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Como a renúncia de Evo na Bolívia pode afetar Maduro na Venezuela

Evo Morales (à esquerda) e Nicolás Maduro - Getty Images
Evo Morales (à esquerda) e Nicolás Maduro Imagem: Getty Images

Guillermo D. Olmo

Correspondente da BBC News Mundo na Venezuela

12/11/2019 15h22

Muita gente na Venezuela está se fazendo essa pergunta: a renúncia de Evo Morales na Bolívia vai afetar o presidente Nicolás Maduro, seu grande aliado na América Latina?

Logo após tomar conhecimento da renúncia do mandatário boliviano, Maduro classificou o ocorrido como "um golpe de Estado".

O presidente venezuelano também advertiu a oposição de seu país, que neste ano liderou uma tentativa de insurreição para tirá-lo do poder.

"Eu digo à direita fascista venezuelana: vocês nos conhecem, não se enganem, não se enganem, não façam cálculos falsos conosco."

O líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, saudou, por sua vez, a "brisa democrática que vem da Bolívia" e renovou seus apelos para a população participar de um grande protesto nacional contra Maduro em 16 de novembro.

A expectativa da oposição é que o exemplo da Bolívia dê fôlego novo à sua causa.

Embora a crise boliviana pareça estar longe de ser resolvida definitivamente, os comentários de ambos os políticos revelam as diferentes leituras que fazem da situação e de seus potenciais efeitos na batalha que travam pelo poder na Venezuela.

Por que Morales importa para a Venezuela

A queda de Morales também é prejudicial para o governo de Maduro, já que "sob seu comando, a Bolívia se tornou uma importante fonte de apoio político para a Venezuela chavista", explica Geoff Ramsey, vice-diretor do centro de análises Washington Office of Latin America (WOLA).

Phil Gunson, analista do International Crisis Group, acredita que "com certeza o que aconteceu terá impacto na Venezuela", especialmente em um momento em que a conjuntura internacional se voltou a favor dos interesses do governo.

"Com a vitória de Alberto Fernández na Argentina, o governo López Obrador no México e os problemas que Sebastián Piñera tem no Chile e Lenín Moreno no Equador, eles sentiram que a maré de baixa socialista no continente estava se revertendo", avalia Gunson.

Além disso, com a saída do assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, o governo do presidente Donald Trump parece agora menos voltado para a Venezuela.

Gunson também enfatiza que a renúncia de Morales aconteceu no momento em que "o governo venezuelano percebeu que o efeito Guaidó estava começando a se esvair", algo já identificado por algumas das poucas pesquisas de opinião realizadas na Venezuela.

Que lições a oposição da Venezuela pode tirar?

A saída do presidente boliviano acontece no momento em que Guaidó tenta arrastar de novo a população às ruas para pressionar Maduro, mas o apoio às manifestações convocadas pelo líder da oposição foi sendo reduzido gradualmente - e a adesão aos atos mais recentes foi baixa.

Gunson destaca a importância do protesto no próximo dia 16 de novembro.

"Veremos se a oposição recupera parte de seu poder de convocação."

Para Ramsey, a experiência boliviana pode ser vista pelos venezuelanos da oposição como um exemplo de mobilização bem-sucedida contra um governante.

No entanto, o que aconteceu na Bolívia também pode reabrir debates difíceis na oposição venezuelana.

Os opositores de Morales estavam dispostos a acabar com seu governo após terem sido derrotados em uma eleição marcada por denúncias de irregularidade; enquanto na Venezuela, grande parte da oposição optou por não concorrer nas últimas disputas eleitorais, alegando falta de garantias - estratégia que é alvo de críticas até mesmo dentro de suas próprias bancadas.

Gunson sugere que "a leitura feita pela liderança da oposição do que aconteceu na Bolívia será fundamental", uma vez que eles podem concluir que "pode valer a pena disputar uma eleição, mesmo que seja para perder e usá-la depois como alavanca para chegar ao governo".

Um problema adicional para a oposição é que Maduro se recusa repetidamente a convocar novas eleições presidenciais, sob o argumento de que sua vitória nas eleições de 2018, não reconhecida pela oposição e por grande parte da comunidade internacional, continua em vigor.

A próxima eleição prevista é legislativa e deve acontecer em 2020, quando a Assembleia Nacional - órgão legislativo em que a oposição tem maioria - será renovada.

Por outro lado, diz Ramsey, "será fundamental que a própria oposição boliviana consiga manter a unidade, já que estamos vendo diferenças entre Carlos Mesa (adversário de Morales nas eleições) e Luis Fernando Camacho (líder da oposição que ganhou protagonismo nos protestos anteriores à renúncia de Morales)".

Camacho exigiu a renúncia do presidente e defendeu a prisão de "criminosos do partido do governo".

"Se houver uma caça às bruxas e proibirem o Movimento ao Socialismo, de Morales, de apresentar candidatos para novas eleições, isso favorecerá a tese da ala dura do chavismo."

O papel das Forças Armadas

Morales resistiu até o ponto em que perdeu o apoio do alto comando do Exército e da Polícia.

Na Venezuela, Juan Guaidó pediu repetidamente aos militares que abandonassem Maduro e abraçassem sua causa, mas, salvo algumas exceções, o Exército permanece do lado do presidente.

Giunson afirma que "há pouca informação sobre o que acontece no mundo militar (da Venezuela), mas há muita insatisfação, e muitos (militares) provavelmente gostariam de deixar o governo Maduro se pudessem fazer isso com segurança".

Ramsey lembra que tem havido várias revoltas na Venezuela - e "certamente haverá mais".

Mas os dois especialistas apontam para um fator-chave na hora de explicar os destinos distintos que Morales e Maduro tomaram até agora.

"O Exército boliviano manteve uma maior autonomia do governo que o venezuelano", diz Gunson.

E, de acordo com Ramsey, "Maduro construiu muitos laços com os militares e demonstrou muito mais capacidade de controlá-los do que Morales, como evidenciam as tentativas que foram neutralizadas pela contrainteligência".

Enquanto a economia venezuelana perdeu mais da metade de seu valor desde que Maduro chegou ao poder em 2013, a economia da Bolívia cresceu durante os governos de Morales a uma média de 4,8% ao ano.

Gunson diz que "muitos estão convencidos de que o fracasso da economia da Venezuela acabaria por levar a mudanças políticas, e não precisa ser necessariamente assim".

A Bolívia surge agora como um exemplo do contrário.

Segundo Ramsey, o país andino "foi o exemplo usado para mostrar que uma alternativa de esquerda poderia levar à estabilidade econômica".

E agora, junto com o Chile, onde protestos em massa abalaram o governo de Sebastián Piñera, o país mostra que "o desenvolvimento favorece o surgimento de uma classe média cujas expectativas não foram atendidas".

Na Venezuela, a luta diária pela subsistência é um dos fatores que explicam o declínio no fluxo das manifestações da oposição, acredita o especialista.

Quão importante a Bolívia é para Maduro

Morales se posicionou como um aliado incondicional do chavismo na América Latina.

Em mais de 13 anos no poder, o governante indígena esteve sempre alinhado com Hugo Chávez e depois com Nicolás Maduro.

Na época em que os países do Grupo de Lima, contrários a Maduro, redobraram a pressão diplomática sobre o país, o líder boliviano se manteve fiel.

A renúncia do presidente boliviano pode ser interpretada como um presságio para Maduro?

Gunson faz um alerta àqueles que já dão como certa a derrota de Morales e lembra o que aconteceu na Venezuela em abril de 2002, quando Chávez foi momentaneamente afastado do poder por uma tentativa de golpe de seus oponentes.

"Ele também deixou de ser presidente e, em poucos dias, voltou."

A memória desse episódio, no qual o presidente e alguns membros do governo foram detidos, permanece muito viva entre Maduro e o restante da liderança chavista, uma vez que muitos deles viveram o momento na pele.

Mas talvez mais importante que o passado seja o peso real da Bolívia no cenário internacional.

Segundo Ramsey, "há países que são muito mais importantes para Maduro devido ao apoio econômico que oferecem, como Cuba e Rússia".

"O que acontece na Bolívia não será uma ameaça existencial para ele", completa.

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