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Como Trump foi do desinteresse pela América Latina a uma 'política de castigos e ameaças'

Americanos protestam contra Donald Trump no Estádio Azteca, no México - REUTERS/Edgard Garrido
Americanos protestam contra Donald Trump no Estádio Azteca, no México Imagem: REUTERS/Edgard Garrido

Gerardo Lissardy - Da BBC News Mundo em Nova York

21/04/2019 06h22

Presidente americano usa linguagem beligerante em relação à maioria dos países da região - a exceção tem sido o Brasil.

Seja no tom ou nas ações, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se mostra cada vez mais combativo em relação à América Latina.

Há sanções aplicadas contra o regime de Nicolás Maduro na Venezuela, o corte no volume de recursos repassados como ajuda financeira a países centro-americanos e a crítica à Colômbia de que o governo "não fez nada" contra o narcotráfico.

A postura de Trump, que em seu primeiro ano de governo mostrava um desinteresse inédito pela América Latina, contrasta com a de seus antecessores - e, apesar de contundente, segundo especialistas, ainda não esboça uma estratégia clara do presidente americano para a região no médio e longo prazo.

"É uma política de castigos e ameaças. Falta uma agenda positiva que reflita um compromisso com a região e os próprios interesses dos EUA", pontua Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, centro de análise regional com sede em Washington.

Venezuela, 'a peça central'

A Venezuela se converteu no principal foco de interesse de Washington na América Latina a partir de janeiro, quando Trump foi o primeiro chefe de Estado a reconhecer o líder opositor Juan Guaidó como presidente interino - posicionamento posteriormente acompanhado por outros 54 países, entre eles o Brasil.

Os EUA têm buscado isolar econômica e diplomaticamente Nicolás Maduro, a quem definem como um "ditador", com sanções inéditas ao setor petroleiro, vital para a sobrevivência da economia, e incentivo à formação de uma coalizão regional para levar ajuda humanitária ao país - que culminou nos episódios de tensão em fevereiro, quando caminhões com alimentos e remédios foram barrados na fronteira do país com o Brasil e com a Colômbia.

Para entender no quão relevante a Venezuela se tornou para o governo Trump, pode-se olhar, por exemplo, para o Twitter de John Bolton, assessor de Segurança Nacional da Casa Branca.

Entre os 304 tuítes que ele escreveu desde o reconhecimento de Guaidó como presidente interino, em 23 de janeiro, 74% se referiam ao país.

Além disso, os EUA levaram a crise da Venezuela quatro vezes apenas neste ano para o Conselho de Segurança da ONU, sem que, entretanto, conseguissem que o órgão adotasse uma resolução específica direcionada ao país.

"A peça central da política (americana em relação à América Latina) tem sido (o esforço para) produzir uma mudança de regime na Venezuela, e a maior parte da energia nos níveis superiores da administração de Trump se direciona para este fim", destaca Cynthia Arnson, diretora do programa para América Latina do Wilson Center em Washington.

Mesmo diante das sanções e da pressão da Casa Branca, entretanto, Maduro se mantém no poder, com apoio da Rússia, da China e dos militares venezuelanos.

Além disso, apesar da postura americana, questiona-se se Trump tem um "plano B" para a Venezuela, ainda que evoque o fantasma de uma possível intervenção militar ao repetir que "todas as opções estão sobre a mesa".

'Trump age como Trump'

Trump anunciou no fim de março que cortaria a ajuda financeira dada aos países do "Triângulo Norte" da América Central - Honduras, Guatemala e El Salvador - sob o argumento de que seus respectivos governos não faziam "nada" para evitar a imigração de seus cidadãos para os EUA.

Também por causa da questão migratória, o presidente ameaçou reiteradas vezes fechar a fronteira com o México, o que suscitou advertências inclusive de correligionários de Trump no Partido Republicano de que esse tipo de medida poderia prejudicar o país.

O presidente então mudou o tom na semana passada ao mandar mais um recado ao governo mexicano.

"Vamos dar o prazo de um ano e, se o tráfico de drogas não cessar completamente ou em sua maioria, vamos impor novas tarifas ao México e a seus produtos, particularmente aos automóveis", ameaçou.

As medidas que afetam os países centro-americanos e o discurso duro contra o México se deram mesmo diante do esforço do governo dessas regiões para agradar Trump ou evitar entrar em polêmicas com sua administração.

"Não devemos entrar em conflito com o governo dos EUA, como política (de Estado)", afirmou o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, ao ser questionado em uma coletiva de imprensa no início de abril sobre sua estratégia diante da críticas vindas do presidente americano.

O temperamento de Trump também não poupou um de seus principais aliados na região, o presidente da Colômbia, Iván Duque, a quem fez reprimenda publicamente.

"Estão chegando mais drogas da Colômbia do que antes de ele assumir a Presidência, então ele não fez nada pelos americanos", declarou à imprensa em março.

O presidente e sua equipe argumentam que buscam cumprir as promessas feitas aos americanos durante a campanha em 2016 de lutar contra a imigração ilegal e o narcotráfico, construir um muro na fronteira com o México e proteger comercialmente os EUA.

As atitudes de Trump, contudo, contrastam com as de seus quatro últimos antecessores, os quais, ainda que tivessem divergências com governos na América Latina, evitavam expor as controvérsias, sobretudo com parceiros-chave.

"Trump age como Trump, dizendo o que quer, e muitas vezes diz coisas que são profundamente contraproducentes e que insultam países latino-americanos", afirma Arnson.

E, ainda que haja uma diferença entre o discurso e a prática, avalia a diretora do programa para América Latina do Wilson Center em Washington, "no que diz respeito ao México e à América Central, a política interna e externa se unem em uma combinação danosa".

Estratégia eleitoral?

Alguns especialistas associam diretamente a postura de Trump à sua estratégia política doméstica, e em particular sua campanha à reeleição em 2020.

"Trump, como em 2016 e talvez mais ainda agora, usa temas sensíveis relativos à América Latina (como imigração, drogas e comércio) para fortalecer sua base e buscar a reeleição", avalia Shifter.

No caso da Venezuela e de Cuba, pesa o fator ideológico antiesquerda, sobretudo desde a chegada de Bolton à Casa Branca há um ano, acrescenta Shifter.

A respeito de Cuba, nesta semana o governo Trump reverteu uma série de medidas de abertura adotadas por Obama, a exemplo de restrições a remessas de dinheiro que americanos cubanos enviam para a ilha e viagens ao país.

Trump também autorizou a abertura de processos contra empresas estrangeiras que se beneficiam de propriedades expropriadas de americanos na esteira da revolução de 1959 na ilha.

É uma outra espécie de "castigo exemplar".

Desde que a lei que permite a abertura de ações desse tipo foi aprovada em 1996, os diferentes presidentes americanos haviam suspendido sua aplicação, diante da inquietação de investidores europeus que poderiam ser afetados pelas medidas e do risco de formação de uma onda "incontrolável" de litígios.

Foram anunciadas sanções também à Nicarágua, com novas medidas contra um banco acusado de envolvimento em um suposto esquema de corrupção do presidente Daniel Ortega (ele nega) e contra um filho do líder cotado para sucedê-lo.

A exceção à regra, quando se fala da relação de Trump com a América Latina, tem sido o presidente Jair Bolsonaro - que promoveu uma série de concessões ao EUA em sua visita ao país em março.

"Dizem que ele é o 'Trump dos trópicos'. Dá pra acreditar? E ele está feliz com isso. Eu não gostaria tanto do país se ele não estivesse (feliz com o apelido), mas gosto dele", disse Trump em janeiro quando falava a uma organização de agricultores americanos.

Ambos trocaram elogios durante a visita de Bolsonaro à Casa Branca em março. O saldo do encontro, entretanto, foi mais concreto para os americanos. O governo brasileiro retirou a exigência de visto para turistas dos EUA, liberou a entrada por ano de 750 mil toneladas de trigo americano no Brasil com tarifa zero e firmou acordo para que os EUA usem a base de Alcântara, no Maranhão. Em contrapartida, os EUA se comprometeram, por exemplo, a apoiar a entrada do Brasil na OCDE.

"Foram medidas em sua maioria simbólicas, sem concessões reais por parte dos EUA", afirma Arnson. "As concessões reais implicariam algo relacionado à liberalização do comércio".

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