A língua alemã está se deteriorando?
"Parece manifesto, então, que essa última língua deve ser abreviada e reparada. Caso permaneça como está, deve ser gentil e respeitosamente deixada de lado entre as línguas mortas, pois só os mortos têm tempo para aprendê-la."
No ensaio e em sua subsequente palestra The horrors of the German language (Os horrores da língua alemã), Twain defendeu uma simplificação radical do idioma. Esse processo está bem encaminhado nos dias atuais – infelizmente, na opinião de muitos alemães.
Já em 2008, dois terços dos nativos acreditavam que seu idioma estava se deteriorando rapidamente. Comunicação online, leitura insuficiente, anglicismos e gírias juvenis foram algumas das razões apontadas como fatores contribuindo para esse declínio.
Em 2012, o então presidente do Conselho da Ortografia Alemã Hans Zehetmair afirmou que o declínio da língua estava ocorrendo principalmente entre as gerações mais jovens, que geralmente usam vocabulário simples em mensagens de texto e postagens na internet: "O alemão está sendo reduzido a uma 'língua reciclada' nas novas mídias. É cada vez mais abreviado e simplificado e reformulado sem nenhuma criatividade."
Idioma em movimento
De acordo com Andrea-Eva Ewels, a realidade não é tão extrema assim. Ela é a diretora da Associação para o Idioma Alemão (GfdS), uma das mais importantes instituições linguísticas patrocinadas pelo governo federal. "Não, nossa língua não está desaparecendo. Está apenas mudando constantemente, em parte porque o mundo está mudando de forma mais rápida e extensiva do que nunca", disse em entrevista à DW. "Hoje, por exemplo, não falamos mais como no século 6º ou na Idade Média."
Ewels acredita que a língua precisa se adaptar constantemente às novas circunstâncias cotidianas, para servir como um método de reflexão e comunicação. Por isso, ela não acha que Whatsapp ou Twitter estejam deformando o idioma alemão, como se costuma dizer, pois não há nada de novo em usar gramática simplificada e espaços limitados para apresentar mensagens abrangentes, e cita restrições semelhantes nos telegramas.
A especialista afirma que, do ponto de vista linguístico, tampouco há provas de que o modo de as gerações mais jovens empregarem o idioma contribua para sua deterioração: "Os jovens sempre tiveram sua própria linguagem, que usam entre si, e que é muito criativa, espontânea, direta e flexível. Eles veem seu estilo de linguagem como uma maneira de se diferenciar dos adultos e um espaço para inovação e uso mais relaxado do idioma."
Embora educadores venham soando o alarme quanto ao conhecimento insuficiente de ortografia e gramática entre escolares e universitários, Ewels assegura não ser nada de novo, sua associação recebe há décadas reclamações de professores. Para ela, a negligência com a gramática alemã – como o uso correto dos quatro casos, nominativo, acusativo, dativo e genitivo – é parte de uma evolução natural.
"A transformação de um idioma sempre leva à simplificação de sua estrutura. As funções gramaticais que se fundiram com outras funções existentes e, portanto, se tornam supérfluas, desaparecem lentamente do uso cotidiano."
"Adulteração metódica"
A Alemanha possui uma longa tradição de lamentar a decadência de seu idioma. Em 1721, a princesa alemã Elisabeth Charlotte do Palatinado, cunhada do francês Luís 14, questionava num carta a uma amiga se os alemães haviam ficado tolos a ponto de deixar seu idioma se deteriorar, ficando impossível de entender.
Em 1852, o filósofo Arthur Schopenhauer reclamava da "adulteração metodicamente impulsionada", afirmando que "esses incompetentes devem soltar sua estupidez sobre algo que não seja o idioma alemão".
Em séculos passados também era comum o alvoroço contra palavras estrangeiras. Em 1617, época em que o francês era falado nos círculos sociais mais altos da Europa, nobres alemães fundaram a Fruchtbringende Gesellschaft (Sociedade Frutífera), que tinha como um de seus principais objetivos manter o alto-alemão livre de "interferências de palavras estranhas e estrangeiras".
Puristas idiomáticos contra anglicismos
Pouco mais de 400 anos depois, as associações de puristas linguísticos têm esse mesmo objetivo. Elas se opõem veementemente aos anglicismos e reivindicam maior lealdade à língua alemã, inclusive com sua inclusão na Constituição como idioma oficial do país.
Tais posicionamento e reivindicações constitucionais que fazem gente como a diretora da Associação para o Idioma Alemão balançr a cabeça. "Levamos a sério as queixas, mas vemos palavras estrangeiras que não têm um equivalente em alemão como um enriquecimento da nossa língua", explica Ewels.
Ela argumenta que, embora o inglês seja cada vez mais importante na Alemanha, por sua posição como língua franca global, a suposta ameaça que ele representa ao entrar em contato com o alemão é comparável à discrepância entre a temperatura atmosférica cientificamente mensurável e a assim chamada sensação térmica.
Ewels frisa que, estatisticamente, uma em cada três a cinco palavras do alemão veio de uma língua estrangeira, com raízes no grego e no latim. Apenas 1% a 2% dos vocábulos são baseados em termos ingleses. De fato, o anglicismo mais usado é "okay". E, de acordo com um estudo de 2016 do instituto de pesquisas de opinião YouGov, o termo é usado com frequência por 90% dos que afirmam rejeitar anglicismos.
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Autor: Suzanne Cords (pv)
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