos falar apenas dos recursos que estão sendo sendo liberados para os parlamentares. Calcula-se que [com a reforma da Previdência] a economia será de R$ 1,3 trilhão em dez anos. Nós estamos falando de R$ 130 bilhões a cada ano. Quanto é que se liberou [em emendas] para aprovar a reforma da Previdência? Será que isso não faz sentido?

Isso quer dizer que os fins justificam os meios? Bolsonaro não se iguala aos antecessores que ele criticava?

Na realidade, na democracia, você tem que atender as demandas do Legislativo. Assim como se atende o Judiciário. O Orçamento que é encaminhado pelo Poder Judiciário também é aprovado e votado. Então, você tem que buscar sempre o equilíbrio, a harmonia e a independência entre os Poderes.

Não é com o Bolsonaro, é com qualquer presidente da República eleito. Você vai ter que fazer o jogo da democracia, e um dos principais jogos da democracia é a votação do orçamento público e a liberação de recursos para aqueles que votam e aprovam o Orçamento público. Não existe o fim justificar o meio. O meio é o meio democrático, é o meio legal, o atendimento legítimo das demandas que são feitas pelos representantes do povo.

Falas polêmicas

Algumas declarações de Bolsonaro já prejudicaram a tramitação de projetos importantes no Congresso. O presidente deveria falar menos em 2020?

Ninguém vai parar o presidente de emitir as suas opiniões e suas manifestações. Ele vai continuar falando, se colocando, se posicionando. Estamos encerrando o primeiro ano da administração Bolsonaro. Veja a taxa de juros, a menor da história do país, veja a taxa de inflação, a menor da história do país, veja os dados da economia, o país se recuperando e vai crescer mais de 1%.

Precisamos começar a reconhecer que esse governo está no caminho certo. Você pode até criticar aqui e acolá alguma declaração. E o presidente, às vezes, até recua e ele próprio reconhece que fez alguma coisa mais exagerada em um ponto ou outro.

O próprio governo não se coloca em risco em razão dessas declarações?

Espero que haja menos excessos no próximo ano ou que nem existam. Este é o ideal. Mas é evidente que poderemos estar sujeitos a manifestações como estas. O próprio presidente está sendo mais cauteloso nas suas declarações, nas suas afirmações, e eu penso que ele está também aprendendo. É importante perceber que o presidente só teve a experiência parlamentar. Nunca foi prefeito, secretário, ministro de Estado.

Não lhe causa constrangimento fazer parte de um governo que, pelas declarações recentes, defende a volta do AI-5?

O governo não defende a volta do AI-5. É preciso também não exagerar nas declarações que são atribuídas ao presidente ou às pessoas próximas a ele...

Se mostra simpático pelo menos...

O presidente é de direita e a sociedade brasileira entende e compreende isso. E, por ser de direita, a visão que o presidente Bolsonaro tem do que ocorreu em 1964 é distinta daqueles que são de centro ou daqueles que são de esquerda. Temos que também respeitar. O presidente tem reiterado sucessivas vezes o seu compromisso com o regime democrático, com respeito a independência dos Poderes.

Agora, ele é uma personalidade muito aberta para poder criticar determinadas instituições ou determinados setores da sociedade. Ele, realmente, se coloca de forma muito franca. Às vezes você pode concordar ou discordar. Pode ter declarações um pouco mais duras, um pouco mais exageradas. E ele próprio reconhece em determinadas situações e recua, se retrata, se recoloca.

Ninguém pode colocar a pecha no presidente de que esteja conspirando contra a democracia brasileira. Muito pelo contrário, todas as atitudes são de valorização da democracia, do Judiciário e do Legislativo

Fundo eleitoral

O Congresso queria R$ 3,8 bilhões para o fundo eleitoral, mas já aceita baixar para R$ 2,5 bilhões. É possível fazer campanha com esse valor?

Quem deu a declaração de que o presidente vetaria fui eu, não foi o presidente Bolsonaro. Quando se cogitou os R$ 3,8 bilhões, eu disse: esse valor o presidente vai vetar. As conversas nos últimos dias têm girado em torno de manter o valor original enviado pelo governo, de R$ 2,5 bilhões.

Acima de R$ 2,5 bilhões, a chance de o presidente vetar é total. Agora, com R$ 2,5 bilhões, a gente poderá trabalhar. O presidente não se manifestou nem ainda discutiu a questão. Deveremos levar à apreciação dele depois que as lideranças no Congresso, formada uma maioria, definam qual o valor.

Sai o PSL, entra o Aliança Pelo Brasil

Como o senhor avalia a troca de partido do presidente Bolsonaro?

Eu preferiria que não tivesse tido esse problema. Trabalhei muito para tentar superar os impasses que foram surgindo dentro do PSL e a relação com o presidente. Mas o presidente chegou a uma conclusão, e eu acredito que ele tem as suas razões e a sua legitimidade, de buscar a criação desse novo partido.

Não é fácil montar um partido. Isso vai demandar tempo, mesmo com a permissão da assinatura eletrônica para mobilização. Não sei se o partido ficará pronto para a disputa da eleição municipal. De qualquer forma, o presidente tomou o caminho e eu espero que o novo partido possa dar mais tranquilidade na relação do presidente com o Congresso.

Ao optar por criar um partido, Bolsonaro não estaria priorizando a eleição de 2022 e prejudicando a articulação no Congresso?

Não, pelo contrário. Os partidos que estão procurando ajudar o presidente terminam ficando mais fortalecidos porque o presidente vai para um partido que deverá ter 20, 25 ou 30 parlamentares. A construção das maiorias termina dando mais poder e mais força aos partidos, digamos assim, do centro democrático.

O racha no PSL vai continuar no ano que vem?

Não creio. O próprio PSL tem sinalizado que continuará apoiando as pautas importantes do governo. É importante também destacar isso. Esse Congresso que foi eleito em 2018 é, de fato, o que tem um perfil muito liberal e muito conservador. Mais do que na legislatura passada e que está mais próximo da agenda econômica do governo federal, independentemente de partidos.

Se pegar a composição da Câmara, a composição do Senado, você vai encontrar um perfil muito mais alinhado com as teses do ministro Paulo Guedes e é por isso que essas agendas têm caminhado e merecido o apoio do Congresso.

Articulação e reforma ministerial

Qual é a avaliação que o sr faz da articulação política do governo Bolsonaro?

Nós temos que avaliar pelos resultados. Foi um bom ano para o governo do ponto de vista das entregas. O governo consegue aprovar suas mais importantes propostas de reforma: a da Previdência e a da reestruturação da carreira dos militares. Ao lado disso, agora a votação do pacote anticrime sugerido pelo ministro [Sergio] Moro. E diversas medidas provisórias: de 42 MPs que foram encaminhadas, apenas 7 não tiveram sua eficácia cumprida. Portanto, eu acho que o saldo da relação do Executivo com o Congresso foi muito positivo para o governo e deu as condições para que o Brasil pudesse retomar o seu crescimento econômico.

Especula-se que haverá uma reforma ministerial em 2020. A articulação política seria um dos pontos a sofrer alterações?

Estamos vivendo um novo momento na relação entre o Executivo e o Legislativo. Antes de o presidente Bolsonaro chegar ao governo tínhamos o presidencialismo de coalizão, que empoderava os partidos, e estes indicavam os membros da equipe governamental para os ministérios.

Com Bolsonaro, não existe isso. Os ministros estão empoderados. Você tem algumas indicações para cargos de segundo e terceiro escalões, encaminhadas por parlamentares. Mas toda a equipe ministerial é da livre escolha do presidente Bolsonaro. E os ministros têm liberdade para compor a sua equipe.

Mas essa nova relação também teve problemas...

Você pode até dizer: está tendo muitos desencontros e muitos ruídos porque é uma relação nova. Os próprios parlamentares estão procurando se colocar dentro dessa relação. Acredito que o Legislativo não tem faltado com as agendas que são encaminhadas pelo Executivo para apreciação do Congresso.

Não há perspectiva de mudança na relação entre Executivo e Legislativo para o próximo ano?

O presidente tem ficado mais próximo do contato e do diálogo com os parlamentares. Ele tem ouvido mais e se aproximado. É importante essa aproximação para que a gente possa ter mais fluidez nessa relação e, ao mesmo tempo, o governo poder aprovar as suas propostas com maior celeridade.

Não há um clima de desconfiança mútua e uma tensão entre os Poderes?

Essa busca de protagonismo sempre se dá na relação política. Sempre haverá momentos de choque e de disputas mais acirradas em relação a determinadas matérias. Por exemplo, a questão da discussão do sistema tributário teve um cabo de guerra entre a Câmara e o Senado do ponto de vista da iniciativa e do protagonismo. Mas isso é natural. Não é uma coisa que possa emperrar o diálogo e o entendimento.

Mas o governo vai terminar 2019 sem a reforma tributária.

Sim, mas a reforma tributária não caminhou porque o presidente não deixou prosperar a proposta do ministro da Economia. Foi a criação do imposto sobre transação financeira. Tanto que o secretário da Receita teve que sair e um novo secretário assumiu. Essa foi a razão para o atraso da apresentação da proposta.

Paulo Guedes agora diz que encaminhará no início de fevereiro. Acredito que, daqui até fevereiro, tanto o presidente Rodrigo Maia [DEM-RJ] como o presidente Davi Alcolumbre [DEM-AP] vão chegar a um entendimento para a instalação dessa comissão mista no sentido de termos um texto comum.

Orçamento e PEC das emendas

Com o Orçamento impositivo em 2020 e a transferência direta para estados e municípios, o controle orçamentário ficará nas mãos do Legislativo. O que Bolsonaro acha disso?

Tem que lembrar que o presidente Bolsonaro foi deputado federal por sete mandados. São 28 anos. Ele sabe muito bem qual é o papel do poder Legislativo. A PEC [48] que vem sendo chamada de PEC dos prefeitos, a PEC da liberação de recursos direto na conta do FPM [Fundo de Participação dos Municípios], sobretudo das emendas individuais dos parlamentares, era uma necessidade para acabar com essa burocracia infernal da liberação de recursos. Liberação que é feita através de contratos de repasse coordenados pela Caixa Econômica Federal, que inclusive cobrava um percentual altíssimo para poder administrar esses repasses. Então, a pressão que o Congresso recebeu foi no sentido de simplificar, desburocratizar, racionalizar, até para poder ter mais eficácia na liberação desses recursos de emendas individuais.

Não é uma diminuição do papel do Executivo?

Não acredito que exista nenhuma diminuição [do Executivo] no fato de o Congresso ter aprovado o Orçamento impositivo. Vamos viver uma nova realidade e uma nova relação, que até aqui tem sido muito positiva, o governo tem aprovado a sua agenda. Vamos agora experimentar como se dará a execução do Orçamento.

Há um exagero nas expectativas de que isso vai diminuir o protagonismo do governo. Primeiro, porque cabe ao Executivo encaminhar a peça orçamentária. E, segundo, o governo sempre terá a seu dispor a questão do contingenciamento, a velocidade com a qual o Orçamento será executado. E ele toma essa atitude normalmente nos meses de fevereiro e início de março para poder aguardar o comportamento das receitas.

Acho que vai ter muito espaço para buscar um novo equilíbrio nessa relação do Congresso com o Executivo quando formos tratar da execução do Orçamento.

Assista à entrevista completa abaixo:

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