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Cuba perde uma artista única e fenomenal, a bailarina e coreógrafa Alicia Alonso

17/10/2019 17h15

A lendária bailarina e coreógrafa cubana Alicia Alonso morreu nesta quinta-feira (17) em Havana aos 98 anos, , informou o Ballet Nacional Cubano. Alonso, a única latino-americana a ter o título simbólico de "prima ballerina assoluta" (concedido aos bailarinos mais excepcionais), morreu às 11h locais, 13h em Brasília, segundo o porta-voz da companhia que ela fundou e dirigiu. Ela sofria de uma doença cardiovascular.
 

A morte de Alicia Alonso prococou uma série de reações de admiradores. O presidente cubano, Miguel Diaz Canel, atualmente em visita oficial ao México, tuitou: "Alicia Alonso se foi e nos deixa um vazio enorme, mas também um legado intransponível. Ela colocou Cuba no altar do melhor da dança mundial. Obrigado, Alicia, por seu trabalho imortal."  

Muitos lembram da cubana como uma artista única, disciplinada e temperamental, que encantou o público com suas piruetas virtuosas. Foi também uma coreógrafa exigente, que fazia os dançarinos repetirem os movimentos de forma incansável, em busca da perfeição.

Outros a veem como a grande dama cubana que se doou de corpo e alma à Revolução do falecido líder Fidel Castro. Foi com o apoio do Comandante que sua escola de dança ganhou impulso após o triunfo da Revolução, em 1959.

A vida de Alonso foi marcada pela paixão pela dança. Ela estreou na Broadway no final dos anos 1930, ficou quase cega aos 20 anos de idade, depois de sofrer um duplo descolamento de retina, e dançou quase toda a sua vida guiada pelas luzes do palco até pendurar as sapatilhas de ponta em novembro de 1995, aos 74 anos.

A reinterpretação que fez durante meio século do personagem principal do famoso balé romântico "Giselle" elevou-a aos altares da dança clássica. Constam do currículo de Alonso outros grandes títulos do repertório clássico, como "Carmen", "Coppelia" e "O Quebra-nozes".

Primeiros passos na ponta dos pés

Nascida em 21 de dezembro de 1920 em Havana, neta de espanhóis, Alicia Ernestina de la Caridad del Cobre Martínez del Hoyo, seu nome de batismo, costumava caminhar na ponta dos pés por toda a casa. Seu pai, um veterinário militar, exigia que ela andasse de forma "normal". Ele se opôs a que a filha fosse bailarina, mas se deixou convencer pela mãe.

Alicia, então, dançou até quase os 75 anos. Cega e com sérios problemas motores, ela continuou dançando na mente. "Danço dentro de mim, com os olhos fechados", costumava dizer. Deu-se ao luxo de executar os 32 fouettés - piruetas sobre o próprio eixo em uma só perna - de "O Lago dos Cisnes" com mais de 40 anos. Ou executar os "sautés sur la pointe en arabesque penchée" - como ela mesma batizou os saltos para trás que dava na ponta do pé com a outra perna erguida em ângulo de 90 graus -, um desafio para as jovens bailarinas.

A vida nos EUA

Alonso emigrou muito jovem para os Estados Unidos e concluiu sua formação em Nova York. Entrou para o American Ballet Caravan, hoje New York City Ballet. Foi fundadora do American Ballet Theatre em 1940.

Casou-se com Fernando Alonso (1914-2013), coreógrafo e diretor, de quem herdou o sobrenome que manteve após o divórcio do casal, em 1975. Mãe de Laura (1948), sua única filha, Alicia também dançou na companhia Bolshoi de Moscou, no balé soviético Kirov (hoje Mariinski) de São Petersburgo e no Balé da Ópera de Paris.

Após voltar a Cuba, em 1948, fundou o Ballet Alicia Alonso que, dois anos depois do triunfo da revolução de Fidel Castro, em 1961, se tornou o Ballet Nacional, auspiciado pelo Estado. A bailarina, que chegou a dizer que queria viver dois séculos, criou a escola cubana de Balé, que aglutinou ritmos e raças, que "dançam com o coração", em suas palavras.

A grandeza do ballet em uma pequena ilha

Casada pela segunda vez com Pedro Simón, diretor do Museu Nacional da Dança, Alonso manteve-se ativa na dança até 1995, quando se despediu após uma apresentação em palcos italianos. Mas continuou como diretora e coreógrafa de uma companhia de balé de primeira grandeza, em uma ilha de 11,2 milhões de habitantes, onde o balé clássico era quase desconhecido. "Não é por ser uma ilha que não podemos competir com o mundo", disse em uma entrevista.

A partir dos anos 1960, começa a ser realizado o Festival Internacional de Ballet de Havana, que adquire prestígio e prêmios internacionais. Aurora Bosch, uma das "joias" do balé cubano, lembra que Alicia atraiu os homens para a dança, inclusive valendo-se de truques, quando na ilha eram taxados de homossexuais por fazer balé.
   
Enxergar ou dançar

Após sofrer um descolamento de retina nos dois olhos aos 20 anos, os médicos sugeriram repouso para que a doença não piorasse, sob o risco de ficar cega. Mas ela decidiu dançar e o mal avançou. Foi operada, continuou dançando e a situação se agravou. Entre a visão e a dança, ela escolheu a dança.

Simón conta que na época havia luzes no cenário para orientar Alicia, que só enxergava sombras. De estatura mediana, magra, tentou manter a elegância de seu pescoço de cisne, apesar da idade.

Alonso foi uma espécie de embaixadora da Revolução em tempos de isolamento político e teve uma relação de trabalho muito próxima com Fidel Castro.

Imortalizada em vida

Em um gesto incomum na Cuba socialista, um prédio público foi batizado com o nome de uma personalidade viva. O Grande Teatro de Havana, sede da companhia, desde 2015 se chama Alicia Alonso. Alguns de seus discípulos, como Carlos Acosta, formou novas companhias e o balé criou raízes em toda a ilha.

Em Cuba, tornou-se comum a frase: "Alicia nasceu para que Giselle não morresse. Mas agora que Alicia partiu, levada pelas Willis, é Giselle quem fica, dando-lhe vida eterna".

* Com informações da AFP

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