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Lives semanais de Bolsonaro criam cumplicidade com "improviso calculado"

do UOL

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

23/05/2019 04h00

Em dezembro, menos de um mês antes de tomar posse como presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) fez uma transmissão ao vivo no Facebook para dizer que, no cargo, iria manter esta forma de comunicação. Manifestou a vontade de fazer lives semanais para "prestar contas" dos atos do governo e "porque muitas vezes a mídia exagera ou deturpa alguma coisa".

Diante de uma imprensa que revelou situações incômodas para Bolsonaro --como o caso das candidaturas laranjas do PSL-- e que é atacada ou ao menos vista por ele com desconfiança, o presidente usa as lives para driblar a mídia e manter sua base mobilizada, usando o mesmo estilo de comunicação direta que o ajudou a vencer a eleição do ano passado, segundo especialistas em marketing político ouvidos pelo UOL.

O presidente engrenou na promessa de fazer lives no começo de março. De lá para cá, toda quinta à noite, geralmente às 19h pelo horário de Brasília, Bolsonaro entra ao vivo em suas páginas pessoais no Facebook e no YouTube, quase sempre acompanhado de ministros. As transmissões podem durar de 15 minutos a quase uma hora e recebem centenas de milhares de visualizações. Já foram 13 até agora e acontecem mesmo quando Bolsonaro está em viagem oficial.

Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência, Bolsonaro "coordena" as lives, "que se tornaram meios de comunicação de considerável alcance, fácil acesso, livre manifestação e baixo custo". Os participantes das transmissões "são convidados de acordo com o assunto em destaque da semana".

Para Emmanuel Publio Dias, professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e especialista em marketing político, Bolsonaro contorna a imprensa por meio das lives e, com isso, gera um sentimento de cumplicidade entre seus apoiadores na oposição à mídia tradicional.

"Ela [a live] repercute esse sentimento. Ela fala: 'Olha, estou passando isso para você porque a Folha não está te dizendo, a TV Globo não está te dizendo, e nós sabemos qual é a verdade e eu estou te passando'", diz.

Ainda segundo Dias, o presidente notou que as lives repercutem não só entre seus eleitores, mas também na chamada mídia tradicional. "Essa reportagem é uma prova disso", diz.

O consultor político e estrategista digital Fred Perillo, membro do Camp (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Público), afirma que Bolsonaro quer manter no governo "um clima de campanha", e isso passa por criticar a imprensa e tirá-la da mediação com o público.

Perillo vê também inspiração de Bolsonaro no presidente americano, Donald Trump, que trava embates públicos com a imprensa e cria canais próprios de comunicação. Ele cita como exemplo o "Real News Update" (Atualização de notícias reais, em tradução livre), que desde 2017 vai ao ar semanalmente nas redes sociais de Trump.

"Eu vejo que o Bolsonaro está criando algo parecido, dizendo que, 'nos meus canais, você vai ter a verdade', e a imprensa [fica] com a versão dela 'fantasiosa'. Ou seja, tudo o que é contra o governo vai ser 'fake news'", diz.

Falando a língua das redes

Em termos de estrutura técnica, as lives presidenciais não diferem muito das que Bolsonaro fazia antes de assumir o cargo. Não há estúdio e, aparentemente, nenhum equipamento profissional de som, luz e imagem, como um usuário comum de internet faria. "É um tipo de linguagem de simplicidade e proximidade", afirma Publio Dias.

Para Perillo, Bolsonaro acertou ao entender a linguagem das lives nas redes e busca manter isso.

"Você não pode fazer televisão na internet, a televisão tem uma outra linguagem estética. Quando você faz uma live muito produzida, com duas, três câmeras em um ambiente simulando um estúdio, isso por si só atrai menos audiência da internet", diz. "Ele nada mais está fazendo do que manter no governo o que ele fazia na campanha."

Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência, "independentemente do local onde o presidente esteja, a transmissão da live se faz viável por meio de internet e celular, não havendo assim, formatos preestabelecidos como as transmissões feitas em estúdio".

A secretaria não respondeu quantas pessoas fazem parte da equipe de transmissão nem por que as lives são veiculadas nas páginas pessoais do presidente, e não do Planalto.

Improviso "planejado"

A impressão de improviso não vem só da estrutura simples de transmissão. Em uma live, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, usou chocolates para exemplificar o congelamento de verbas para universidades públicas. Enquanto Weintraub explicava a medida, Bolsonaro comeu um pedaço de uma das dezenas de barras espalhadas na mesa.

Ministro usa chocolates para explicar cortes

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Segundo os entrevistados, o que parece improviso tem boas chances de ser algo bastante pensado para estimular a cumplicidade entre governante e governados.

"Eu particularmente não acredito que seja improviso. É um improviso calculado. É um paradoxo, um improviso planejado", diz Perillo. "Ele quer dar esse sinal de 'sou mais um'. Tanto é que, nas outras ações do governo, sempre que ele pode, ele quebra essa liturgia [do cargo]. As roupas que ele usa, camisa de time de futebol. Vai para uma cúpula fora do Brasil e come em um restaurante popular."

De forma similar, Publio Dias, da ESPM, fala de um "improvisado pensado", algo que é "simples, mas muito estudado", e que remete ao período pré-posse. Ele cita como exemplo o café da manhã em que Bolsonaro recebeu em sua casa, em novembro, o conselheiro de segurança nacional americano John Bolton.

"Tudo é construído com este objetivo de ser não só entendido, mas aceito e tomado como verdade pela audiência", diz.

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