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Videogames violentos são 8 vezes mais citados nos EUA quando atiradores de massacres em escolas são brancos

Pesquisa da Associação Americana de Psicologia indica que estereótipos raciais influenciam na busca por fatores "externos", como o uso de videogames, após tiroteios em escolas - Getty Images/BBC
Pesquisa da Associação Americana de Psicologia indica que estereótipos raciais influenciam na busca por fatores 'externos', como o uso de videogames, após tiroteios em escolas Imagem: Getty Images/BBC

Mariana Alvim

Da BBC News Brasil, em São Paulo

16/09/2019 14h27

Videogames violentos são lembrados com maior frequência como possíveis motivações de massacres em escolas quando atiradores são brancos do que quando são negros, segundo um estudo publicado pela Associação Americana de Psicologia (APA) nesta segunda-feira (16/9).

Para os autores do trabalho, os resultados indicam que estereótipos associando os negros à violência possivelmente fazem com que estes sejam mais responsabilizados por crimes, enquanto para os brancos há uma tendência à busca por explicações externas: como videogames.

O estudo teve duas etapas: experimentos com universitários e análise de 204,7 mil reportagens de jornais sobre 204 ataques a tiros realizados nos Estados Unidos entre 1978 (ano que segundo os autores consolidou o consumo de videogames, com o lançamento do console Atari) e 2018. Os ataques considerados no levantamento tiveram pelo menos três vítimas, sem incluir os autores, e não tinham conexão com o crime organizado, tráficos de drogas e atividades de gangues.

Após a extensa análise das reportagens, os pesquisadores, das universidades de Villanova, Virginia Tech e do Estado da Pensilvânia, verificaram que havia uma probabilidade oito vezes maior de menção a videogames quando os autores de tiroteios em escolas eram brancos na comparação com negros.

Videogames foram mencionados em 6,8% dos artigos sobre massacres em escolas perpetrados por brancos, contra 0,5% por negros.

Vínculo entre videogames e agressões

Os autores da publicação alertam, porém, que diversos trabalhos científicos de áreas variadas não conseguiram vincular o uso de videogames à concretização de atos violentos na vida real por seus usuários. Apesar disso, mídia e políticos frequentemente mencionam jogos ao comentarem massacres, especialmente quanto estes acontecem em escolas.

"Quando um ato violento é perpetrado por alguém que não corresponde ao estereótipo racial de pessoa violenta, as pessoas tendem a procurar uma explicação externa para o comportamento violento", diz Patrick Markey, líder do estudo e professor de psicologia na Universidade Villanova.

"No caso de um jovem branco dos arredores da cidade grande (áreas que nos EUA frequentemente abrigam as casas das famílias mais abastadas) que comete um ato violento horrível como um tiroteio na escola, há uma maior probabilidade de se culpar erroneamente os videogames do que se o jovem fosse negro."

Autores de publicação destacam que, apesar da literatura mostrar que negros tendem a usar mais videogames, o uso de jogos violentos é apontado com pouca frequência como explicação para tiroteios em massa - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
Autores de publicação destacam que, apesar da literatura mostrar que negros tendem a usar mais videogames, o uso de jogos violentos é apontado com pouca frequência como explicação para tiroteios em massa
Imagem: Getty Images/BBC

O estudo usou dados sobre local, data, nome e etnia dos autores de massacres no repositório Stanford Mass Shootings in America. No conjunto abordado, foram contabilizados 73 tiroteios realizados por negros e 131 por brancos. Foram considerados atiradores do sexo masculino pois, de acordo com os autores do estudo, o volume de tiroteios perpetrados por mulheres seria insuficiente para encontrar padrões.

Ainda de acordo com os pesquisadores, a menção menos frequente aos videogames no caso de atiradores negros surpreende ainda pois este grupo racial tende justamente a usar mais estes jogos e outras mídias, segundo outras pesquisas,

No entanto, quando considerados massacres em locais que não fossem escolas, a menção a videogames foi praticamente a mesma entre brancos (1,8% das reportagens) e negros (1,7%). Os autores acreditam que a diferença possa ser explicada por uma associação entre videogames, juventude e ambiente escolar.

"A etnia é um fator importante, mas parece ser relevante apenas quando o atirador é jovem, como nos tiroteios em escolas. Videogames não são considerados quando o atirador é mais velho, como em Las Vegas (tiroteio que tirou a vida de 58 pessoas (além do atirador) durante um show na cidade americana em 2017", respondeu Markey à BBC News Brasil por e-mail.

"Quando o atirador é um jovem branco, falamos de videogames, mas quando ele é mais velho ou negro, não."

A pesquisa foi publicada na revista especializada "Psychology of Popular Media Culture com o título He Does Not Look Like Video Games Made Him Do It: Racial Stereotypes and School Shootings" (em tradução livre, "Ele não aparenta ter sido motivado por videogames: estereótipos raciais e tiroteios em escolas").

Entrevistas com universitários

Outra etapa do estudo envolveu experimentos com 169 universitários e confirmou resultados semelhantes aos da análise do noticiário.

Nesta fase, os participantes leram uma matéria de jornal falsa sobre um tiroteio em massa fictício realizado por um jovem de 18 anos, descrito como um ávido fã de videogames violentos.

Metade dos participantes leu um artigo ilustrado com uma foto de um atirador branco, e a outra metade com uma imagem de um atirador negro.

Os universitários que leram o artigo com a foto de um jovem branco tiveram uma probabilidade significativamente maior de culpar os videogames como fator motivador do que a outra metade do grupo.

Entidade pede que mídia e políticos evitem associação com videogames

Associação publicou documento pedindo que a mídia e os políticos evitem vincular jogos violentos a tiroteios em escolas - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
Associação publicou documento pedindo que a mídia e os políticos evitem vincular jogos violentos a tiroteios em escolas
Imagem: Getty Images/BBC

A Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês) tem acompanhado de perto a questão do uso de videogames e sua suposta relação com a violência. Em 2015, uma força-tarefa da associação publicou um documento que indica que mais de 90% das crianças nos EUA jogam videogames e que mais de 85% dos produtos no mercado continham alguma forma de violência.

A força-tarefa encontrou uma associação entre exposição a videogames violentos e algum comportamento agressivo, mas os indícios sobre a relação entre jogos e violência mortal foram insuficientes.

Algumas pesquisas recentes, porém, questionam até a associação entre jogos violentos e comportamento agressivo. Levantamentos com acadêmicos e clínicos também indicaram que a maioria desses especialistas não acredita que o videogame seja um perigo grave à sociedade.

Devido à falta de evidências científicas, a Sociedade para Mídia e Tecnologia, uma divisão da APA que se concentra no impacto da mídia sobre o comportamento humano, pediu que o vínculo entre jogos violentos a tiroteios em escolas seja evitado por políticos e na imprensa.

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