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Do revólver ao infinito: a 'batalha' de partidos, como o de Bolsonaro, por números emblemáticos

Rafael Barifouse - Da BBC News em São Paulo

11/12/2019 05h57

Aprovado pelo TSE, o Unidade Popular venceu a disputa para usar o número 80 como seu símbolo, enquanto o Aliança pelo Brasil corre para obter seu registro e garantir o 38. Mas isso importa em uma eleição? E há números mais fáceis de lembrar do que outros?

O que o número 80 significa para você? Provavelmente, ele não diz muita coisa para a maioria das pessoas. Mas tem um significado importante ao menos para dois novos partidos que pediram para usá-lo como um dos seus símbolos.

"É um número redondo, forte, que tem uma boa sonoridade e que representa o infinito. Também tem um impacto visual. Já bolamos uma série de materiais com ele para nossa divulgação", diz Rafael Freire, membro do diretório nacional do Unidade Popular (UP), que teve o registro aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na noite de terça-feira (10/12) e tornou-se o 33º partido em atividade no país.

A decisão frustrou os planos do Partido da Evolução Democrática (PED), que também havia solicitado ao TSE para usar o 80. Mas seu pedido de registro ainda não foi julgado, e a legenda que é chancelada primeiro ganha o direito de usar um número disponível.

A ligação com o símbolo do infinito também havia sido uma inspiração para o PED. "Buscamos a democracia infinitamente", diz Gilson Lima, um dos fundadores da sigla. "Além disso, é um número bom para a campanha, forte e fácil de pronunciar."

Agora, Lima afirma que será preciso reunir a direção do PED para escolher uma segunda opção. "O número é importante, mas é um complemento. A única coisa que não podemos perder é a ideologia partidária."

Disputas

Esta não é a única situação em que dois partidos disputam um mesmo número. O presidente Jair Bolsonaro se desfiliou do Partido Social Liberal (PSL) para fundar sua própria legenda, a Aliança Pelo Brasil, e anunciou que o número 38 como o escolhido para seu novo partido. É o mesmo almejado pelo Partido Militar Brasileiro, sigla que o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) tenta criar.

Os críticos de Bolsonaro apontaram que a escolha estava relacionada ao "três-oitão", como é chamado popularmente um dos revólveres mais usado no país. O presidente negou a ligação.

"É lógico que ele nega a relação com a arma. Ele tem todo o direito de fazer isso, assim como nós temos de achar que a simbologia é essa mesma", diz o cientista político Antônio Lavareda.

Bolsonaro afirmou que a inspiração veio do fato de ele ser o 38º presidente brasileiro e disse que o número seria fácil de lembrar. De qualquer forma, a associação com o revólver que usa balas de calibre 38 parece estar na cabeça dos seus apoiadores.

Uma escultura da logomarca do Aliança feita com milhares de cartuchos de bala foi dada de presente a Bolsonaro no evento de anúncio do partido. O presidente também já afirmou que, entre as bandeiras da nova sigla, estará a defesa da posse de armas de fogo.

"É um número emblemático para alguém que pregou a favor das armas em sua campanha e continua a pregar depois de ser eleito. É um símbolo que expressa uma dimensão ideológica, e não adianta Bolsonaro negar isso, porque a prática e a história são os melhores critérios da verdade", diz o cientista político Antônio Mazzeo, professor da Universidade de São Paulo (USP).

Diante do impasse, Capitão Augusto disse que, se não conseguir o 38, usará uma segunda opção, o 64, uma homenagem ao ano do golpe que deu início à ditadura militar do país, à qual o deputado se refere como uma revolução que salvou o país do comunismo.

No entanto, nem sempre os partidos puderam escolher seus próprios números, o que explica por que muitos têm hoje a numeração que têm. Mas, afinal, isso importa na hora de conseguir votos?

Como os partidos ganharam números

Os partidos políticos brasileiros passaram a ser identificados por um número a partir da eleição de 1982, após o restabelecimento do sistema pluripartidário. A lei determinava então que a numeração seria escolhida por meio de sorteio.

Foi assim que os cinco partidos existentes na época receberam seus respectivos números: 1 para o Partido Democrático Social (PDS), 2 para o Partido Democrático Trabalhista (PDT), 3 para o Partido dos Trabalhadores, 4 para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e 5 para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (o antigo PMDB, hoje MDB).

Mas, para as eleições seguintes, em 1985, em meio à multiplicação das legendas, o TSE extinguiu a numeração de um dígito e acrescentou o 1 à frente dos números dos partidos que já tinham os seus próprios. Assim, o PDS passou a ser o 11, o PDT adotou o 12, o PT virou 13, o PTB passou a usar o 14 e o MDB ganhou o 15. E foram atribuídas a mais 25 legendas novas numerações, do 16 ao 40

A lista foi expandida ao longo dos anos, com a maioria dos números sendo determinados por sorteio ou herdados de outras siglas, como foi o caso do 17, que era originalmente usado pelo Partido Democrata Cristão (PDC), que foi extinto. O número foi então adotado pelo Partido Trabalhista Renovador Brasileiro (PRTB), que também já acabou. Desde 1996, é usado pelo PSL.

Atualmente, a legislação eleitoral permite aos partidos escolher sua numeração, quando envia o pedido de registro ao TSE. Els devem optar por números entre 10 e 90 que não estejam sendo usados por outra legenda.

O Partido Nacional Corinthiano (PNC), outro que está na fila de espera do TSE, espera garantir para si o 88. A escolha se baseou no número da camisa do jogador Sócrates, um dos ídolos da história do Corinthians, mas, como não é possível usar um dígito único, resolveu-se dobrar o 8.

"O Sócrates foi um dos símbolos da campanha pelas Diretas Já. Ele e outros jogadores subiram no palanque do comício da Praça da Sé (em São Paulo) usando a camisa oito. Resolvemos fazer uma homenagem e optamos pela dobradinha", diz o advogado Marcelo Mourão, um dos idealizadores do PNC.

Antonio Lavareda diz que os números dos partidos não tinham um grande peso em campanhas eleitorais até meados dos anos 1990. Isso mudou com a adoção da urna eletrônica, a partir de 1996.

"Antes disso, eles não tinham muita função, ninguém sabia o número dos partidos. O que prevalecia era o nome do candidato e a sigla, que eram muito fortes. Mas, com a urna, o número passa a ser fundamental e entra com força no marketing das campanhas", diz o cientista político.

Antonio Mazzeo recorda que a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy quando ainda era do PT, usou uma borboleta entre os símbolos de sua campanha nos anos 1990. A borboleta é representada pelo número 13 no jogo do bicho. "Foi uma apelo à memória popular", diz Mazzeo.

A urna eletrônica foi um dos fatores que levou o UP a escolher o número 80. "O 8 fica sobre 0 no teclado. Acho que fica melhor para digitar", diz Freire.

No entanto, o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), afirma que, em um sistema político personalista como o brasileiro, o número do partido tem pouco peso na hora em que o eleitor vai às urnas.

"É uma fantasia achar que o número é importante, porque pouca gente conhece os números dos partidos. O que prevalece é o voto nominal. Uma minoria até vota no partido, mas 95% das pessoas votam em um nome, em uma pessoa", diz Fleischer.

Existem números mais fáceis de lembrar?

Um dos motivos apresentados por Bolsonaro para escolher o 38 é que seria na sua opinião um número fácil de lembrar. Mas o que diz a ciência sobre isso?

A psicóloga holandesa Mariska Milikowski-Bakker é especializada em cognição, como é chamada a aquisição de conhecimento por meio de processos como percepção, atenção, raciocínio, juízo e memória. Ela dedicou-se a estudar nossa capacidade de nos recordar de números e concluiu que, sim, alguns têm vantagens sobre outros neste aspecto.

Em sua pesquisa, ela pediu que 597 estudantes analisassem uma folha de papel com números de 0 a 100 por um minuto e meio. Depois de um intervalo de uma hora, no qual eles responderam a testes sobre outros assuntos, os participantes foram divididos em dois grupos

As pessoas do primeiro grupo tiveram de escrever em um papel os números de que se lembravam. O segundo identificou os números apresentados anteriormente em meio a centenas de opções.

Milikowski-Bakker identificou assim quatro categorias de números que são mais facilmente lembrados. Em primeiro, aqueles de um dígito: 83% foram corretamente apontados pelos participantes ? o que não é uma boa notícia para os partidos brasileiros, que não podem usá-los.

Em segundo, vêm aqueles entre 10 a 19, dos quais 72% foram lembrados pelos estudantes. Em seguida, os números de dígitos iguais, com um índice de 62%. E, por fim, aqueles que aparecem entre os resultados da tabuada de multiplicação, com 45%.

Milikowski-Bakker afirma que os mais lembrados são justamente aqueles com que lidamos mais frequentemente ao longo da vida.

"Eles ficam mais pronunciados na memória por que os encontramos em diferentes contextos. Nós os escolhemos como nossos favoritos, os usamos para pensar em tamanhos, empregamos mais frequentemente em cálculos mentais, estão entre os dias do mês", diz a cientista.

De acordo com este estudo, a troca de Bolsonaro do 17 pelo 38 não parece ser exatamente um bom negócio, porque o 17 está na segunda categoria de números mais fáceis de lembrar, enquanto o 38 é um dos 44 números testados na pesquisa que não se enquadram em nenhum dos quatro grupos de números mais lembrados e que foram identificados em apenas 36% das vezes.

Mas nem tudo são más notícias para o presidente. Daniel Schacter, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, estuda neurociência, cognição e memória e afirma que, para que um número seja memorável, é importante que seja associado a uma informação importante para a pessoa.

Ele cita um estudo no qual um estudante conseguiu se recordar de uma sequência de 79 números, bem acima do limite médio de sete dígitos entre a maioria das pessoas. Conseguiu fazer isso ao dar um significado para eles.

"Este estudante fazia parte da equipe de corrida e criou uma estratégia para lembrar deles ao codificá-los como tempos de prova. Esse estudo mostrou que fazer associações é um elemento-chave para nos lembrarmos de números", diz Schacter.

Ou seja, o importante é associar um número a algo simbólico, seja isso o infinito, um animal do jogo do bicho, um jogador de futebol, uma data histórica, a faixa presidencial ou um tipo de arma. Ou mais de um desses elementos ao mesmo tempo.


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