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As vilas remotas da Dinamarca com mais de mil esposas tailandesas

Kaona Pongpipat - BBC News Thai

24/05/2019 18h21

Nos últimos dez anos, Sommai, uma ex-prostituta, tem ajudado outras mulheres tailandesas a encontrar parceiros dinamarqueses.

"Você não pensava nisso há 24 anos. Você apenas se apaixonava", diz um dinamarquês sobre a tailandesa que conheceu em Pattaya, cidade famosa pelo turismo sexual na Tailândia.

Sentado hoje em sua modesta casa no Noroeste da Dinamarca, a quase 9.000 km da Tailândia, Niels Molbaek também "não poderia imaginar" que estaria comendo agora um som tam, salada tailandesa de mamão, preparada por Sommai, a mesma mulher por quem se apaixonou naquele dia.

E tampouco sonharia que um sábado escandinavo poderia ser tão "tailandês".

Sentadas à mesa, ao lado de Sommai, estão duas sobrinhas criadas por ela, além da irmã do seu ex-marido e de uma amiga, que vivia no mesmo vilarejo no Nordeste da Tailândia.

A mulher que está trazendo mais comida para a mesa é a ex-mulher do sobrinho de Sommai, que acaba de se mudar para a cidade.

Todas elas acabaram se casando com um dinamarquês por intermédio de Sommai.

Por diversas vezes, ela colocou perfis de mulheres tailandesas em anúncios de jornais, hospedava-as em sua casa, onde se encontravam pela primeira vez com os pretendentes, e dava conselhos, uma vez que elas estavam começando uma nova vida em um lugar e em uma língua estranha a elas.

Há quase 30 anos, Sommai era praticamente a única tailandesa vivendo neste remoto distrito de pescadores chamado Thy. Agora existem cerca de mil mulheres tailandesas morando na região, principalmente por causa do casamento.

Para efeito de comparação, há apenas 12.625 pessoas de origem tailandesa em todo o país, sendo 10.494 mulheres, de acordo com a emissora estatal dinamarquesa DR.

"Perdi a conta", diz Sommai sobre quantas mulheres ela ajudou a casar, e quantas outras essas mulheres também ajudaram.

O que este dinamarquês também não poderia imaginar é que sua vida um dia se tornaria parte do documentário Heartbound, dos diretores Sine Plambech e Janus Metz, que acompanharam diversos casais tailandeses-dinamarqueses ao longo de mais de dez anos.

O filme estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2018 e ganhou o prêmio de melhor filme antropológico da Associação Americana de Antropologia e de direitos humanos no Festival Internacional de Dublin.

Outro tipo de amor

"Vou ficar com o coração partido se não vir você novamente. Sinto muito a sua falta... Você pode ficar comigo por um tempo para aprender como é viver na Dinamarca", diz trecho de uma carta escrita em 1991 pelo então candidato a marido de Sommai, que ela conheceu após trabalhar em Pattaya por nove meses.

Aos 66 anos, Sommai se mostra uma mulher animada e ativa, se oferecendo para me levar a qualquer lugar em Thisted, cidade a seis horas de trem de Copenhague. É incrivelmente aberta e sincera.

Perguntada sobre como é ver sua vida retratada no documentário, ela diz: "Quero que os estrangeiros entendam que não estamos aqui por dinheiro. As mulheres tailandesas vêm aqui para trabalhar, e estamos trabalhando muito. Não é um mar de rosas".

As palavras de Sommai lembram uma das primeiras cenas do documentário, quando sua sobrinha acaba de se mudar para tentar viver com um homem dinamarquês.

Um dicionário tailandês-dinamarquês é a única ponte entre eles.

"De quantos cabides você precisa?" - "Cinco", "Você quer ficar sozinha?" - "Ok".

Por mais de dez anos, Plambech, que é antropóloga, e Metz, diretor de Armadillo (2010) e Borg x McEnroe (2017), acompanharam a vida de várias famílias na Tailândia e na Dinamarca: a sobrinha de Sommai, que foi para a Dinamarca se casar; um dinamarquês devastado após se divorciar de uma tailandesa; uma prostituta em Pattaya que acaba voltando para sua cidade natal no nordeste do país; e a própria Sommai, agora ansiosa para voltar para a Tailândia.

Sommai reuniu pela primeira vez um casal tailandês-dinamarquês há 25 anos - uma mulher que conhecia e havia sido espancada pelo marido.

"A partir daí, ajudei minha prima, depois a irmã do meu ex-marido e mais uma pessoa do mesmo vilarejo. Na sequência, veio a sobrinha do meu irmão. E uma mulher que eu ajudei trouxe mais quatro ou cinco. Deve haver umas 40 tailandesas por aqui, sem dúvida, sem contar as crianças que vieram junto ."

O processo, diz Sommai, prevê colocar anúncios no jornal, buscar as mulheres em Copenhague, instalá-las em sua casa, receber os pretendentes que querem conhecê-las e, se os sentimentos forem mútuos, levá-las até a casa deles.

"Nunca recebi ou pedi nada em troca", conta Sommai. "Orgulho-me apenas de poder fazer o bem a alguém que poderá ajudar ainda mais sua família. Uma pessoa que não tinha nada agora pode oferecer boa comida aos pais e construir uma casa para eles."

Até hoje, é muito comum na Tailândia ter preconceito contra mulheres tailandesas que se casam com estrangeiros, especialmente aquelas provenientes de áreas mais pobres, como o nordeste do país e a região de Isaan.

Esse discurso de "mulher interesseira" é desconstruído no documentário - Sommai, por exemplo, aparece trabalhando duro ao lado de outros dinamarqueses e, para sua sobrinha, o casamento não é um atalho para conseguir dinheiro fácil, mas uma oportunidade de trabalhar e ganhar seu próprio salário.

"É realmente difícil de explicar", diz Sommai, quando perguntada sobre sua definição de amor.

"É amor? Talvez não seja o mesmo (amor) de quando éramos jovens. É uma coisa diferente. É uma ligação profunda, de cuidado um com o outro. Outro tipo de amor."

O filme

Plambech conheceu um grupo de mulheres tailandesas nesta região há 15 anos, durante uma viagem de pesquisa como antropóloga.

Ela diz que o preconceito duradouro em relação a esse grupo de mulheres é resultado da "distância" entre o governo e a elite em Bangkok e a região desprivilegiada de Isaan.

"É em grande parte uma questão de classe porque as pessoas que chamariam essas mulheres de interesseiras muitas vezes são da elite", diz Plembech.

"[As famílias dessas mulheres em Isaan] as chamariam de agentes de mudança ou chefes de família, heroínas que se atrevem a viajar para o outro lado do mundo para cuidar delas."

De acordo com a pesquisa de Plambech, 10.494 mulheres tailandesas vivem na Dinamarca, país de 5,8 milhões de habitantes.

Desde 1999, foram registrados em média 253 casamentos entre homens dinamarqueses e mulheres tailandesas por ano. A taxa de divórcios é de 60% a 65%.

O trabalho antropológico se transformou em filme quando Plambech conheceu Metz, e, durante as filmagens do documentário, eles viraram um casal e agora têm uma filha juntos.

Antes disso, Metz estava pesquisado migrantes africanos que tentam chegar à Europa. O que chamou a atenção dele foi o fato de se identificarem como "aventureiros" e se recusarem a ser definidos como "ilegais" ou "clandestinos". Como essas mulheres no filme, diz Metz, a forma que eles se veem é muito parecida.

"Esta é uma história que fala sobre a mesma coisa, que nos dá a mesma visão sobre a condição humana que é determinada pelo lugar no mundo em que você nasceu", afirma Metz.

"O que é uma vida boa a partir da sua perspectiva? Como você luta para sustentar suas famílias? Como você se torna o herói de sua própria história?"

Pobreza

Essa tendência de mulheres, não apenas tailandesas, se casarem com estrangeiros e se mudarem para o exterior costuma ser atribuída à desigualdade econômica no país. A vida de Sommai hoje não pode ser mais diferente do que era na sua infância.

No almoço de hoje, para o qual ela convidou amigos e familiares para "mostrar como os tailandeses vivem aqui", não há literalmente mais espaço na mesa para tanta comida.

Na província de Nakhon Ratchasima, ela era chefe de uma família de mais de dez pessoas - além de seus próprios filhos, cuidava dos sobrinhos e sobrinhas depois que sua irmã adoecera.

Foi quando seu pai, que se tornara monge, precisou levar a comida que tinha recebido como caridade para seus filhos, uma violação do princípio budista, que ela decidiu ir trabalhar em Pattaya, "sabendo muito bem o que tinha que fazer para ganhar dinheiro para a família".

Não há registro oficial de quantas tailandesas se casaram com estrangeiros, mas essa tendência começou durante a Guerra do Vietnã, quando os EUA usaram a Tailândia como base militar.

O "centro de recreação" para soldados dos EUA logo se transformou em uma indústria do sexo. É claro que, mais tarde, essa não era a única maneira pela qual as mulheres tailandesas conheceriam estrangeiros.

Plambech acredita que a migração de mulheres tailandesas para a Dinamarca é certamente uma resposta a algo que a Tailândia não foi capaz de oferecer a elas, mas ao mesmo tempo é uma escolha individual e parte da globalização.

Segundo Sommai, a questão econômica é um fator significativo para forçar alguém como ela a fazer de tudo para sair do país. O que é mais importante para ela é a educação de seus filhos e a saúde de seus pais.

"Se houvesse empregos e um sistema de previdência social, todo mundo gostaria de ficar em casa com a família. Mas as pessoas conseguem sobreviver assim?", questiona Sommai.

"Não há problema em morar na Tailândia, ninguém está morrendo, mas não vai melhorar. Vai continuar assim, geração após geração".


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