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Movimento contra imposição de salto alto gera onda de ciberassédio no Japão

27/06/2019 10h02

María Roldán.

Tóquio, 27 jun (EFE).- Cansada dos dedos esmagados (e muitas vezes ensanguentados), das dores nas pernas e das dificuldades para caminhar, uma japonesa abriu uma cruzada para acabar com a imposição da regra do salto alto no ambiente de trabalho, conseguiu apoiadores, mas não esperava ser vítima de uma onda de ciberassédio.

O movimento surgiu de forma espontânea, depois que a modelo e atriz Yumi Ishikawa, de 32 anos, fez uma postagem no Twitter falando do sofrimento causado pelo uso diário do salto imposto como código de vestimenta da funerária onde trabalhava.

A publicação viralizou e ela criou a hashtag #KuToo - na linha do #Metoo, uma mistura das palavras "kutsu" (sapato) e "kutsuu" (dor) - para promover uma petição online através do Change.org e pedir ao Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar que proíba a obrigatoriedade do uso de salto estabelecida por muitas empresas diante da inexistência de regulação.

O pedido tem quase 30 mil assinaturas das 35 mil necessárias e já é de conhecimento do órgão, que afirmou, em e-mail do porta-voz da Divisão de Igualdade de Oportunidades de Trabalho enviado à Agência Efe, que não levará a sério o movimento. A posição oficial não convenceu a jovem.

"Querem resolver não como um problema de discriminação de gênero, mas como um problema de abuso de poder no trabalho", explicou Ishikawa em entrevista à Efe.

Além da tentativa de banir a obrigação de salto no trabalho, o objetivo do #KuToo é fazer "com que o mundo perceba as pequenas discriminações de gênero que existem e diga 'NÃO'", principalmente em uma sociedade que em muito prima pela beleza física frente a outros aspectos.

Apesar de ser provado que os saltos provocam dor no quadril - por demandar mais força ao caminhar -, disparam a taxa de artrose de joelho, o surgimento de joanetes e a inflamação nos metatarsos - por conta pressão excessiva no antepé -, muitas empresas consideram esse tipo de calçado obrigatório, influenciadas por estereótipos.

De acordo com uma pesquisa do Business Insider Japan publicada este mês, mais de 60% das japonesas já tiveram que usar salto como parte das normas da empresa ou durante uma entrevista de emprego, ou conhecem alguém obrigado a isso. Mais de 80% delas dizem ter tido problemas de saúde pelo uso do sapato alto.

"Inclusive agora existe a ideia de que as mulheres devem estar muito bem arrumadas, mesmo que no trabalho. Por isso, é difícil escapar da percepção de ser sempre 'bonita e jovem' que existe no Japão", explicou Ishikawa, ressaltando que o problema vai além do salto.

O que surgiu como um movimento icônico para alguns e trivial para outros gerou uma campanha de assédio na internet contra ela. Quando o #KuToo ganhou notoriedade, as redes sociais lotaram de imagens de Ishikawa nua ou em poses sensuais, dos trabalhos eróticos que faz.

"Embora tenha participado de trabalhos nos quais tive que tirar a roupa sem escolha, em outros eu quis fazer. Amo a minha nudez, quero expressá-la e sei que não perco os meus direitos por isso. No Japão, as pessoas dizem 'mulheres que já se despiram não têm direitos humanos', então acham que divulgando imagens nuas minhas estão me atacando", afirmou, contundente, a japonesa que considera que o fato de uma mulher ser assediada quando fala de sexismo é a prova de que a discriminação de gênero é um problema real.

Ela conta que só em falar sobre discriminação sexual e dizer que é possível mudar as mulheres já são criticadas e atacadas.

"É um padrão muito comum. Talvez o problema seja que essas pessoas não queiram reconhecer que o que estão fazendo é discriminatório. Não queiram reconhecer que no Japão existe discriminação. Me chamaram de p... simplesmente por dizer que quero usar os mesmos sapatos que os homens ou que isso é um problema de discriminação de gênero", disse a modelo, que admitiu que "por medo" deixou o trabalho na funerária quando o seu movimento cresceu, porque o ambiente começou a ficar pesado.

Mesmo com esse cenário, ela lembrou que a força do #KuToo está no fato de não ser um movimento promovido apenas por uma pessoa, mas com o apoio de muitas outras.

"Eu só entrei nessa onda", disse ela, tentando minimizar a importância do seu trabalho. EFE

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