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Você acha que a gente quer bater em alguém?

Agente relata como é o dia a dia na Fundação Casa de São Paulo - André Toma/UOL
Agente relata como é o dia a dia na Fundação Casa de São Paulo Imagem: André Toma/UOL
do UOL

Agente socioeducativo da Fundação Casa, sob anonimato

Depoimento a Leonardo Martins, Luís Adorno e Flávio Costa, do UOL

24/04/2019 04h00

Eu moro em uma cidade da região do Alto Tietê, na Grande São Paulo. Costumo sair de casa quatro horas antes do meu horário no trabalho. Vou atravessando a cidade através de aplicativo de transporte, fazendo viagens para desconhecidos, até chegar ao meu trabalho. Na volta, a mesma coisa. Direciono meu aplicativo para minha casa e chego três horas depois do meu trabalho formal. Eu só não largo essa vida porque tenho esposa e filhos. Preciso de estabilidade.

Todos os dias, ali é um inferno. Eu chego no estacionamento da Fundação Casa e me dá calafrios. Um frio na barriga, uma vontade de não trabalhar. Mas é preciso. Então eu me troco, rezo e entro. Lá, nós só podemos confiar nos próprios agentes. Trabalhadores que arriscam suas vidas diariamente. Não é nada fácil. Você acha que a gente quer bater em alguém? Brigar com alguém? Ainda mais pelo salário que ganhamos? Não é mole tentar conter aquela molecada.

Esses dias, o UOL mesmo meteu o pau na gente. A gente ficou revoltado, confesso. Fui falar com dois amigos que ia falar com vocês. De cara, ficamos receosos, mas é melhor falar do que tomar outra porrada quieto. O que acontece é o seguinte, sendo franco: nós lidamos com criminosos em formação. Essa é a triste realidade. O crime organizado, a facção, está ali dentro. É muito difícil conter. A gente precisa ser duro, firme, até mesmo ríspido. Porque, se a gente não for assim, eles engolem a gente.

Em janeiro agora [noite de 21 daquele mês], teve uma puta de uma rebelião foda. Os caras aterrorizaram. Eu tinha deixado o trabalho fazia pouco tempo. Pegaram dois amigos meus de refém, mas graças a Deus, nada de pior aconteceu. Mesmo assim, os moleques deixaram um trauma gigante na vida dos meus amigos. Só vendo a morte de perto que você consegue enxergar, de verdade mesmo, o medo. Eles estão em choque. Vivem sob muito medo.

Comigo, nunca aconteceu nada mais grave. Já tive algumas escoriações, já fui chutado, agredido, alvo de cuspe, mas estou vivo. Não sei quais as condições das expulsões desses agentes, mas tenho certeza que nem todos são monstros. A maioria sai de casa para seu serviço e voltar para o seu lar em paz. Mas, muitas vezes, a gente precisa responder na mesma altura. Não digo que é certo ou errado, mas digo que essa é a verdade.

Demissão por maus-tratos bate recorde

O UOL revelou hoje, com base em dados da própria Fundação Casa, obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), que o número de funcionários do órgão demitidos por maus-tratos a adolescentes apreendidos cresceu 80% entre os anos de 2017 e de 2018. O presidente da Fundação Casa, Paulo Dimas Mascaretti, afirmou em entrevista à reportagem que todas as denúncias são apuradas e que maus-tratos não correspondem à postura determinada pelo estado para agentes socioeducativos da instituição.

Dois jovens entrevistados pela reportagem, que foram apreendidos enquanto menores e que, atualmente, trabalham em um escritório de São Paulo, afirmam que a rotina dentro das unidades é de agressões físicas e psicológicas. Ambos relataram terem sido agredidos e terem visto colegas também sendo agredidos.

Ex-internos relatam rotina de agressões na Fundação Casa de SP

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