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'Quero que lojas parem de faturar com minha foto que virou meme'

Vinícius Lemos - De Cuiabá para a BBC News Brasil

22/08/2019 15h37

Imagem da carioca Fabiana Santoro quando criança viralizou na internet em 2015 e hoje está sendo usada como estampa de roupas.

Quando tinha dez anos, a carioca Fabiana Santoro posou para uma fotografia durante uma viagem em família a Disneylândia, em Orlando (EUA). Na imagem, feita por seu pai em 2010, ela aparece altiva com uma taça de champanhe na mão direita.

Hoje, a mesma foto é conhecida em vários países.

"Meu pai tinha alugado uma limusine para levar a gente ao hotel e pediu para eu fazer poses para fotos. Sempre fui uma criança alegre e brincalhona, por isso fiz várias poses", diz a jovem de 19 anos à BBC News Brasil.

Em 2015, ela publicou a fotografia em seu Twitter.

"Muitas pessoas estavam postando fotos da infância, achei essa engraçada e compartilhei", conta.

Rapidamente, a postagem viralizou.

"De repente, vários lugares estavam compartilhando a imagem", Fabiana diz. Ela havia se tornado um meme.

Fabiana conta que não se incomodou com os compartilhamentos.

"Achei engraçado o fato de as pessoas publicarem minha foto. Vi alguns comentários maldosos sobre minha aparência, mas ignorei. Ter me tornado meme não foi algo que me prejudicou, porque não me ridicularizaram por isso."

Uso comercial do meme

A brincadeira virou preocupação quase quatro anos depois, quando Fabiana descobriu que lojas virtuais, em sua maioria nos Estados Unidos, estavam comercializando blusas com sua foto.

O uso da imagem de alguém sem autorização é considerado um ato ilícito, segundo o Código Civil brasileiro.

"Todos têm direito de imagem. Ninguém pode usar a imagem alheia sem autorização", explica o advogado Marcelo Crespo, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Digital.

"Estar na internet não faz com que a imagem seja de domínio público e não diminui em nada a proteção legal. Nem uma loja nem ninguém pode pegar a imagem de alguém, ainda que seja um meme, e torná-la um produto, tirando proveito econômico disso", acrescenta Crespo.

Revoltada com a situação, Fabiana decidiu processar as empresas.

"Nunca me importei com as pessoas usarem minha foto como meme. Mas quando vi que estavam ganhando dinheiro com ela, isso me incomodou muito", diz.

A fotografia

Fabiana publicou a fotografia em outubro de 2015. Desde então, a imagem repercute nas redes.

"Já até me reconheceram na rua", diz.

Ela faz um esclarecimento que considera importante: não consumiu o champanhe que estava na taça. "Era de um dos adultos que estavam perto. Peguei só para fazer pose", lembra.

Ela se surpreendeu ao descobrir que o registro também havia viralizado em outros países.

"Fiquei assustada quando vi estrangeiros usando o meme. Tomou uma proporção que pensei que não fosse tomar, mas achei maneiro", diz.

A foto de Fabiana é usada como sinônimo de ostentação.

"É como, por exemplo, quando você entra no ônibus e consegue sentar ao lado da janela. É como se fosse um momento de glória", explica.

As vendas

O que incomodou Fabiana foi descobrir que lojas estavam vendendo camisetas com sua foto.

Na estampa, a imagem da jovem é acompanhada por frases em inglês que dão a entender que na taça contém um "stupid bitch juice" ("suco de vadias estúpidas", em tradução literal) que a garota estaria tomando.

"Além de ficar incomodada por estarem lucrando com minha imagem, não gostei da frase que colocaram, porque é desrespeitosa."

A estudante chegou a procurar a primeira loja que descobriu estar comercializando as peças.

"É uma empresa dos Estados Unidos. Mandei mensagem pedindo que retirassem a roupa com minha foto, mas não me responderam."

Depois, a jovem soube que uma loja brasileira e outras americanas também estavam comercializando as camisetas. Então, decidiu recorrer à Justiça.

Fabiana, que é estudante de um curso pré-vestibular no Rio de Janeiro (RJ), teve o apoio de colegas de turma.

"Eles me incentivaram a procurar a Justiça com urgência e me convenceram de que seria a melhor saída", diz.

"A princípio, quando vi a primeira loja, decidi esperar passar o período pré-vestibular, para que pudesse tomar as medidas cabíveis. Mas quando vi que várias lojas estavam vendendo a blusa, percebi que deveria buscar meus direitos o quanto antes."

Até o momento, Fabiana já identificou cinco lojas que comercializam a peça. No Brasil, descobriu apenas uma.

"Entrei em contato com a dona dessa loja, ela pediu desculpas e deixou de vender a roupa", conta.

Em entrevista à BBC News Brasil, a dona da loja brasileira, que pediu para não ser identificada, afirmou que a blusa ficou poucas horas disponível em seu site e que deixou de vender o produto logo depois de falar com Fabiana.

"Vi a blusa sendo vendida na internet há alguns dias e colocamos à venda. Não imaginava que era de uma pessoa comum, que não era famosa. Pensei que fosse de uma atriz. Entendi a gravidade da situação, retirei a blusa e isso não voltará a acontecer", disse a proprietária da loja.

Medidas judiciais

Há uma semana, Fabiana deu início aos trâmites para processar as empresas nos Estados Unidos - ela explica que não planeja acionar a loja brasileira.

Conforme a Código Civil brasileiro, uma pessoa que teve a imagem usada e comercializada sem autorização pode recorrer à Justiça para cobrar indenização e impedir que continuem utilizando sua fotografia. Os direitos de imagem também são assegurados em outros países.

Por envolver empreendimentos estrangeiros, a defesa de Fabiana pode ajuizar uma ação no Brasil e tentar notificar os representantes dos estabelecimentos ou propor uma ação no país de origem da empresa.

O advogado João Victor Priess, que representa Fabiana, relata que está analisando como irá proceder. Ele acredita que, independentemente de como o processo for conduzido, será possível comprovar que houve irregularidade na comercialização das peças estampadas com o rosto da jovem.

"Ninguém pode usar a imagem de uma pessoa assim, mesmo que tenha viralizado. Estão lucrando em cima de uma foto sem ter autorização. Por isso, há grandes chances de êxito na causa", afirma.

Segundo Priess, caso sejam descobertas mais empresas que comercializaram esses itens, elas também serão processadas.

Enquanto aguarda o desenrolar do processo, Fabiana quer, ela mesma, comercializar blusas com a foto que virou meme.

"Muita gente me pediu isso, então penso em vender", diz.

Ela conta que planeja ajudar causas sociais com parte dos recursos da venda das camisetas e do valor que poderá receber da Justiça, caso ganhe a ação.


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