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Ex-colaboradores afirmam que MBL orientava ataques na internet; grupo nega

MBL faz autocrítica e busca nova maneira de atuar, evitando tornar a política um "espetáculo" - Reprodução/Facebook
MBL faz autocrítica e busca nova maneira de atuar, evitando tornar a política um "espetáculo" Imagem: Reprodução/Facebook
do UOL

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/11/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Blogueiro e jornalista descrevem estrutura de ataques digitais do MBL
  • Atuação teria sido mais intensa no período pré-eleitoral, de 2017 a 2018
  • Fundador do grupo admite influência e hoje vê depreciação no debate político

No mês em que comemora cinco anos de fundação, o MBL (Movimento Brasil Livre) sinaliza um novo discurso, mais distante da espetacularização da política e em busca de maior credibilidade.

Mas a autocrítica do movimento esbarra em fantasmas dos verões passados: autores de blogs que ganharam popularidade entre 2017 e 2018, graças ao MBL, dizem que o conteúdo publicado nesses sites era produzido a partir de orientações do grupo para atacar adversários.

"Embora eu não publicasse notícias falsas no Jornalivre, membros do MBL frequentemente nos pediam para fazer isso. Em alguns casos, eles mesmos, com acesso ao site, publicavam estas notícias, que eu tratava de excluir assim que descobria", afirma Roger Roberto Dias Andre, o Roger Scar, editor-chefe do blog Jornalivre, que existiu entre 2016 e 2018 e era amplamente compartilhado nas redes sociais do MBL.

A afirmação de Roger está em uma carta que ele enviou a deputados federais após o início dos trabalhos da CPMI das Fake News, na semana passada.

No texto, ele diz que o Jornalivre foi criado e era comandado pelo consultor de tecnologia Carlos Augusto de Moraes Afonso, mais conhecido pelo pseudônimo Luciano Ayan, que também mantinha o blog Ceticismo Político. Segundo Roger, Ayan atuava como um intermediário entre o MBL e o Jornalivre.

"Quando o MBL tretava com alguém, por exemplo, o (deputado federal) Rodrigo Maia (DEM-RJ), o Ayan chegava com 'a ordem do dia'. Naquele dia, ele queria que a gente buscasse qualquer coisa útil para publicar contra o Rodrigo Maia, e não precisava ser nada comprovado. Aí, passava algum tempo, às vezes eram dias ou apenas horas, e o MBL fazia as pazes com o Maia. Então, ele pedia para cessar os ataques", afirma ao UOL o editor do Jornalivre.

Isso aconteceu diversas vezes e com figuras diferentes. A ideia dele [Ayan], naquela época, era a de fazer precisamente o que as milícias bolsonaristas fazem hoje, com assassinato de reputações.
Roger Roberto Dias Andre, editor do site Jornalivre

Na carta enviada aos deputados, Roger afirma que, no início do Jornalivre, recebia R$ 700 por mês para escrever textos no blog. Ele diz que, algum tempo depois, esse valou subiu para R$ 2.000 e passou a receber também parte da receita com anúncios do site. Os pagamentos da remuneração mensal, segundo Roger, eram feitos por Luciano Ayan.

30.jun.2019 - Manifestantes pró-Bolsonaro empunham bandeira contra o MBL, um dos movimentos que apoiaram a eleição do atual presidente - cdsantos/Futura Press/Folhapress - cdsantos/Futura Press/Folhapress
30.jun.2019 - Manifestantes pró-Bolsonaro empunham bandeira contra o MBL, um dos movimentos que apoiaram a eleição do atual presidente
Imagem: cdsantos/Futura Press/Folhapress

Em nota enviada ao UOL, o MBL afirma que as declarações de Roger são "caluniosas e mentirosas". O texto acrescenta que o movimento "tem um pilar muito sólido com a verdade e respeito aos meios de comunicação".

"A nossa luta é pela democracia e a liberdade de expressão em bases verdadeiras e sem qualquer tipo de manipulação", diz o grupo. "Acima de tudo, nós do MBL rechaçamos a produção e divulgação de notícias falsas."

"Eu me arrependo"

No fim de 2017, Roger Scar diz que Ayan e um dos fundadores do MBL, Renan Santos, começaram a pressioná-lo para que o Jornalivre passasse a publicar textos em apoio à então pré-candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República.

Ele afirma que rejeitou a ideia e, por conta disso, Ayan e o grupo de jovens liberais teriam decidido criar um outro site para publicar as notícias que os interessavam: o blog O Diário Nacional.

Uma das autoras de boa parte dos textos publicados em O Diário Nacional era a estudante Francine Galbier, que também já havia escrito para o Jornalivre. Em contato com o UOL, ela diz que recebia uma remuneração pelos textos que fazia para os dois blogs - os pagamentos, segundo Francine, eram feitos por Ayan - e confirma que recebia instruções diretas sobre o que deveria escrever.

Quem orientava as publicações em ambos os sites era o Luciano Ayan, além de pessoas do próprio MBL, como o Renan Santos, que pedia conteúdos a serem publicados nesses blogs, uns atacando adversários políticos do movimento e outros destacando ações de membros do MBL.
Francine Galbier, ex-colaboradora do blog O Diário Nacional

Em 2017, a jovem entrou para o MBL e passou a se tornar um dos rostos mais conhecidos do grupo.

Ela diz que o convite para fazer parte do movimento partiu de Renan Santos, porque as lideranças do grupo sentiam falta de "uma figura feminina de destaque dentro do MBL".

Hoje, aos 27 anos, Francine afirma que se arrepende de praticamente tudo o que fez e diz reconhecer que a sua atuação no MBL ajudou a contribuir para uma "onda de desinformação".

"Eu me arrependo de ter falado um dia algo contrário ao movimento feminista, de todos os vídeos que eu fiz, mas principalmente um que fiz atacando a Agência Pública. Recebi orientações do que era pra falar e, depois, percebi que fiz um papel ridículo", afirma a estudante.

Também me arrependo de ter participado de campanhas de ataques e linchamentos virtuais contra jornalistas.
Francine Galbier, ex-colaboradora do blog O Diário Nacional

5.jul.2019 - Membros do Direita SP discutem com integrantes do MBL durante confusão entre os dois grupos em protesto na Avenida Paulista, no domingo passado (30) - Ettore Chiereguini/Futura Press/Folhapress - Ettore Chiereguini/Futura Press/Folhapress
5.jul.2019 - Membros do Direita SP discutem com integrantes do MBL durante confusão em protesto na av. Paulista
Imagem: Ettore Chiereguini/Futura Press/Folhapress

Francine diz que deixou o MBL em julho deste ano, porque já não se identificava com o movimento há muito tempo e achava que "não fazia sentido permanecer, principalmente em um ambiente extremamente machista".

Em contato com o UOL, Renan Santos, um dos fundadores do MBL, afirmou que a relação do grupo com Luciano Ayan sempre foi de amizade, "nada muito formal", e que a responsabilidade pelo conteúdo publicado nos blogs Jornalivre, O Diário Nacional e Ceticismo Político era de Ayan. Mas reconheceu um erro que o MBL admite ter cometido.

"O compartilhamento de sites que a gente não participava da operação foi um erro. A gente parou com isso", diz Renan.

Esses blogs sempre foram do Ayan. A gente tem uma relação de amigo, de muito tempo, de 2014. Ele tinha a nossa rede à disposição pra divulgar o site de notícias dele. É óbvio que rolou: 'pô, foca nisso aqui!' Mas o controle editorial era todo dele.
Renan Santos, fundador do MBL

A reportagem do UOL também enviou perguntas específicas para o MBL sobre o possível repasse da receita de anúncios de sites mantidos por Luciano Ayan e compartilhados pelo grupo, o suposto pedido de publicação de conteúdo favorável a Bolsonaro em 2017 e a alegação de "um ambiente machista" no movimento, mas não obteve reposta.

30.jun.2019 - Faixa do MBL faz crítica ao STF (Supremo Tribunal Federal) - Claudia Martini/Futura Press/Folhapress - Claudia Martini/Futura Press/Folhapress
30.jun.2019 - Faixa do MBL faz crítica ao STF (Supremo Tribunal Federal)
Imagem: Claudia Martini/Futura Press/Folhapress

MBL foi centro de uma das maiores redes de conteúdo político

Dados publicados no ano passado pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, grupo de pesquisas da USP, apontaram que a rede de sites ligados ao MBL, incluindo Ceticismo Político, Jornalivre e O Diário Nacional, chegava a receber, em seu auge, mais de 5,5 milhões de curtidas e 2,8 milhões de compartilhamentos por semana.

"O MBL era o segundo maior ecossistema que a gente conseguiu identificar no Facebook de compartilhamentos no campo político", diz o pesquisador Marcio Moretto, do Monitor Digital.

Era uma prática recorrente nesses ecossistemas pegar uma matéria que estava circulando de um veículo da grande imprensa e dar a informação de maneira sensacionalista, exagerada, pra encaixar na narrativa que eles estavam tentando vender.
Marcio Moretto, pesquisador do Monitor Digital

Em julho do ano passado, o Facebook tirou do ar quase 200 páginas e dezenas de perfis. Entre os atingidos estavam contas ligadas ao MBL, tanto de integrantes do grupo como de sites que o movimento compartilhava. Em um comunicado na ocasião, a rede social disse que a exclusão era resultado de violações da política de autenticidade da plataforma.

"Essas páginas e perfis faziam parte de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação", dizia o comunicado da empresa.

The Noite recebe Kim Kataguiri e outros representantes do MBL nesta sexta - Divulgação/SBT - Divulgação/SBT
Integrantes do MBL são recebidos no programa The Noite, com Danilo Gentili
Imagem: Divulgação/SBT
Ayan reconhece "exagero"

Procurado pelo UOL, Luciano Ayan não respondeu a perguntas específicas sobre o Jornalivre e O Diário Nacional e nem sobre a suposta orientação para que esses sites publicassem conteúdo favorável a Jair Bolsonaro em 2017.

Apenas admitiu ter publicado informações que não eram verdadeiras no blog Ceticismo Político e reconheceu que exagerou nos ataques a jornalistas e adversários.

Eu já publiquei notícias falsas, mas nenhuma vez foi intencionalmente. Existe, sim, nesse agito, de você publicar uma informação falsa. Isso aconteceu umas duas ou três vezes. Em alguns casos, eu fui além da conta. Nas entrevistas (no ano passado), quando eu estava brigando com a mídia, eu caí na alma de repórteres. Mas não no nível de linchamento.
Luciano Ayan, consultor de tecnologia e blogueiro

Ayan diz ter uma "relação forte" com o MBL, com amigos dentro do grupo, e define a relação com o movimento como uma parceria.

"Eu ajudei (o MBL) com questões relacionadas a estratégias e narrativas, como lidar com deputados, na pressão", acrescenta. "O MBL inovou muito na linguagem de memes. Eu ensinei a eles algumas coisas de guerra política, e eles me ensinaram sobre redes."

Luciano Ayan também não respondeu a um questionamento do UOL sobre possíveis repasses de dinheiro entre ele e o MBL por conta da receita com anúncios de seus sites e a divulgação desses conteúdos nas redes sociais. Mas admitiu que a receita gerada foi um fator importante de sua atuação na internet até 2018.

Ele revela que a monetização de anúncios chegou a render entre R$ 90 mil e 100 mil em um período de seis meses.

"No início, você não pensa em remuneração, mas em criar uma base de leitores", afirmou. "Quando você começa a fazer notícia comentada e acaba vendo que isso gera retorno, você acaba indo para o que dá mais resultado. Isso é inconsciente, é muito difícil você controlar. O retorno financeiro é um fator que contribui para praticamente todo mundo que faz, senão consciente, inconscientemente."

Desde o início do ano, quando passou a fazer críticas mais duras ao governo Bolsonaro e aos discípulos do escritor Olavo de Carvalho, Ayan se tornou alvo de ataques de grupos bolsonaristas nas redes sociais. Hoje, ele reconhece que as estratégias de "guerra política" que usou até o ano passado podem ter influenciado a militância bolsonarista na internet. "Eu me arrependo bastante de ter ajudado a criar esse clima antimídia", afirma.

Em áudio, Moro pede desculpas a integrantes do MBL por chamá-los de tontos

TV Folha

MBL perdeu audiência, mas vê "qualificação do público"

No próximo dia 25, o MBL realiza um evento para comemorar os cinco anos de sua fundação. O grupo, que cresceu principalmente nas redes sociais, com a convocação de protestos em 2015 e 2016 contra a então presidente Dilma Rousseff, hoje diz se dedicar a um momento de autocrítica e busca por novos rumos para o futuro.

Em entrevista concedida ao UOL, Renan Santos disse que um dos erros do MBL foi ter contribuído para uma "espetacularização" exagerada da política no Brasil.

Houve uma transformação da política quase em uma brincadeira. Qualquer besteira passou a ser levada a sério no debate. A gente tem um importante quinhão de responsabilidade nisso. Pra muita gente, basta você mitar, lacrar, e você se basta como agente político. Esse é o problema de hoje.
Renan Santos, fundador do MBL

Nos últimos meses, o MBL reafirmou uma posição independente em relação ao governo Bolsonaro, apesar de ter apoiado a campanha dele no segundo turno das eleições. Desde então, o movimento passou a sofrer ataques e perdeu um grande volume de seguidores nas redes sociais.

"A gente mudou muito a nossa linha neste ano. Hoje, somos um movimento liberal independente do governo, que é capaz de fazer crítica ao governo e à esquerda ao mesmo tempo", diz Renan. "A gente esperava uma perda de 30% em audiência. Teve essa perda, mas a gente qualificou o público. Não tivemos perda de doadores, pelo contrário, tivemos ganho. E teve um ganho de credibilidade."

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