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Estados com guerra do PCC contra facções rivais lideram taxas de homicídios

12.abr.2018 - Jovem morto dentro de casa por dois homens no Pará, um dos estados que lideram taxas de homicídios, convive com conflitos entre facções criminosas e milícias - Bruno Santos/Folhapress
12.abr.2018 - Jovem morto dentro de casa por dois homens no Pará, um dos estados que lideram taxas de homicídios, convive com conflitos entre facções criminosas e milícias
Imagem: Bruno Santos/Folhapress
do UOL

Carlos Madeiro e Luís Adorno

Colaboração para o UOL, em Maceió, e do UOL, em São Paulo

14/09/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Expansão do PCC expandiu violência no Brasil
  • 8 estados têm aumento exponencial em homicídios
  • Disputa é com o Comando Vermelho e aliados

A expansão do PCC (Primeiro Comando da Capital) para o Norte e o Nordeste levou estados mais pobres a conviverem, nos últimos anos, com um aumento exponencial nas taxas de homicídios. O motivo seria um constante conflito da organização criminosa paulista com o CV (Comando Vermelho) ou grupos locais apoiados pela facção do Rio de Janeiro.

Os oito estados que lideraram as taxas de homicídios no país em 2018, segundo o anuário da Segurança Pública, divulgado na última quarta-feira (11), têm como similaridade o PCC em disputa por espaço com outras facções. Em seis casos, a disputa principal é justamente contra o CV. Em outros dois, a disputa por territórios envolve apenas grupos locais, aliados de membros do CV.

Os conflitos nos estados mais violentos

  • Roraima - PCC x CV + FDN
  • Amapá - PCC x CV
  • Rio Grande do Norte - PCC x Sindicato do Crime
  • Pará - PCC x CV
  • Ceará - PCC x CV + GDE
  • Sergipe - PCC x Bonde do Maluco
  • Acre - PCC x CV
  • Alagoas - PCC x CV

Especialistas em segurança pública e criminalidade no Brasil entrevistados pelo UOL apontam que a guerra no Norte e Nordeste vai além da disputa por territórios nas cidades e envolve uma rentável rota do tráfico internacional de drogas.

Líder em violência homicida em 2018, com 66,6 mortes para cada 100 mil habitantes, Roraima tem a atuação de três grupos: CV, PCC e a amazonense FDN (Família do Norte). Também foi identificada uma célula de uma facção venezuelana. Além dos efeitos da migração em massa dos venezuelanos, o estado é uma rota de passagem do comércio internacional de entorpecentes.

"Com as oportunidades escassas, as pessoas cada vez mais se voltam ao crime. As facções lucram alto e estão em luta entre si aqui no estado por isso. São mortes que acontecem diariamente", afirma Edgard Vinícius Cacho Zanette, professor da UERR (Universidade Estadual de Roraima).

Mesmo caso de guerra entre três facções ocorre no Ceará, que, nos últimos anos, tem aparecido entre os cinco mais violentos do país. Lá, CV, PCC e GDE (Guardiões do Estado) travam uma feroz batalha. O estado se tornou um dos centros exportadores de droga, especialmente para a Europa, o que fez crescer interesse dos grupos criminosos.

Para o pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará) Luiz Paiva, a chegada das facções mudou a forma como se organizava o crime local. Antes, a criminalidade se baseava em rivalidade regional e vingança de traficantes locais. "Com as facções, essa dinâmica mudou, ampliando as possibilidades de letalidade, sobretudo nos anos de 2017 e 2018", diz.

"Eles começaram a criar uma lógica no estado que já não considerava só o conflito dentro do território, ou dentro do bairro popular, mas um conflito que, de certa maneira, envolvia todo o estado e todas as pessoas que faziam o crime. E isso responde a um sistema não só para o Ceará, mas para todos os estados", complementou o especialista.

o Pará tem outra peculiaridade: a presença de milícias. "Temos uma presença intensa de milícias que atuam em confronto com essas organizações criminosas, ou seja, tanto com o PCC quanto com o CV", afirma Armando Brasil, promotor militar do Pará.

"Caso o PCC e os outros grupos que disputam o território paraense decidam parar de confrontar, o número de casos violentos pode diminuir no estado. Inclusive, desde o evento que ocorreu em Altamira, com presos mortos em um massacre, os presídios paraenses estão sob intervenção federal. Com isso, esse tipo de ocorrência diminuiu consideravelmente", completa.

Dinâmica do PCC influencia índices de homicídios

Para Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), o PCC é um grupo em busca do monopólio das drogas e, quando consegue, não se interessa em usar violência. "Isso leva muitos a acreditarem que é melhor estar sob o julgo da facção do que confiar no estado. Porém, na guerra por rotas e territórios, ele é um grupo criminoso como outro qualquer e não se incomoda de impor sua força para ganhar hegemonia. O PCC pode ser tão violento quanto qualquer outro grupo", diz.

A diretora-executiva do fórum, Samira Bueno, aponta dois elementos importantes nessa disputa. O primeiro é que os estados dessas disputas estão sempre no Norte ou Nordeste. O segundo é que o conflito "evidentemente se traduz em mais mortes". "Então, para além das demais dinâmicas que impulsionam a letalidade violenta (conflitos interpessoais, violência doméstica, dentre outros), estes estados se viram obrigados a lidar com dinâmicas específicas do crime organizado", afirma.

Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), diz acreditar em um ligação direta entre as prisões e o mundo externo. "Quando há tensão nos presídios, por causa das facções, a tendência é que esses crimes aumentem", diz, citando que é preciso analisar a história da criminalidade no Brasil.

"Nos anos 1980 e 1990, São Paulo e Rio de Janeiro eram os estados mais violentos. O PCC começou a se articular dentro das prisões paulistas e investir no tráfico de drogas no começo dos anos 2000. Esse estilo de gangue prisional começou a se replicar nos outros estados e espalhou esse 'modelo de negócios' para o resto do Brasil. Com isso, todos os estados começaram a ter facções. PCC e CV rompem e explode o número de homicídios", afirma, citando o que chama de "guerra fria" dentro dos presídios" em 2017.

"Isso provocou uma série de tensões sempre ligadas às facções. O efeito dominó não aconteceu. Parou em janeiro porque as facções não querem custo, querem continuar vendendo droga sem guerra", complementa o especialista.

Já Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, assegura que a hipótese da pacificação por meio das facções é um dos fatores que estão sendo estudados para a redução das mortes violentas em geral. "Tirando Alagoas e Ceará, os outros estados não tiveram uma política pacificadora. A disputa das facções pode ter relação. Mas é necessário se debruçar um pouco mais sobre esses estados para tentar entender isso melhor", afirma.

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