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Ira dos camponeses pode ditar rumo das eleições gerais da Índia

22/04/2019 10h08

Indira Guerrero.

Mathura (Índia), 22 abr (EFE).- Famintos, explorados e endividados, os trabalhadores rurais são a principal força de trabalho da Índia e seu descontentamento pode ditar o rumo das eleições gerais em curso, nas quais um muito criticado primeiro-ministro, Narendra Modi, tenta a reeleição.

Nas zonas rurais do distrito de Mathura, no norte da Índia, a recente convocação às urnas coincidiu com a época de colheita nos campos de trigo, razão pela qual nas filas das precárias escolas habilitadas como centros de votação se aglomeravam os camponeses irados com as contas frescas de um ano de perdas.

Com milhares de suicídios por ano, asfixiados por dívidas, rendas baixas, um futuro incerto e a crescente deserção para se dedicar a outras atividades, a situação deste setor, que representa dois terços do 1,25 bilhão de habitantes da Índia, ameaça se transformar em uma autêntica crise agrária.

No povoado de Nagariya, em Mathura, Radhe Shyam Rawat segava à mão os campos de trigo junto com seus companheiros. Após um ano de perdas, o camponês de 32 anos, com a pele murcha e enrugada pelo sol, não conseguia conter sua raiva contra o primeiro-ministro.

Radhe levantou seu dedo indicador para mostrar a marca de tinta indelével sobre sua unha, sinal de que, embora já estivesse trabalhando, foi um dos primeiros a votar e ganhou o direito a dizer que o mandato de Modi foi para os camponeses um período para ser esquecido.

"Enfrentei muitas perdas na minha colheita, o meu sítio foi recenseado muitas vezes (para os subsídios), mas sem sucesso. Os agricultores não receberam subsídio. Alguns dizem que nos darão 80.000 rúpias (cerca de R$ 4.400), outros dizem que receberemos 15.000 (pouco mais de R$ 800), mas nada", reclamou Radhe.

Após grandes protestos em Nova Délhi e na cidade de Bombaim, capital financeira do país, com as reivindicações de dezenas de milhões de camponeses, e pouco antes de começarem as eleições - que acontecem entre 11 de abril e 19 de maio -, o governo lhes tinha prometido subsídios e a isenção das dívidas causadas pelos empréstimos.

"Mas apenas algumas pessoas receberam 2.000 rupias (R$ 110)", protestou, enquanto olhava para seus companheiros como se estivesse lhes convidando a corroborar que não mentia.

O sentimento dos trabalhadores rurais costuma exercer um papel importante em toda eleição, e foi um fator-chave para que o histórico Partido do Congresso, da dinastia Nerhu-Gandhi, causasse graves danos à força da legenda governante BJP em várias eleições regionais realizadas em 2018, depois de prometer um perdão das dívidas.

A Índia é um país substancialmente agrícola, onde cerca de 75% da população, segundo o Banco Mundial (BM), depende deste setor, que representa, por sua vez, 18% do Produto Interno Bruto (PIB) do gigante asiático, razão pela qual o período eleitoral costuma ser cheio de promessas para o campesinato.

"Se alguém mais chegar ao poder, só podemos esperar que nos ajude. Mesmo se Modi continuar, vamos continuar pedindo que os agricultores recebam ajuda", ressaltou Radhe.

Embora os camponeses tenham taxas preferenciais para ter acesso a créditos bancários, estes costumam ser muito baixos, motivo pelo qual os agricultores terminam nas mãos de agiotas que cobram taxas muito altas e que se tornam impagáveis com as perdas causadas pela seca ou pelas excessivas chuvas de monções.

Ao mesmo tempo, sem tecnologia para o armazenamento das colheitas, os agricultores, sobretudo os mais humildes, são incapazes de chegar aos consumidores finais, e são obrigados a vender os produtos aos intermediários abaixo do preço mínimo controlado pelo Estado.

"Temos muitos problemas: carecemos de serviços, os canais de água não são limpos, a água para e destrói o cultivo", lamentou também Ramemshwar Sing, entre uma dezena de camponeses que compartilhavam aos gritos suas lástimas, parados na porta de uma escola quase em ruínas nas quais estão instaladas as modernas máquinas para a votação. EFE

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