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O que se sabe sobre o segundo objeto interestelar a visitar nosso sistema solar, após o Oumuamua

Alejandra Martins - BBC News Mundo

20/09/2019 11h50

Segundo observações preliminares, trata-se de um cometa; astrônomos aguardam sua aproximação com grande expectativa, para analisar seus gases e compostos - e que informações isso pode dar sobre materiais de planetas em outros sistemas solares.

Ele foi descoberto por um astrônomo amador e, desde então, entusiasma os especialistas.

O objeto, segundo observações preliminares, é o primeiro cometa que nos visita vindo de fora do sistema solar.

O cometa foi chamado C/2019 Q4 (Borisov), em referência a Gennady Borisov, o astrônomo que o detectou em 30 de agosto, em um observatório na Crimeia.

A detecção do objeto foi confirmada pelo Centro de Planetas Menores da Universidade de Harvard (MPC, na sigla em inglês), que confirmou sua trajetória e observou que essa órbita indicaria inicialmente que se trata de um visitante interestelar.

Este cometa seria o segundo visitante interestelar descoberto após 1I/'Oumuamua, mas é o primeiro que é inquestionavelmente um cometa.

Oumuamua media 170 metros, mas o cometa C-2019 Q4 (Borisov) tem entre 2 e 16 km de diâmetro, de acordo com observações iniciais.

"Diferente de Oumuamua, cuja natureza, asteroide ou cometa, ainda está sendo debatida, esse objeto é definitivamente um cometa", disse o astrofísico Karl Battams, no Twitter.

Se a conclusão preliminar sobre a origem interestelar do novo objeto for confirmada, o nome do cometa será alterado para começar com 2I, indicando que é o segundo objeto descoberto com origem fora do sistema solar.

Outros institutos demonstram uma certeza maior em relação à origem do cometa. O Instituto de Astrofísica das Ilhas Canárias, que fez o primeiro espectro do cometa, disse à BBC Mundo que não tem dúvidas de que se trata de um visitante vindo de outro sistema estelar.

Cometas e asteroides

"Oumuamua pôde ser observado muito pouco e descobrimos que é tão fraco que as imagens não descartam a possibilidade de haver alguma atividade cometária", explica Julia de León, pesquisadora do Instituto de Astrofísica das Canárias e uma das cientistas que fizeram o primeiro espectro do novo cometa.

"80% das imagens de Oumuamua não mostram uma atividade cometária, mas você sempre tem uma margem de erro. Pode ser que fosse tão leve que não capturamos, mas temos quase certeza de que é um asteroide."

Asteroides e cometas são dois objetos espaciais diferentes: asteroides são compostos de rocha e metais. Os cometas, por outro lado, são compostos de gelo e poeira.

"Os cometas são 'bolas de neve sujas', como definido por Fred Whipple em 1950, que se formaram na parte externa do disco planetário, onde a água é congelada devido às baixas temperaturas prevalecentes", explica o Institute of Astrofísica das Ilhas Canárias.

"Eles são restos dos materiais que deram origem aos planetas gigantes e nunca foram incorporados a esses planetas."

O cometa 'é uma benção'

Uma das características do cometa C/2019 Q4 (Borisov) que mais entusiasma os astrônomos é que será possível estudá-lo por pelo menos um ano e ele só atingirá o periélio, o ponto de aproximação mais próximo do Sol, por volta de 8 de dezembro.

"A chegada do cometa é muito importante porque, no caso do Oumuamua, o caçamos quando ele estava fugindo do sistema solar e o observamos quando ele já estava muito fraco. Isso fez com que os resultados não fossem muito conclusivos e nos deixou com mais dúvidas do que respostas", afirmou De Leon.

"Mas este caso é uma bênção, o cometa poderá ser observado por muito tempo porque está chegando ao sistema solar e, além disso, é diferente de Oumuamua: é um cometa".

Os cometas, como explicado pela astrônoma, são portadores de compostos orgânicos, gelo e outras substâncias, como o metano, que se espera que possam ser observados em detalhes.

"O cometa nos permitirá um estudo muito completo por um longo tempo e nós adoramos isso."

Primeira fotografia

O cometa acaba de ser fotografado pela primeira vez por astrônomos no Observatório Gemini em Maunakea, no Havaí.

A imagem no início desta reportagem foi obtida na noite de 9 a 10 de setembro e mostra uma cauda pronunciada, indicativa de desgaseificação, característica de um cometa.

Quando a órbita de um cometa o leva ao sistema solar interno, parte do gelo e gás do cometa são aquecidos pelo Sol e se expandem para formar uma nuvem em torno do centro sólido, ou núcleo, segundo a Nasa.

Embora o núcleo possa ter apenas alguns quilômetros de diâmetro, a nuvem, chamada de coma ou cabeleira, pode ter milhares de quilômetros de diâmetro.

Na medida em que a força da luz solar e outras radiações empurram o material da coma, elas sopram o material para formar uma cauda, que pode ter milhões de quilômetros de comprimento.

Essa pressão de radiação é a razão pela qual a cauda de poeira e gás sempre aponta para longe do Sol, mesmo quando o cometa está se afastando dele.

Órbita hiperbólica

A órbita do cometa C/2019 Q4 (Borisov) sugere que o objeto se originou fora do sistema solar.

O cometa parece ter uma órbita hiperbólica.

Quando uma órbita desenha um círculo perfeito, ela tem uma excentricidade de 0.

As órbitas elípticas dos planetas se desviam de um círculo com valores de excentricidade que variam de 0 a 1.

Órbitas hiperbólicas não fecham e têm uma excentricidade maior que 1. As velocidades ao longo da órbita hiperbólica são maiores que as necessárias para escapar da influência gravitacional de outro objeto central em questão.

Essa órbita descreve dois objetos que passam sem que um deles seja capturado pelo outro.

A órbita hiperbólica do cometa descoberto por Borisov tem uma excentricidade de 3,2.

Estudo pioneiro nas Canárias

Uma das grandes perguntas que os cientistas procuram responder é se a composição do visitante interestelar é semelhante ou diferente da dos cometas do nosso sistema solar.

Nas primeiras horas do dia 13 de setembro, os astrônomos Julia de León, Miquel Serra-Ricart e Javier Licandro, junto com outros pesquisadores, usaram o instrumento OSIRIS no Grande Telescópio das Canárias (GTC), com 10,4 m de diâmetro, instalado no Observatório Roque de los Muchachos, em La Palma.

A observação foi um desafio técnico, explicou De León.

"Tem sido tecnicamente muito complicado, porque agora esse objeto é visto apenas ao amanhecer e com altitudes muito baixas, apenas 20, 25 graus, o que é muito, muito próximo do horizonte. E é um desafio mecânico orientar um telescópio de 10 metros como o GTC", disse.

O espectro obtido indica que o cometa "é do mesmo tipo que os cometas do nosso sistema solar, o que indica claramente que possui uma composição semelhante", disse De León.

Mas o astrônomo esclareceu que esses resultados são apenas o começo, pois o que foi obtido foi um "espectro de reflexão".

"As superfícies planetárias, os asteroides, não emitem luz. Eles refletem a luz do sol em sua superfície. É o que chamamos de espectro de reflexão", disse à BBC Mundo.

"Foi o que obtive. Peguei a luz que vem do Sol, que está refletindo na superfície do cometa e alcançando meu telescópio".

Mas o problema é que nessa faixa óptica não há muitas características que ajudem a diferenciar.

"Precisamos ir até o infravermelho, até outros comprimentos de onda, ou ao ultravioleta, que é o próximo passo que tenho em mente, para observar o cometa em comprimentos de onda mais curtos, em direção ao azul" .

Para fazer esses estudos, De León explicou que os astrônomos aguardam o cometa estar mais próximo e mais brilhante.

"E aí, o que queremos, em vez de observar a luz refletida, é observar os gases, os compostos que estão evaporando quando se aproximam do Sol e emitem luz", disse.

E o que aconteceria se essa análise do espectro de gases indicasse uma composição diferente da dos cometas do nosso sistema solar?

"Seria uma bomba. Indicaria quais são os materiais nos discos protoplanetários de outras estrelas, em outros sistemas solares."


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