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Revolução sandinista completa 40 anos em crise na Nicarágua

18/07/2019 16h27

Manágua, 18 Jul 2019 (AFP) - Quarenta anos depois da revolução sandinista, que depôs a ditadura de Anastasio Somoza e encheu de mística o ideário da esquerda latino-americana, a Nicarágua está mergulhada em uma severa crise política e econômica com saída incerta.

A revolução acabou em 19 de julho de 1979 com a dinastia dos Somoza, que governava o país desde 1936, alimentando o cancioneiro popular com temas como 'Canción Urgente para Nicaragua', do cubano Silvio Rodríguez.

Os nicaraguenses evocam com nostalgia aqueles dias de fervor revolucionário, a fuga de Somoza para o Paraguai; a entrada triunfante na praça da Revolução - entre vivas e o badalar de sinos - de "Los Muchachos": o exército de jovens guerrilheiros que lideraram a luta armada, entre eles o atual presidente, Daniel Ortega.

Hoje com 73 anos, Ortega tomou constitucionalmente as rédeas do país em 1985 após integrar a junta que comandou a Nicarágua, após a vitória da revolução.

Naquela época, enfrentou o levante armado dos "Contras", grupo de camponeses rebeldes fomentado e financiado pelos Estados Unidos durante o governo de Ronald Reagan, às escondidas do Congresso.

Essa guerra civil terminou com a chegada de Violeta Chamorro ao poder em 1990, cujo governo conseguiu estabilizar o país após a pesada conta deixada pelo conflito com os "contras", que foram desmobilizados: 50.000 mortos, a economia destruída, taxas de inflação de até 33.000%, desabastecimento pelo bloqueio econômico dos Estados Unidos, com o qual normalizou as relações.

Em seguida, vieram os governos de direita de Arnoldo Alemán e Enrique Bolaños, acusados de nepotismo e corrupção, até a volta de Ortega ao poder em 2007. Seu mandato atual deve terminar em 2021.

- Divisão -Muita água correu por baixo da ponte desde 1979 e a Nicarágua volta ao olho do furacão, em um confronto entre partidários de Ortega, que afirmam que ele devolveu aos pobres direitos e benefícios, e a oposição, que o acusa de corrupção, nepotismo e impôr um modelo ditatorial "sem respeito aos direitos humanos e outras liberdades".

Essas críticas geraram uma explosão social em abril de 2018, que começou com um protesto contra uma reforma na previdência social e terminou em um estopim para pedir a renúncia de Ortega e sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, que deixou mais de 300 mortos, 2.000 feridos e 62.500 exilados.

A crise gerada pelos protestos e sua repressão ainda severos causa danos à economia, que em 2018 encolheu 3,8%, segundo as autoridades, e 4% segundo sindicatos empresariais, com o fechamento de centenas de pequenos negócios e a perda de mais de 400 mil empregos.

O deputado governista e ex-guerrilheiro Jacinto Suárez avalia que apesar do "golpe de Estado", como o governo se refere aos protestos, conseguiu-se estabilizar a situação.

Apesar da normalidade proclamada pelo governo, pelas ruas abundam homens da tropa de choque e vigilância em locais públicos e privados para apagar expressões de protesto.

Suárez, amigo de Ortega desde a época em que foram prisioneiros da ditadura, o defende como "o líder indiscutível" da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).

Contrário ao que pensam muitos ex-companheiros, afirma que Ortega recuperou o poder em 2007 para começar "uma nova etapa da revolução", que fez escolas, hospitais, rodovias. Segundo o Banco Mundial, a pobreza na Nicarágua caiu de 48,3% em 2005 para 24,9% em 2016.

- "Saudade tremenda" -Gioconda Belli, autora de "O país sob minha pele", disse à AFP que sente uma "saudade tremenda" por tudo o que a revolução fez e que se perdeu. No entanto, para ela, "valeu a pena".

"O que me parece incrível é a volta que a história deu para nos levar outra vez a uma ditadura", como a escritora denomina o governo de Ortega.

"Acho que vivemos uma história que nos deprime porque parece que nunca chegamos ao topo aonde achávamos ter chegado, como o mito de Sísifo (personagem da mitologia grega, punido pelos deuses a carregar pela eternidade uma rocha até o topo de uma montanha)", diz Belli, uma dissidente sandinista.

Enquanto isso, o ex-diplomata Mauricio Díaz, que colaborou na luta contra Somoza como militante do partido social-cristão, acusou Ortega de aniquilar a incipiente democracia empreendida na década de 1990 com "um modelo de desenvolvimento econômico sem respeito aos direitos humanos, nem às instituições".

A ex-guerrilheira Dora María Téllez, crítica ferrenha de Ortega, avaliou por sua vez que diferentemente de 40 anos atrás, os protestos que eclodiram em 2018 não são armados, o que demonstra "uma vocação democrática" da população.

Durante a crise atual, Washington exigiu mudanças políticas no país e impôs sanções contra uma dezena de altos funcionários, entre eles Rosario Murillo.

Apesar dos vaivéns dos últimos 40 anos, "o sonho da revolução continua vivo. Se pensamos na Revolução Francesa (em 1789), (...) até cem anos depois puderam declarar a República", afirmou Belli.

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