Topo
Notícias

Esperança de Lula, suspeição de juiz é rara no Brasil, dizem especialistas

13.set.2017 - Ex-presidente Lula depõe ao juiz Sergio Moro em Curitiba - Reprodução
13.set.2017 - Ex-presidente Lula depõe ao juiz Sergio Moro em Curitiba
Imagem: Reprodução
do UOL

Vinicius Konchinski

Colaboração para UOL, em Curitiba

23/07/2019 04h00

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso há mais de um ano por corrupção no caso do tríplex do Guarujá, espera que o STF (Supremo Tribunal Federal) determine sua soltura no mês que vem. Os advogados do líder petista aguardam que a segunda turma da Corte julgue assim que ela voltar do recesso um pedido de habeas corpus no qual Lula pede a suspeição do juiz que o condenou, Sergio Moro, atual ministro da Justiça.

O julgamento do pedido deve ocorrer depois que conversas de Moro e de procuradores da Lava Jato foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil.

Segundo a defesa do ex-presidente, porém, o pedido de suspeição não se baseia nos diálogos apenas, mas sim em fatos que apontam que Moro "sempre revelou interesse na condução do processo [de Lula] e no seu desfecho". O agora ministro Moro não comenta casos em que atuou como juiz, de acordo com a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça. Moro já disse várias vezes que sempre julgou seus casos com imparcialidade e baseado nas provas.

Apesar da esperança de Lula, especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que é raro que o STF ou outras cortes superiores do país julguem que um juiz é suspeito ou parcial para atuar num processo.

29.nov.2018 ? O plenário do Supremo Tribunal Federal - Rosinei Coutinho/STF/29.nov.2018 - Rosinei Coutinho/STF/29.nov.2018
O plenário do Supremo Tribunal Federal
Imagem: Rosinei Coutinho/STF/29.nov.2018

Quando um juiz tem de se declarar suspeito

De acordo com advogados e professores ouvidos pelo UOL, seja pela dificuldade de provar a parcialidade de um magistrado ou até mesmo por conta do corporativismo de ministros e desembargadores, são excepcionais os casos em que uma decisão judicial é anulada por suspeitas acerca do juiz que a tomou.

Tanto no STF como no STJ (Superior Tribunal de Justiça), as duas instâncias máximas do Judiciário brasileiro, há dezenas de processos sobre a suspeição de juízes que servem como jurisprudência, ou seja, como referência para outros casos. São poucos, entretanto, nos quais réus que se sentiram prejudicados por um juiz supostamente parcial conseguiram reverter suas decisões.

"Realmente é muito difícil. É raro", confirmou o advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz, sobre o histórico de acolhimento pedidos de suspeição na Justiça brasileira. "Dificilmente um tribunal vai decidir que um juiz que não se declarou suspeito para julgar um processo realmente não deveria ter atuado no caso."

De acordo com a lei, um juiz é suspeito quando ele tem alguma relação com as partes do processo ou interesse na causa. Essa relação ou interesse comprometeriam sua imparcialidade para julgar o tema de forma justa. Por isso, a suspeição.

Pela lei, juízes têm o dever de se declarar suspeitos sempre que se deparam com um caso em que sua imparcialidade pode estar em xeque. Quando isso não acontece, as partes do processo podem pedir por meio de recursos que o juiz seja afastado do caso. Segundo levantamento do UOL, raramente o STF e o STJ dão razão aos reclamantes.

"Não conheço uma estatística nacional sobre decisões de pedidos de suspeição. Mas é muito raro por parte do Judiciário declarar um juiz suspeito", explicou o advogado e professor João Rafael de Oliveira, que dá aulas sobre Direito do Processo Penal e, por isso, estuda a teoria e a prática dos casos de suspeição.

Dificuldade para provar suspeição de juiz

Oliveira diz que a que suspeição de um juiz é uma questão subjetiva, diferentemente do chamado impedimento. Um juiz é considerado impedido de julgar uma causa quando um filho ou cônjuge é parte do processo, por exemplo. As possibilidades do impedimento são listadas na legislação e sua comprovação é simples.

Já no caso da suspeição, o critério não é tão objetivo. "É preciso provar que uma determinada relação de amizade, ou até inimizade, é tão forte que compromete o julgamento", explicou Oliveira. "Agora, se o juiz não se declarou suspeito, não é fácil comprovar que ele tem, sim, interesse numa causa."

"É raro provar", complementou o advogado Gustavo Polido. "A não ser que seja o caso de um amigo ou inimigo declarado, um fato público, é difícil obter argumentos que comprovem a suspeição."

O advogado Anderson Lopes também aponta o corporativismo de magistrados como razão para as raras decisões a favor da suspeição.

Não apenas o STF como os demais tribunais brasileiros têm muita dificuldade de acolher um pedido dessa natureza, pois encaram isso como um demérito para o juiz apontado como suspeito."
Anderson Lopes. advogado

José Arthur Castillo de Macedo, professor de Direito Constitucional da IFPR (Instituto Federal do Paraná) e pesquisador da UFPR (Universidade Federal do Paraná), acrescenta que declarações de suspeição acabam constrangendo o juiz suspeito. Por isso, na prática, acabam sendo evitadas.

"Esse comportamento [dos tribunais] acaba colaborando para que juízes julguem processos em que o escritório do advogado de uma das partes emprega seu cônjuge, por exemplo", critica Macedo.

Existe uma cultura jurídica no Brasil que acaba dando margem para casos que não seriam possíveis em outros países."
José Arthur Castillo de Macedo, professor de Direito Constitucional da IFPR

"Imparcialidade é o mais importante", diz professor

O advogado e professor João Rafael de Oliveira afirma que a questão da suspeição de juízes deveria ser examinada mais a fundo no Judiciário. Para ele, só o fato de juízes aparentemente terem alguma relação com a parte ou interesse numa determinada causa já deveria ser levada em conta quando sua suspeição é discutida.

"A imparcialidade é o que há de mais importante na Justiça. A sociedade só aceita se submeter ao Judiciário pois confia que ele será capaz de fazer um julgamento imparcial", explicou. "Se há um juiz que não é considerado suspeito, mas aparenta ser, isso já é um motivo para que a sociedade desconfie do Judiciário."

Gustavo Polido ratifica e diz que a questão da suspeição deveria ser vista "com mais rigidez". Para ele, há um "claro desequilíbrio" na Justiça contra aqueles que reclamam da suspeição dos julgadores.

Defesa de Lula diz ter provas de suspeição

A defesa de Lula afirma ter provas "suficientes" para que o então juiz Sergio Moro seja declarado suspeito.

"Moro foi retratado na capa de duas revistas nacionais como oponente do ex-presidente Lula, refletindo um sentimento consolidado da sociedade de que ele é um adversário de Lula, o que é incompatível com a figura de um juiz imparcial", informou em nota o advogado Cristiano Zanin. "Reforça essa situação o fato de o ex-juiz ter aceitado participar de um governo antagônico a Lula, mostrando que suas ações sempre tiveram motivação política."

Segundo Zanin, embora não haja muitos precedentes no país reconhecendo a suspeição de juízes, "mesmo quando demonstrada a ausência de imparcialidade", Lula não vai abrir mão de exigir um julgamento "justo, imparcial e independente".

Suspeição no STF e na PGR

De acordo com as estatísticas do próprio STF, de 2010 a junho deste ano, 52 processos de arguição de suspeição foram abertos no tribunal para tentar afastar um ministro ou um membro da PGR (Procuradoria-Geral da República) de um julgamento. Em nenhum deles, houve decisão favorável ao reclamante. Em 15 casos, o presidente do Supremo negou monocraticamente o seguimento do processo sem nem mesmo julgá-lo

Julgamento de suspeição de ministro do STF ou da PGR

De 2010 a jun/2019: 52 processos

Agravo regimental não provido: 7
Determinado arquivamento: 2
Embargos rejeitados: 4
Extinto o processo: 4
Homologada a desistência: 3
Indeferido: 2
Não conhecido(s): 5
Negado seguimento: 15
Prejudicado: 7
Rejeitados: 3

Acolhidos: zero

Fonte: STF

Jurisprudência no STF e STJ

Confira dez processos julgados no STF e STJ que podem servir como referência para o julgamento de suspeição de magistrados:

Reunião com juiz não implica parcialidade
Um deputado preocupado com uma possível prisão em período eleitoral convidou o juiz de seu caso para uma reunião. O encontro ocorreu. Depois, o próprio deputado disse que o juiz era suspeito para julgar seu caso já que não poderia ter conversado com uma parte do processo fora do seu local de trabalho. Os argumentos do então deputado foram analisados pela segunda turma do STF em agosto de 2015. Por unanimidade, a turma negou o pedido de suspeição do juiz.
Número do processo: RHC 119892 / RR

Juiz acusado de "formular a denúncia"
Em maio de 1974, o STF julgou um pedido de habeas corpus vindo do já extinto Estado da Guanabara. No caso, os advogados de um réu alegavam que o juiz teria, ele mesmo, formulado a denúncia contra o suspeito, assumindo assim uma responsabilidade que é do Ministério Público. O STF negou o pedido. Afirmou que a alegação do réu era inverídica.
Número do processo: HC 51956 / GB

Juiz que aconselha parte é parcial
A terceira turma do STJ decidiu em 2003 que um juiz que aconselhou uma das partes de um processo é considerado suspeito. Naquele caso, o juiz suspeito viajou 120 quilômetros para aconselhar uma cidadã a não processar uma desembargadora do Mato Grosso, da qual ele era amigo, pois "isso não daria em nada". Mais tarde, este mesmo juiz acabou julgando o caso. A cidadã, então, achou seu julgamento parcial. O STJ concordou. "A turma proveu o recurso ao entendimento de que é motivo suficiente para ser reconhecida a suspeição de magistrado o fato de o mesmo ter aconselhado uma das partes", diz a jurisprudência da Corte.
Número do processo: REsp 307.045-MT

"Termos mais fortes" não indicam parcialidade
Em agosto de 2013, a quinta turma do STJ julgou um recurso especial de um condenado por fraudes em licitações públicas. Nele, o réu alegava que tinha tido sido julgado por um juiz parcial. Apresentou como prova da parcialidade trechos da sentença do juiz, que o chamava de "bandido travestido de empresário" e "delinquente de colarinho branco" ao julgá-lo. O relator do caso observou que os comentários não eram adequados. Contudo, disse que não eram suficientes para comprovar a suspeição. A turma concordou.
Número do processo: REsp 1.315.619-RJ

Voto de juiz suspeito não anula decisão colegiada
A sexta turma do STJ julgou em 2012 um habeas corpus para a paralisação de uma investigação que ocorria no Rio de Janeiro. A investigada já havia pedido a paralisação dessa investigação ao Tribunal de Justiça do Estado, sem sucesso. O órgão especial do tribunal reunira 24 desembargadores para analisar o caso. Um deles havia se declarado suspeito, mas participou do julgamento. A investigada, então, quis anular a decisão. O STJ entendeu que, como 22 desembargadores votaram contra a investigada, o voto do desembargador suspeito não teve influência. O pedido dela foi negado.
Número do processo: HC 227.263-RJ

Inimizade entre advogado e juiz não afeta o processo
A quarta turma do STJ analisou em maio de 2010 um recurso que incluía o pedido de suspeição de um desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que atende a São Paulo e Mato Grosso do Sul. O recorrente alegava que o desembargador tinha uma "inimizade" com seu advogado - teria até expulsado o defensor de uma sala de audiências, além de ter decidido inúmeras vezes contra ele. O STJ entendeu que o advogado não é parte de um processo. Ele só representa a parte. Por isso, sua inimizade com o desembargador não é motivo para declarar o julgador suspeito.
Número do processo: REsp 582.692-SP

Juiz suspeito, mas não agora
Em abril de 2010, a segunda seção do STJ julgou um recurso no qual uma operadora de telefonia pedia que um juiz fosse considerado suspeito para julgar um processo de um cliente contra a empresa. A companhia alegava que o juiz, pessoalmente, tinha aberto um processo idêntico ao do cliente da ação. Alegava também que o juiz processava a operadora por danos morais. O STJ reconheceu que o juiz era suspeito para julgar a operadora. Determinou, contudo, que sua imparcialidade fosse reconhecida a partir do julgamento do recurso no STJ. Ou seja, todas as decisões desse juiz tomadas contra a operadora seguiriam válidas. Já em processos futuros envolvendo a empresa, o juiz não deveria mais atuar.
Número do processo: REsp 1.165.623-RS

Emprego e clientela não influenciam
Um advogado acusado de ter se apropriado de valores pagos a seus clientes recorreu ao STF para tentar reverter a aceitação da denúncia contra ele. Argumentou que a juíza que aceitou a acusação tinha sido sua cliente. Afirmou que a esposa do juiz substituto da vara tinha trabalhado em seu escritório. Tanto a juíza quanto seu substituto alegaram estar aptos a fazer um julgamento imparcial. O magistrado informou que sua esposa já tinha deixado o escritório na época da denúncia. A primeira turma do STF julgou em maio de 2016 que o caso não era para suspeição.
Número do processo: HC 126104

Juiz pode julgar ação civil e criminal
Em setembro de 2010, a segunda turma do STF se reuniu para decidir se um juiz que havia condenado um réu numa ação civil pública seria suspeito para julgá-lo novamente numa ação penal. O caso envolvia um conselheiro tutelar que havia sido destituído por suspeitas de abuso sexual. O conselheiro alegava que provas usadas na ação civil estavam sendo usadas contra ele na ação penal já que o juiz dos dois casos era o mesmo. O STF não acatou o pedido de suspeição.
Número do processo: HC 97544

Juízes aptos a julgar pensionistas da Justiça
O governo de Santa Catarina buscou o STF pois considerou suspeito o julgamento que concedeu a três viúvas de desembargadores do Estado aumentos em suas pensões. Para o governo, como o caso tinha repercussão nas remunerações de todos os membros do Judiciário do Estado, a Justiça catarinense não poderia julgá-lo. A primeira turma da Corte analisou caso em março de 2016. Entendeu que, como mais da metade dos juízes de Santa Catarina não haviam se declarado suspeitos, a Justiça do Estado estava apta para julgar o caso de forma imparcial.
Número do processo: AO 1443 AGR / SC

Notícias