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Curdos da Síria acusam aliados da Turquia de crimes 'a sangue frio'

05/12/2019 08h45

Qamishli, Síria, 5 dez 2019 (AFP) - Shara Sido, uma curda síria desalojada, recebeu em seu celular uma mensagem assustadora com a foto de um cadáver ensanguentado e a ordem "venha buscar seu filho".

A mulher de 65 anos culpa os grupos armados sírios apoiados pela Turquia, acusados por vários ONGs de execuções, desapropriações e "possíveis crimes de guerra" nas regiões conquistadas em outubro no norte da Síria.

"Eles mataram meu filho a sangue frio", denuncia Sido, mostrando à AFP, por telefone, a foto do "monstro" que, segundo ela, afirma que matou seu filho "por engano".

Mas Shara Sido não acredita que foi sem querer. "Eles vêm matar os curdos", acusa.

Mãe de cinco filhos, Sido morava em Ras al Ain, uma cidade fronteiriça de maioria curda que as tropas pró-Ancara tomaram em outubro.

Para proteger sua família, ela se refugiou na cidade de Qamishli, mais a leste, capital de fato da minoria étnica, levando consigo apenas algumas coisas, coletadas às pressas.

Mas quando seu filho, Rezan, de 38 anos, voltou a Ras al Ain para pegar alguns documentos e roupas, foi morto com outras quatro pessoas que foram com ele para ver como sua casa estava.

"Vou denunciar os crimes deles ao mundo", diz a sexagenária.

- Mudança demográfica -Desde 2016, a Turquia lançou três operações militares no norte da Síria, onde vivem muitos curdos, para expulsar, acima de tudo, os combatentes das Unidades de Proteção do Povo (YPG), a principal milícia curda na Síria, que Ancara considera "terrorista".

A Turquia teme a formação de um núcleo de Estado curdo em sua fronteira, o que poderia acender as aspirações de independência da minoria curda de seu território.

Ancara afirma que pretende transferir parte dos 3,5 milhões de sírios atualmente refugiados em seu território para uma "zona de segurança" no norte da Síria, um setor de 120 km de extensão que está sob seu controle.

Na sexta-feira, cerca de 70 sírios que estavam refugiados na Turquia cruzaram a fronteira rumo a essa região, segundo a imprensa turca.

Mas, de acordo com os curdos, o que Ancara realmente quer é substituir a população da região, principalmente curda, por sírios árabes.

Embora dezenas de milhares de deslocados pela violência nessa região tenham começado a voltar para suas casas, segundo a ONU, a maioria é árabe, e não curda, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).

A Human Rights Watch (HRW) declarou recentemente em um relatório que os aliados rebeldes de Ancara estavam impedindo os curdos de voltarem para suas casas, saqueando e ocupando-as.

O Exército Nacional Sírio (ENS), uma aliança de grupos rebeldes que a Turquia apoia, rejeitou as acusações em um comunicado divulgado no sábado e denunciou, em comunicado, um relatório "tendencioso".

Mustafa al Zaim é um dos curdos que tem medo de voltar para casa. Este comerciante curdo de 44 anos se refugiou em Qamishli depois de fugir de Ras al Ain.

"A região não é mais segura e não planejamos retornar sem garantias internacionais", explica ele.

Tanto sua casa quanto o supermercado e as lojas que tem em Ras al Ain foram confiscados, segundo ele.

"Saquearam e roubaram tudo", conta.

Enquanto isso, a diretora da HRW para o Oriente Médio, Sara Leah Whitson, denunciou que "a Turquia finge não ver o comportamento repreensível das facções que está armando".

"Enquanto a Turquia controlar essas áreas, cabe a ela investigar essas violações e acabar com elas", afirmou em um relatório.

"A ocupação em si é a maior violação", denuncia o diretor de cinema Teymur Afdaki, 42 anos, natural de Ras al Ain.

Segundo ele, os rebeldes queimaram sua casa, onde guardava cerca de 500 livros. "Esses livros eram uma expressão da nossa identidade curda", diz com tristeza, com as duas filhas sentadas nos joelhos.

Mas isso não o faz mudar de ideia. "Em breve retornaremos à nossa cidade", garante.

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