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Sudeste será região mais afetada por desmate da Amazônia, diz líder do IPCC

Fábio Nascimento/Greenpeace
Imagem: Fábio Nascimento/Greenpeace
do UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

18/08/2019 04h00

No final de 2016, Humberto Barbosa, doutor em ciências do solo e sensoriamento remoto pela Universidade do Arizona, se candidatou para o processo de escolha de pesquisadores que produziriam um novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU (Organização das Nações Unidas), sobre os impactos do solo.

"Candidatei-me sem muita intenção, só para entender como era o processo do IPCC. Não tinha ainda o conhecimento, ma acabei selecionado pelo currículo", conta o professor e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

Em entrevista ao UOL, Barbosa disse que o mundo está atento aos posicionamentos do Brasil no que se refere ao meio ambiente e alerta que o Sudeste brasileiro será a região mais afetada caso avance o desmatamento na Amazônia.

Diz também que o semiárido nacional é o local com maior vulnerabilidade do planeta às mudanças globais e defende maior investimento em ciência por parte do governo federal. "Só com mais recursos podemos responder a tudo isso", afirma.

Segundo estudo do instituto de pesquisa Imazon divulgado na sexta (16), houve um crescimento de 66% no desmatamento na Amazônia Legal no mês de julho de 2019, em comparação com o mesmo período no ano passado. No mês passado, foi detectado o desmatamento de 1.287 km² na região --uma área que equivale à do município do Rio de Janeiro.

Em outro levantamento, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o índice de desmatamento foi bem maior: 278% no mês de julho.

Barbosa liderou o capítulo 4, que aborda a questão da degradação da terra, e assinou o sumário executivo do relatório. Apesar de ter outros autores brasileiros, foi a primeira vez que um brasileiro liderou um capítulo de um relatório do IPCC. O documento foi concluído e divulgado no último dia 8, após encontro de cientistas e delegados dos países em Genebra, na Suíça. Dos 195 países que compõem o painel, 52 estavam em Genebra.

Humberto Barbosa - Divulgaão - Divulgaão
O pesquisador Humberto Barbosa
Imagem: Divulgaão

O documento liderado pelo brasileiro faz parte de uma trinca de relatórios produzidos para embasar e apoiar o Acordo de Paris. O primeiro deles apontou uma alta 1,5º C no aquecimento do planeta. O segundo foi aquele do qual Barbosa participou, sobre clima e terra.

"Pela primeira vez se teve uma resposta sobre as emissões da superfície terrestre. O que esse relatório traz de novo é que as mudanças climáticas estão pressionando a superfície, ao mesmo tempo em que a superfície está pressionando as mudanças climáticas do ar", diz.

O terceiro documento é sobre oceano e criosfera (regiões da superfície cobertas permanentemente por gelo e neve).

Entre as conclusões do dossiê, modelos estudados apontaram que, enquanto a temperatura global do ar teria aquecido 1º C, a superfície teria se aquecido o dobro. "Os delegados questionaram [a informação] porque seria dizer que a terra está aquecendo mais rápido. A informação foi colocada, mas de forma sutil --sem citar os quase 2º C de aquecimento. Mas está constatado [que a terra esquenta mais que o ar]", afirma.

Sobre a meta do Acordo de Paris --de zerar as emissões de CO2 até 2050--, ele é cético: "Acho muito difícil". "A intensificação da agricultura não sustentável globalmente, assim como o aumento da população, tornam essa meta quase inalcançável."

Confira cinco destaques da entrevista.

Sudeste afetado pelo desmate da Amazônia

"As florestas tropicais têm um papel de muita importância. A Amazônia é a que tem a maior integridade, com as áreas mais preservadas. Não é só no Brasil, mas a região amazônica tem um impacto muito grande no planeta --que não está preparado ainda para esse corte. O mundo está de olho, há um interesse muito grande na Amazônia, não só com a pressão internacional, mas [um olhar] de como o Brasil está tratando essa questão ecológica e do desmatamento. Todos os modelos são unânimes e mostram que, quando se afeta essa vegetação, afeta o clima do planeta.

Amazonia 1 - Nelson Feitosa/Ibama/Reuters - Nelson Feitosa/Ibama/Reuters
Área da Amazônia desmatada em Novo Progresso, no Pará
Imagem: Nelson Feitosa/Ibama/Reuters

A região Sudeste do Brasil seria a mais afetada porque há uma relação pelo transporte da umidade, pela evapotranspiração da floresta para a região. Há ventos da cordilheira dos Andes que arrastam essa umidade para a região centro-sul, que poderia ter secas. E isso preocupa porque lá tem todo um cinturão do agronegócio, do biocombustível."

Bioenergia pode gerar problema no futuro

"A bioenergia tem um papel muito importante. Em abril, o Brasil nos procurou para falar sobre a primeira versão do documento, apontando que havia um papel negativo nas emissões previstas do biocombustível. Pela primeira vez havia uma menção colocando o biocombustível como um setor que poderia ter impacto negativo nas emissões.

O governo brasileiro ficou muito preocupado e, em abril, mandou pesquisadores, com o Itamaraty e o Ministério da Ciência e Tecnologia, para debater como esse relatório poderia ser alterado, com base científica. E houve uma mudança radical. O modelo não separava o bioetanol de outros biocombustíveis, e isso gerou uma insegurança nos modelos propostos. Então o IPCC trabalha em dois cenários: um positivo e outro negativo. Mas qual o grande problema?

Hoje, para você produzir um litro de bioetanol, precisa de dez litros de água. Isso não foi colocado como ponto crucial pelo IPCC --digo aqui olhando como pesquisador. Se você olhar que quase todos os modelos colocam para o Brasil como líder nessa matriz, como você vai colocar o bioetanol a longo prazo como mitigador?

Se introduzo mais bioetanol na gasolina, eu reduzo emissões, mas, ao mesmo tempo, entro em uma questão perigosa. Nossa política é muito clara: na escassez hídrica, a produção de alimentos, as monoculturas, não têm prioridade no uso dessa água. Teríamos problemas em escassez."

A região mais vulnerável

"O relatório não entra em detalhes de países, mas sabemos que o semiárido está em um nível de desmatamento, de degradação e de desertificação muito intenso, a ponto de ser a área mais suscetível, mais ameaçada do mundo. Além da literatura já registrada, leva-se em conta isso do ponto de vista meteorológico, botânico, hídrico, ecológico e socioeconômico.

Ela é extremamente vulnerável e por quê? É uma região de terras secas com maior número de população morando, comparada a outras regiões secas. A seca [2012-2017] aumentou um pouco, mas o maior causador é o homem, é o desmatamento.

O desmatamento no semiárido é muito alto, mas não sabemos exatamente quanto, porque as metodologias usadas não são precisas. Se você perguntar para o governo brasileiro qual é o desmatamento do semiárido, ele não sabe. E você tem uma vegetação que, além de ser única, tem um código genético que está se perdendo na biodiversidade. Esse código permite entender como uma vegetação tem tanta resiliência com as variações do clima.

Isso ainda se entende pouco para saber como ela pode auxiliar outros produtos cultiváveis."

Brasil na contramão

"Como se olha a capacidade que um país reage a questão ambiental? Primeiro, aumentando os investimentos na área de educação, de pesquisa. Você traz toda uma facilidade de recursos e de informação para a área científica. Outra questão é a fiscalização que aumenta com mais gente. O Brasil está no contrário disso. O presidente do IPCC meio que cutucou, em entrevista no dia 8. Tudo o que está sendo apontado no relatório o Brasil está na contramão.

Hoje os investimentos estão muito abaixo do que um país com a dimensão do Brasil precisaria. As universidades vivem um dos piores momentos em termos de recursos, de capital, custeio, para manter os laboratórios. Hoje o meu laboratório só continua funcionando porque tem recursos internacionais. Se dependesse de recursos brasileiros para manter minha pesquisa, não conseguiria manter equipamentos, nem as equipes. Soma-se a tudo isso as unidades de pesquisas, como o Inpe, e a comunidade científica como um todo."

Investir para avançar

"O Brasil vai ter que investir mais em formação de excelência em áreas estratégicas para o país. Precisa definir isso, não temos com clareza essas áreas. Independentemente do governo atual ou dos que estão para vir, precisamos de maior estratégia. Precisamos direcionar os recursos para colocar o Brasil em nível de competitividade com outros países. Publicamos muito [artigos científicos], mas não em qualidade de alto nível, não gera muito em áreas estratégicas de desenvolvimento. A gente produz muito, mas é muito pouco impactante na ciência global. E isso limita muito o país. É um alerta não só para o governo, mas para a nação.

O Brasil precisa muito entender que a ciência é decisiva. Nas negociações entre essas nações, tem um componente político e outro científico. Não tem como ter uma cisão política sem ter por trás uma tecnologia, uma ciência que te dê sustentação política. E o Brasil deixa muito a desejar em áreas da ciência. Só estamos piorando, porque os investimentos, a longo prazo, não estão aumentando, e muitos cientistas estão indo embora por falta de estrutura."

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