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'É difícil ter esperança no momento', diz fotógrafa que fez imagens-símbolo de revoluções na América Latina

Letícia Mori @_leticiamori - Da BBC News Brasil em São Paulo

15/10/2019 06h54

Retrospectiva de 50 anos de carreira da fotógrafa americana Susan Meiselas reúne violência de conflitos.

Uma das imagens mais brutais feitas pela fotógrafa americana Susan Meiselas mostra uma bela paisagem da Nicarágua e, em primeiro plano, um corpo de um homem morto semi comido por animais carniceiros, em que é possível ver sua coluna vertebral exposta.

Meiselas se deparou com a cena em 1981 em um dos locais de extermínio da Guarda Nacional no país, em uma das muitas visitas que fez ao país latino-americano. Ela tinha ido à Nicarágua pela primeira vez em 1978. Chegou sozinha, sem conhecer ninguém e sabendo pouco sobre o país, mas suas fotografias acabaram se tornando símbolo internacional da revolução Sandinista, que acabou com a ditadura militar do general Anastasio Somoza Debayle.

A imagem mais conhecida da série feita por Meiselas, o homem-molotov, de Pablo de Jesus "Bareta" Araúz lançando um coquetel molotov, foi eleita pela revista Time como uma das fotografias mais importantes da história.

A americana também foi responsável por retratos que simbolizam os sofrimentos do povo curdo ? cerca de 30 milhões de pessoas sem um país próprio que vivem na Turquia, na Síria, no Irã e na Armênia e que agora estão sendo atacados pela Turquia na Síria após o presidente Donald Trump retirar as tropas americanas da região.

Hoje conhecida como uma das mais importantes fótografas de conflitos, Meiselas se diferencia por ter sempre criado um relacionamento mais profundo e um vínculo com as pessoas com que fotografa ? ela criou o hábito de retornar diversas vezes aos mesmos locais, e alguns de seus trabalhos têm duração de quase 30 anos.

Um hábito que gera um impacto pessoal quando se lida com tantas situações de violência.

"Você está sempre tentando equilibrar o que consegue comunicar sobre uma experiência. E você carrega muito mais do que é possível expressar", diz ela à BBC News Brasil, na montagem da exposição Susan Meiselas: Mediações, retrospectiva sobre seu trabalho que vem de Paris para São Paulo e vai ficar no Instituto Moreira Salles até março de 2020.

"Eu sempre digo que a fotografia é um ponto de conexão e separação, você está sempre navegando essas emoções" diz ela, que hoje tem 71 anos, sobre fazer amizade com as pessoas retratadas e depois deixá-las.

"É difícil ter esperança no mundo no momento, especialmente nos dois lugares que você vê aqui, Nicarágua e Curdistão", diz ela. "Claro que houve muita mudança, mas houve muito retrocesso."

"Estou sentada aqui agora e enquanto isso essas pessoas estão sendo bombardeadas na fronteira com a Síria", diz ela. "É uma comunidade que está totalmente vulnerável."

Mulheres sem retoques

Fotógrafa da agência Magnum desde 1980, Meiselas foi pioneira em um setor dominado por homens. Seu primeiro grande ensaio, nos anos 1970, aconteceu em um momento em que o feminismo estava ganhando força nos EUA.

Meiselas, que dava aulas de fotografia em escolas públicas de Nova York após se formar na Universidade de Harvard, começou a retratar jovens mulheres que tiravam as roupas por dinheiro em festivais de verão.

Ela não apenas fazia fotografias das strippers, mas as entrevistou para saber como elas se viam nas fotos e o que pensavam de si mesmas e de seus trabalhos ? e encontrou muito mais complexidade e nuance do que apenas as histórias típicas de exploração que se espera nesses casos.

"Claro, elas não tinham muitas opções, mas conforme fui conhecendo-as eu percebi que elas eram muito determinadas a viver suas vidas de forma independente, além do beco sem saída que eram suas cidades pequenas", conta ela, que tinha 23 anos quando começou o ensaio.

Ao longo dos 50 anos de carreira, Meiselas fez muitos ensaios sobre mulheres, ora retratando a alegria de adolescentes crescendo em Nova York, ora retratando a impessoalidade dos abrigos para vítimas de violência doméstica na Inglaterra.

Hoje, em um outro momento para o movimento feminista, a fotógrafa diz acreditar que vivemos um retrocesso.

"A questão é: porque ainda estamos lutando pelo direito ao aborto nos EUA e em outros lugares? Não é algo simples ? estamos livres ou não estamos livres. É uma luta constante por direitos das mulheres."

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