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Atitudes de Bolsonaro podem prejudicar relações econômicas com a Alemanha?

Chanceler alemã, Angela Merkel - Brendan Smialowski / AFP
Chanceler alemã, Angela Merkel Imagem: Brendan Smialowski / AFP

Por Cristian Edel Weiss

21/08/2019 12h02

Há exatamente dez anos, Brasil e Alemanha comemoravam o fortalecimento de suas relações comerciais. O comércio entre os dois países havia mais que dobrado entre 1998 e 2008, passando de 8,4 bilhões de euros para 18 bilhões de euros. Uma década depois, o comércio entre os dos dois países caiu para 16,9 bilhões de euros, segundo o Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis), e há temores de que atritos diplomáticos respinguem nas relações econômicas.

No início de agosto, o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha anunciou que suspenderia a doação de 35 milhões de euros (cerca de 157 milhões de reais) destinados a financiar projetos de proteção à Amazônia. Em tom de desprezo, Bolsonaro respondeu que "a Alemanha não vai mais comprar a Amazônia" e disse à chanceler federal alemã, Angela Merkel: "pegue essa grana e refloreste" o seu próprio país.

Os alemães também mostraram contrariedade com as mudanças unilaterais promovidas pelo governo Bolsonaro na gestão do Fundo Amazônia, programa bilionário de conservação da floresta cujo financiamento é bancado majoritariamente pela Alemanha e Noruega. A embaixada alemã em Brasília já admitiu que o impasse pode provocar o fim do fundo. Os noruegueses cancelaram novos aportes.

Especialistas ouvidos pela DW Brasil afirmam que os atritos diplomáticos tendem a gerar efeitos econômicos no médio prazo. Na avaliação de Oliver Stunkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, a postura do governo brasileiro gera o risco de isolar o país no cenário internacional, com consequências em várias outras áreas.

"O Fundo Amazônia é um dos pilares dessa relação, e agora ele caiu. É indício de que pode haver redução de pontos de diálogo. Tenho dúvidas de quantas vezes ainda terá diálogo em áreas como ciência e tecnologia. Vejo que o país passará por um momento bem difícil", opina Stunkel.

Segundo especialistas, no médio prazo podem ser afetados tantoo acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia quanto a entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Assinado em junho, o acordo União Europeia-Mercosul aguarda ratificação dos parlamentos dos países-membros dos blocos.

Betina Sachsse, gerente para o Brasil da Lateinamerika Verein, associação de empresas alemãs com foco na América Latina, pontua que França, Irlanda e Hungria são alguns dos países onde a agricultura é forte e cujos setores temem ser prejudicados em benefício dos produtores sul-americanos. Os tropeços do Brasil na área ambiental podem servir de argumento político para postergar ou não ratificar o acordo.

Já no caso da candidatura à OCDE, o avanço do desmatamento na Amazônia e o aparente descaso do governo brasileiro podem ser enxergados pelos países desenvolvidos como falta de disposição em cumprir o Acordo de Paris, firmado em 2015 para redução de gases do efeito estufa.

"As duas grandes potências da União Europeia, França e Alemanha, têm uma compreensão muito forte de meio ambiente, e pode ser que mercados sejam fechados ao agronegócio brasileiro. Mas entendo que ainda há margem para que isso seja atenuado. Até agora, me parece que são tensões que estão no campo da retórica", analisa Luiz Felipe Brandão Osório, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que pesquisa a relação econômica de Brasil e Alemanha nos séculos 20 e 21.

Para a Alemanha, afirma Sachsse, política e economia costumam andar separadas, e por isso, ruídos no campo diplomático não apresentam impactos imediatos nas relações comerciais. Mas ela pondera que é preciso observar com cautela se o alvo das declarações do Bolsonaro tem sido apenas o meio ambiente ou se elas soam como indícios a outras áreas, como direitos humanos, o que pode afetar a imagem das empresas alemãs que operam no Brasil.

Em 2016, o governo alemão adotou o Plano de Ação Nacional para Implementação dos Princípios das Nações Unidas para as Empresas e os Direitos Humanos (NAP, na sigla em alemão), com diretrizes para orientar as empresas do país a respeitarem os direitos humanos e o meio ambiente em toda a cadeia produtiva. Aderir ao plano, por enquanto, é um ato voluntário, mas Sachsse afirma que deve se tornar obrigatório. Nesse caso, empresas alemãs com negócios no Brasil poderiam sofrer penalizações caso se relacionassem com fornecedores brasileiros que descumpram essas diretrizes.

Balança comercial e relações esfriaram há cinco anos

Os laços econômicos entre Brasil e Alemanha viveram três ciclos distintos nos últimos 100 anos, afirma o professor Osório. No primeiro estágio, nos anos 1930, houve aproximação entre os dois países para fortalecer a industrialização brasileira. Na década de 1970, a Alemanha cooperou em programas, como a implantação das usinas nucleares de Angra dos Reis. No terceiro ciclo, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o contato entre os dois países foi mais intenso, com parcerias firmadas nos campos científico, tecnológico e ambiental.

A balança comercial brasileira viu impactos reais dessa costura de relações, conforme dados do Ministério da Economia. Após picos de transações em 2011 e 2013, quando importações e exportações entre Brasil e Alemanha atingiram seu melhor momento, o desempenho se retraiu gradativamente. As exportações brasileiras foram as mais afetadas, mesmo com os produtos nacionais se tornando competitivos com a desvalorização do real diante do dólar, o que costuma favorecer a exportação.

A venda de produtos brasileiros para a Alemanha encolheu de 8,8 bilhões de dólares em 2008 para 5,2 bilhões em 2018. A parceria entre os dois países representou a terceira maior perda em valores totais para o Brasil, atrás somente do comércio com Argentina e Venezuela. Corrigido pelo índice de inflação do dólar entre 2008 e 2018, o saldo negativo de um ano para o outro é equivalente hoje a 5,3 bilhões de dólares.

Já a importação de produtos alemães caiu de 12 bilhões de dólares para 10 bilhões de dólares no período, com um saldo negativo de 3,8 bilhões de dólares, corrigidos pela inflação do dólar, entre 2008 e 2018.

Empresas alemãs à espera de reformas

Ainda assim, a Alemanha segue sendo o quarto principal parceiro comercial do Brasil, atrás da China, dos Estados Unidos e da Argentina, segundo o Ministério da Economia.

Já do lado alemão, o Brasil é atualmente o 29º no ranking comercial e perdeu para o México a liderança entre os latino-americanos que detinha em 2008, quando se posicionava em 21º no ranking geral dos parceiros econômicos.

Para Sachsse, da Lateinamerika Verein, além da instabilidade brasileira nos últimos anos, entre as razões para a perda de espaço no comércio com a Alemanha está o crescimento da China, que ampliou a participação tanto no mercado alemão quanto no brasileiro.

Mas conforme a instituição, o Brasil segue atrativo para as empresas alemãs, principalmente para o segmento da saúde, como remédios e equipamentos médicos, cuja demanda pública e privada segue em alta.

"Se esquecer as discussões políticas e observar os números da economia, está todo mundo em posição de espera", diz Sachsse. Diversas companhias demonstram interesse em investir no país, como as do setor automobilístico, mas aguardam a agenda de reformas, como a da previdência e a tributária, e melhora nos indicadores econômicos, pontua.

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