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Prêmio Nobel para Peter Handke gera controvérsia

Sabine Peschel (md)

12/10/2019 05h43

Homenagem provoca elogios e críticas. Lideres de Bósnia, Kosovo e Albânia condenam premiação ao autor, que durante os conflitos da ex-Iugoslávia apoiou a Sérvia. Associação de vítimas do genocídio de Srebrenica protesta.É uma lista de obras de Peter Handke bastante longa: sob os detalhes biográficos do vencedor do Nobel de Literatura de 2019, o Comitê do Nobel listou 95, que o austríaco publica desde os 24 anos.

O primeiro romance, Die Hornissen (As vespas, em tradução literal), publicado em 1966, não o tornou conhecido internacionalmente. Mas mesmo na peça teatral Insulto ao público, publicada no mesmo ano, fez com que ele já ganhasse destaque como um escritor impossível de se ignorar, muitas vezes aclamado, e como um dramaturgo muito encenado. Agora, aos 76 anos de idade, ele recebe a maior honra que o mundo literário tem para conceder.

Muitos dos livros de Handke, sobretudo os mais antigos, entraram na consciência coletiva dos países de língua alemã, como Die Angst des Tormanns beim Elfmeter (O medo do goleiro na hora do pênalti), de 1970. São obras conhecidas mesmo por quem não as leu.

A Academia Sueca, que indica os vencedores do Nobel para o Comitê do Nobel, homenageia Handke devido ao "trabalho influente que, com criatividade linguística, explorou a periferia e a especificidade da experiência humana". Desde seu romance de estreia, ele se estabeleceu como um dos mais influentes escritores do pós-guerra europeu, com obras em diversos gêneros, ressaltou o presidente do Comitê do Nobel, Anders Olsson.



Handke é, sem dúvida, um dos autores contemporâneos mais produtivos, mas também um dos mais controversos. Prolífico, ele polariza desde o início da carreira, há mais de 50 anos. Em 1966, mesmo antes do Insulto ao público, tornou-se conhecido quase da noite para o dia, ao – em diatribe proferida numa reunião em Princeton – atacar o lendário círculo literário Grupo 47, integrado por autores como Günter Grass, Hans-Werner Richter e Hans-Magnus Enzensberger, acusando o grupo de "impotência de descrição". Foi o início sequioso por atenção de uma carreira extremamente criativa.

Nascido em 1942, num lugarejo do estado austríaco de Caríntia, ele provoca, desde que interrompeu a faculdade de direito para se lançar escritor, com suas obras e com sua atitude política – e, dizem alguns, também humana.

Já em Insulto ao público, 53 anos atrás, ele ofendia a plateia do teatro de Frankfurt, fazendo atores os xingarem de "olhos de sapo", "lambedores de meleca", "inúteis". No entanto, escreveu a história do teatro com suas mais de 20 peças, foi e é montado nos melhores palcos, não apenas nos países germanófonos. O júri do Prêmio Nestroy, da Áustria, o homenageou em 2018 pelo conjunto de sua obra.

Ele também foi imortalizado por seu roteiro Asas do desejo, filmado pelo aclamado diretor alemão Wim Wenders. "Quem mais, senão ele?", comentou o cineasta, celebrando o Nobel para Handke. Obviamente o entusiasmo também é compartilhado por Jonathan Landgrebe, chefe da Suhrkamp, a editora alemã de Handke.

"Vontade de vomitar"

Quem também se alegra é a francesa Gallimard, que publicou mais de uma dezena livros do autor que mora há três décadas no sul de Paris. E talvez ele seja mais popular na França do que na Alemanha, Noruega ou Albânia. Porque muitos críticos não perdoam a atitude do irado autor durante a guerra dos Bálcãs de 1999: Handke ficou do lado da Sérvia, condenou a Otan por seus ataques aéreos e fez um discurso em 2006 no funeral do ex-ditador iugoslavo Slobodan Milosevic.

Pelo mesmo motivo, também foram contidos os parabéns da ministra alemã de Cultura e Mídia, Monika Grütters, segundo a qual Handke nunca se submeteu ao zeitgeist, mas sempre permaneceu desconfortável. Com seu prazer de provocar, comentou, ele quebrou muitos tabus políticos.

Outros reagiram simplesmente chocados. A Sociedade para os Povos Ameaçados (GfbV) criticou severamente a decisão do Nobel: "É completamente incompreensível que o Comitê do Nobel esteja reconhecendo o apoio intelectual ao genocídio", acusou Jasna Causevicdie, especialista da GfbV em prevenção de genocídio.



Líderes da Bósnia, Kosovo e Albânia também condenaram a premiação de Handke, que na época dos conflitos da ex-Iugoslávia tomou abertamente partido pela Sérvia. "Nunca pensei que ficaria com vontade de vomitar por causa de um prêmio Nobel", escreveu o primeiro-ministro albanês, Edi Rama, no Twitter. O membro bósnio da presidência colegiada da Bósnia, Sefik Dzaferovic, classificou a decisão de "escandalosa e vergonhosa".

"É vergonhoso que o Comitê do Prêmio Nobel deixe de lado tão facilmente o fato de que Handke justificava as ações do [ex-presidente sérvio] Slobodan Milosevic e que protegia a ele e seus asseclas, Radovan Karadzic e Ratko Mladic, que foram condenados pelos crimes de guerra mais graves, entre eles, o genocídio", declarou Dzaferovic.

A principal associação de vítimas do genocídio cometido na cidade bósnia de Srebrenica, em 1995, anunciou nesta sexta-feira (11/10) que pedirá a retirada do Nobel de Peter Handke.

"O homem que defendia os açougueiros balcânicos não pode obter esse prêmio. Estamos muito abalados, como vítimas. Como pode ganhar o Prêmio Nobel alguém que defende os criminosos e, sobretudo, os que cometeram o genocídio?", disse Munira Subasic, presidente da associação Mães de Srebrenica. Nessa cidade, milícias sérvio-bósnias assassinaram 8 mil muçulmanos durante a guerra na Bósnia, ato que a justiça internacional classificou como genocídio.

A posição pró-Sérvia de Handke reabriu velhas feridas nos Bálcãs ocidentais, um território ainda traumatizado pelas consequências das guerras de desintegração da antiga Iugoslávia. Para alguns, Handke faz apologia aos crimes cometidos em nome do nacionalismo sérvio. Para outros, é um intelectual que se atreveu a lutar contra a demonização dos sérvios como causadores de todos os males das guerras na ex-Iugoslávia.

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Autor: Sabine Peschel (md)

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