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"Quando a verdade perde valor, a confiança nas instituições diminui"

Edison Veiga

06/12/2019 15h37

Em entrevista à DW Brasil, cientista social britânico Damian Ruck analisa como a falta de tolerância e a baixa credibilidade institucional colocam em risco as democracias ao redor do mundo.O britânico Damian Ruck usa dados para entender processos sociais. E foi isso que ele decidiu fazer para compreender os avanços e retrocessos da democracia ao redor do mundo.

PhD em Ciências Sociais Computacionais, o pesquisador dos departamentos de Ciências da Informação e de Antropologia da Universidade do Tennessee, nos Estados Unidos, decidiu analisar informações sobre a confiança das pessoas em instituições e quão tolerantes elas são, em busca de compreender as mudanças contemporâneas.

Ruck e sua equipe se debruçaram sobre respostas de 476.583 indivíduos de 109 nações ao redor do mundo. Os dados são oriundos da World and European Values Survey e coletados desde 1990, em intervalos de cinco anos, por cientistas sociais que vivem em cada país. São 64 perguntas comuns, relacionadas a religião, confiança institucional, engajamento político, empatia social, respeito aos direitos humanos, tolerância de minorias e muitas outras coisas.

A proposta era resolver um "dilema de Tostines": a democracia plena é uma consequência de certos valores sociais, ou tais valores sociais são, na verdade, uma resposta a instituições democráticas? A conclusão foi a primeira hipótese. Ao observar os dados, Ruck constatou que os avanços e retrocessos democráticos ao redor do mundo espelhavam os valores sociais de cada momento.

Dessa forma, o estudo, publicado na segunda-feira (02/12) no periódico Nature Human Behaviour, indica que a falta de tolerância contra grupos minoritários – imigrantes e homossexuais, por exemplo – pode minar democracias. Em outras palavras, uma abertura à diversidade é um pré-requisito, e não consequência, de estados democráticos.

O mesmo vale para a confiança nas instituições – de órgãos governamentais a autoridades policiais, passando pela mídia. Segundo a pesquisa, a boa relação das pessoas com tais entidades é fundamental para uma democracia plena.

DW Brasil: Quando o estudo menciona a falta de confiança nas instituições, é inevitável pensar nos comentários do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no Twitter, ou mesmo em ações do presidente Jair Bolsonaro, que estão no limiar do respeito aos princípios da impessoalidade. Como você avalia esse tipo de conduta?

Damian Ruck: Penso que este é um sintoma de uma tendência geral. É o que a Rand [uma think tank sem fins lucrativos que atua desenvolvendo pesquisas nos Estados Unidos] chama de "decadência da verdade". Quanto mais a verdade se desvaloriza no mundo, é provável que a confiança nas instituições caia, e as pessoas se tornem cada vez mais alienadas. Nossa pesquisa mostra que há consequência no mundo real para isso.

É possível fazer um recorte específico sobre o atual cenário brasileiro?

Nossas descobertas são gerais. O Brasil é como outros países da América Latina que constam na nossa amostra. Percebemos que há uma grande abertura à diversidade, o que denota que a democracia pode ser uma forma estável de governo no Brasil. Por outro lado, verificamos uma baixa confiança institucional, o que ajuda a explicar as inúmeras alternâncias entre democracias e autocracias na América Latina ao longo do século 20.

A pesquisa aponta quais países estão vivenciando mais acirradamente esse cenário de risco à democracia?

Por um lado, a abertura à diversidade está aumentando em quase todos os países da Terra, o que é uma ótima notícia para o futuro da democracia, globalmente. Entretanto, a confiança institucional vem caindo acentuadamente nos Estados Unidos e em algumas nações da Europa Ocidental, justamente países de democracias historicamente estáveis – e isso pode ameaçá-las.

A América Latina é onde a confiança institucional está em patamares mais baixos, e isso foi recorrente ao longo do século 20. O que explica o quão corriqueiras foram as rupturas democráticas na região no período.

Na sua opinião, as fake news, disseminadas principalmente via redes sociais, contribuem para esse cenário?

Nossa pesquisa não analisou especificamente a questão das notícias falsas. Mas me parece provável que a crença nas instituições, como a mídia e o governo, seja afetada por causa da propagação de informações falsas.

A baixa confiança institucional é causada pela instabilidade política e vice-versa, como num ciclo vicioso?

O que descobrimos foi que a baixa confiança institucional causa instabilidade política. Sociedades de baixa confiança institucional tendem a mudar sua forma de governo com mais frequência, ou seja, democracias podem se converter em autocracias.

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Autor: Edison Veiga

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