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Como o inglês ultrapassou o alemão e virou a língua 'universal' da ciência

Um idioma comum é fundamental para projetos coletivos - Getty Images
Um idioma comum é fundamental para projetos coletivos Imagem: Getty Images

08/09/2019 21h35

Quem quer seguir carreira na ciência, mas não sabe inglês, enfrenta sérios obstáculos; entenda como o idioma dominou a literatura científica ao longo da história e quais riscos ele corre atualmente

Hoje, qualquer pessoa que queira se dedicar à ciência precisa falar inglês.

A língua se tornou uma espécie de idioma universal na academia e permite que pesquisadores de todas as partes do mundo possam compartilhar ideias, descobertas e opiniões.

Mas nem sempre foi assim.

Muitos textos científicos importantes publicados há um século ou mais estão escritos em alemão, russo, japonês ou chinês, entre outros idiomas.

Quem tem por volta de 50 anos deve se lembrar como, em sua época de estudante, os professores recomendavam que se aprendesse alemão.

Mas quando o inglês se transformou no idioma da ciência por excelência? E o que permitiu essa mudança?

Boicote

Como explicou à BBC Michael Gordin, historiador da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, "até os anos 1950, o inglês representava cerca de 50% dos textos publicados em ciências naturais. A Rússia ocupava o segundo lugar, com cerca de 20%".

"Mas foi nos anos 1970 que o inglês despontou como idioma da ciência e que se percebeu um encolhimento dos textos em russo, francês e chinês até o ponto em que, hoje, mais de 90% das publicações de elite em ciências naturais estão em inglês", diz.

Desde 1880 - data a partir da qual há dados confiáveis disponíveis -, quando se analisa publicações científicas, percebe-se que cerca de um terço das publicações era em inglês, um terço em francês e outro em alemão.

Mas este equilibrio "começou a se desestabilizar no início do século XX, quando se nota uma queda no francês, um crescimento leve do inglês e uma rápida expansão do alemão", diz Gordin.

"Se eu tivesse dito em 1900 que haveria uma única língua para a ciência no ano 2000, as pessoas teriam inicialmente dado risada, e depois apostariam que este idioma seria o alemão", diz o historiador.

"A pergunta agora não é tanto o que aconteceu com o inglês, mas o que houve com o alemão", continua. "O alemão sofreu uma série de transfomações descritas como catastróficas em relação à sua posição na ciência. Elas começam na Primeira Guerra Mundial em meio ao poderosos antagonismos nacionalistas que surgem na época (...) e ao boicote iniciado pelos franceses, belgas, americanos e britânicos contra os acadêmicos alemães e austríacos."

Isso, continua o historiador, significou um duro golpe para os alemães. E, quando a Alemanha começava a se recuperar, o nazismo se estabeleceu em 1933.

O alemão perde seu lugar

A chegada dos nazistas teve um efeito duplo.

Por um lado, muitos cientistas, sobretudo físicos (na maioria judeus, socialistas ou estudiosos que por outros motivos não quiseram continuarr ali) emigraram da Alemanha.

"Isso significou que muitos cientistas que eram a elite da elite foram para o Reino Unido ou os Estados Unidos e por isso acabaram adotando o inglês", comenta Gordin.

Mas também contribuiram com o declínio alemão na ciência as restrições impostas pelo regime nazista na emissão de vistos. Como era mais difícil entrar, menos estudantes chegaram ao país.

Todos esses fatores fizeram com que se "quebrassem uma série de redes interconectadas entre os acadêmicos, que acabaram se reconstruindo depois da Segunda Guerra Mundial, desta vez centralizadas em Nova York, São Francisco, Boston, Princeton, e não nos aredores de Frankfurt, Colonia ou Viena", diz o historiador.

Desvantagens

Uma língua comum facilita, sem dúvida, a comunicação entre cientistas de países distintos. Mas também tem suas desvantagens.

"Por um lado, perde-se a riqueza do registros da fala nativa", diz Gordin, em referência à necessidade de simplificar a língua para facilitar e agilizar a comunicação, o que também permite que a escrita seja mais fácil para não-nativos.

Por outro lado, há muitas pessoas no mundo com um potencial imenso estudando ciências, mas elas acabam ficando à margem da carreira graças a dificuldades idiomáticas.

"A medida que avançam em seus campos, o ingês se torna mais importante: os cientistas precisam dele para entender textos avançados e para participar de conferências. E, em um certo momento, alguém que pode ser muito talentoso no âmbito da ciência pode ter que abandonar a carreira porque não tem o mesmo talento do ponto de vista linguístico", diz o historiador.

Português no futuro?

Assim como o alemão ou o francês perderam seu lugar de destaque na ciência, o inglês também não tem um reinado garantido.

Segundo Gordin, em um futuro próximo, é difícil imaginar que outro idioma roube o lugar do inglês.

"Mas, a longo prazo, a tendência da história é sempre a mudança", diz.

"Não acho que o inglês será substituído por um único idioma nos próximos 150 anos, mas é mais possível que voltemos ao modelo do século 19, no qual haviam três idiomas principais", afirma o historiador.

"E, entre os idiomas que posso imaginar, vejo ainda o inglês, junto ao mandarim e talvez o espanhol ou o português."


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