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Jaú, a cidade mais segura de um Brasil cada vez mais violento

17/08/2019 15h21

Carlos Meneses Sánchez.

Jaú (SP), 17 ago (EFE).- Apenas três mortes violentas nos oito primeiros meses de 2019, mas não se trata do índice de criminalidade de um país europeu. Os números correspondem a Jaú, a cidade mais segura de um Brasil já acostumado a contar os homicídios por milhares, a perder jovens em tiroteios e a ver brigas sangrentas nas penitenciárias.

A cidade é um "oásis" de paz no interior do estado de São Paulo, com uma taxa de 2,7 homicídios por cada 100 mil habitantes, quase 12 vezes menos que a média do Brasil (31,6) e inclusive mais baixa que a de alguns países europeus, como Letônia (4,1) e Lituânia (4,5).

Jaú também é conhecida pela próspera indústria do calçado, que junto com a da cana de açúcar e o comércio emprega boa parte das 150 mil pessoas que vivem neste município de ruas limpas e ambiente agradável.

"Não tenho nenhum medo de estar aqui. Aqui há paz", comentou Ticiane da Silva, de 40 anos, enquanto vê cair o sol sentada no banco de uma praça junto com a filha pequena.

Muitos dos moradores caminham com os celulares nas mãos, sem a preocupação de olhar para trás, uma cena quase impensável na maioria das cidades brasileiras. Alguns deles nem sequer sabem com exatidão onde fica a delegacia mais próxima.

De acordo com o Atlas da Violência 2019 - relatório elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) -, divulgado na semana passada, Jaú só teve quatro homicídios em 2017.

Por outro lado, Maracanaú, no Ceará, foi a cidade mais violenta, com quase 330 assassinatos e uma taxa de 145,7 homicídios por cada 100 mil habitantes.

Em 2017, 65.602 homicídios foram registrados em todo o Brasil, um recorde marcado pela guerra entre facções criminosas dentro e fora dos presídios. Mas a realidade é radicalmente diferente em Jaú, onde há um clima geral de sossego.

"O crime mais comum é o furto", explicou Fernando Henrique Perpétuo Pauli, capitão da Polícia Militar e comandante do policiamento em Jaú.

Das três mortes violentas registradas neste ano, a última ocorreu no sábado passado, na zona rural da cidade.

"Foi um desencontro entre parentes. Um cunhado esfaqueou o outro cunhado, que acabou morrendo", relatou o policial.

Outro caso ocorreu em legítima defesa durante uma tentativa de assalto fracassada a uma residência. O mais chocante até o momento foi um homicídio após roubo, "mas os autores foram identificados, estão presos e agora esperam o julgamento", disse o capitão.

Esse é outro dos fatores que deixam os habitantes mais tranquilos: assassinato cometido, assassinato resolvido.

"Nossos índices de esclarecimento são muito altos, chegam perto de 100%, o que também inibe a realização deste tipo de crime. O indivíduo sabe que tem grandes chances de ser identificado, preso e condenado", contou Euclides Francisco Salviato Junior, delegado da Polícia Civil em Jaú há quase três décadas.

Na praça da República, Isaac Liberato, de 65 anos, vende churros e algodão doce com um carrinho há 20 anos. Ele saiu de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, devido à falta de segurança e acabou criando raízes em Jaú, onde já tem até uma bisneta.

"Ando aqui durante a noite, a qualquer hora", um privilégio quase exclusivo para uma cidade brasileira com mais de 100 mil habitantes.

Silvio Rosati é nascido e criado neste município paulista. Trabalhou toda a vida como funcionário de um banco e, aos 78 anos, não se lembra de nenhum episódio "grave" ou "tiroteios" na cidade.

Outra explicação para o sucesso de Jaú em matéria de segurança é a melhoria progressiva dos indicadores de desenvolvimento humano, uma tendência que tem se mantido com diferentes governos desde a década de 90.

Atualmente, apenas 6% das crianças vivem em condições de pobreza, enquanto a média nas cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes é de 16,4. Praticamente todos os moradores estão conectados à rede de saneamento básico; e apenas 4% dos jovens não estuda nem trabalha (a média nacional é 9,1%), segundo o Atlas da Violência 2019.

"Não é só uma questão de estar com a polícia na rua, também é uma questão de estar proporcionando oportunidades às crianças, para que estejam menos na rua", declarou o prefeito de Jaú, Rafael Agostini (PSB), de 39 anos, que destacou a importância do trabalho integrado de todas as esferas do poder.

Ao longo dos oito anos de mandato, que terminarão no ano que vem, o prefeito optou por aumentar os horários das escolas, abrir centros de convivência social e revitalizar lugares públicos.

Como contraponto ao presidente Jair Bolsonaro, que defende o armamento da população como fórmula para reduzir o número de homicídios, Agostini se declara "um adepto da tese que a violência gera mais violência".

"O exemplo de Jaú mostra que não é incentivando as pessoas a serem mais violentas, incentivando uma cultura da violência, que teremos resultados satisfatórios", frisou. EFE

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