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O governo cubano sai à caça de divisas

20/10/2019 09h42

Havana anuncia a abertura de casas de câmbio e a venda de importados em lojas estatais, em troca de dólares e outras moedas estrangeiras. Medidas visam reduzir efeitos do bloqueio americano e combater fuga de capitais.O modelo de negócios de Tony Morejón até agora estava indo muito bem. Vindo dos arredores de Havana, ele mora há 17 na Cidade do México, trabalhando como entregador entre México e Cuba.

Há anos que cubanos voam para países como Panamá, Equador e México, levando mercadorias de todo gênero, revendendo-as na ilha: condicionadores de ar, geladeiras, roupas, autopeças, itens religiosos. Muitas vezes, eles simplesmente funcionam como "mulas" – e pessoas como Tony Morejón cuidam da compra e da revenda. Eles costumam pagar a passagem de avião, além de acomodação e comida por vários dias – e ainda assim obtêm um lucro considerável.

O resultado é um sistema de importação com uma rede ampla e próspera, que passa ao largo do Estado. Segundo o Havana Consulting Group, com sede em Miami, esse negócio consegue movimentar anualmente cerca de dois bilhões de dólares, que permanecem no exterior. Dinheiro que escapa a um Estado cubano necessitado de divisas.

Isso deve mudar agora. O governo de Cuba pretende vender eletrodomésticos, motocicletas elétricas e outros produtos diretamente em dólares e outras moedas estrangeiras, a preços mais baixos e quer oferecer serviços para importação de mercadorias.

A proposta faz parte de um novo pacote de medidas anunciadas nesta semana na televisão estatal cubana pelo vice-presidente cubano, Salvador Valdés Mesa, e outros ministros. Uma medida notável, visando atrair divisas e eliminar o mercado informal das chamadas mulas.

"Então, as pessoas não precisam mais viajar para o Panamá ou a República Dominicana", diz Alejandro García, que trabalha no setor privado e elogia as medidas. "Mas isso eles já deveriam ter feito há muito tempo – bilhões de dólares foram enviados ao exterior através das mulas nos últimos anos. O governo perdeu muito dinheiro com isso!"

Reinaldo Carreno, que trabalha como carpinteiro e pede para não ter seu verdadeiro nome divulgado, não acredita que o sistema de mulas acabe. "Roupas e outros itens continuarão sendo importados por particulares", acredita. García concorda: "As pessoas continuarão comprando no exterior, as pessoas privadas sempre venderão mais barato que o Estado. É preciso esperar para ver como as medidas serão implementadas." Ele espera, no entanto, que TVs e geladeiras fiquem mais baratas.

Essa pelo menos foi uma das promessas do vice-presidente: eletrodomésticos, motocicletas e outros produtos serão, segundo ele, vendidos a preços mais competitivos. No entanto, os produtos só podem ser comprados em determinadas lojas, com cartões magnéticos vinculados a contas bancárias em dólares ou em outras moedas estrangeiras.

"Agora o governo recorre novamente aos cubanos que moram fora", reclama Carreno. "Porque é isso que interessa: eles devem enviar dinheiro". Ele, entretanto, acredita que a ideia não vai resolver muita coisa, já que apenas uma parte da população pode comprar nessas lojas: aqueles que têm famílias no exterior que transferem dinheiro. "O que adianta ter refrigeradores ou aparelhos de ar condicionado quando não há café, cerveja ou molho de tomate para comprar?"

Com as medidas agora anunciadas, o Estado espera obter divisas para comprar itens de necessidade básica no exterior e melhorar a situação da oferta desses produtos.

O governo Trump proibiu recentemente as viagens de cruzeiro para a ilha, restringiu as remessas de dinheiro e sancionou empresas e navios que fornecem petróleo a Cuba. Com o acirramento do bloqueio dos EUA, o governo de Havana perdeu importantes fontes de divisas. Isso, por sua vez, levou nas últimas semanas e meses a repetidos períodos de escassez de produtos básicos, como ovos, óleo de cozinha e farinha.

O peso cubano convertível (CUC), que circula em Cuba ao lado do peso cubano (CUP), mas é acoplado ao dólar americano, é conversível, mas apenas em Cuba. Para comprar produtos no exterior, o governo de Havana precisa de moeda forte. Um refrigerador vendido na ilha em CUC não pode ser convertido automaticamente em moeda estrangeira, porque, em grande parte, o CUC é uma moeda sem lastro.

No futuro, os trabalhadores autônomos de Cuba poderão importar bens e suprimentos, mesmo que isso só seja possível através de empresas estatais. O governo promete não impor restrições a autônomos.

O ministro da Economia, Alejandro Gil, reconheceu que, devido à falta de liquidez, o governo é "incapaz de atender à demanda doméstica" e manter a estabilidade da oferta.

"Nas casas de câmbio que estão abrindo agora, estão aceitando pesos mexicanos, yuan, dólares canadenses, além de dólares americanos e euros", diz o carpinteiro Reinaldo Carreno. "Em breve, não teremos apenas duas moedas, mas quinze ou dezesseis."

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