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Bairro humilde de Portugal chama a atenção para situação dos mais pobres

24/01/2019 06h02

Mar Marín.

Seixal (Portugal), 24 jan (EFE).- Cremilde chegou à Jamaica há 30 anos. Agora, aos 79, ela já perdeu as esperanças de sair deste bairro humilde dos arredores de Lisboa onde se amontoam centenas de famílias, que transformaram o lugar em um barril de pólvora nos últimos dias.

O Vale de Chícharos, - também conhecido como Jamaica -, na cidade de Seixal - a mais ou menos 30 min de Lisboa -, é um bairro praticamente esquecido pelo poder público e desconhecido de boa parte dos portugueses até agora, quando confrontos violentos entre policias e moradores começaram a estampar capas de jornais.

Dominada por um "elefante branco" de sete andares, a Jamaica deve desaparecer até 2022, prazo limite para a conclusão do programa de reassentamento previsto para mais de 200 famílias. Diferentemente de Lisboa, que tem imóveis de dois quatros que chegam a valer 500 mil euros, na Jamaica o lixo se espalha na rua sem asfalto que dá acesso ao bairro e móveis velhos, bicicletas enferrujadas e escombros estão jogados por toda parte.

Ninguém sabe ao certo como este edifício abandonado começou a ser ocupado por imigrantes de origem africana e ciganos, passando a ser conhecido como Jamaica. Estima-se que o início da ocupação tenha sido em meados dos anos 80, mas para Cremilde isso não faz diferença.

Ela é cigana. Casou-se aos 16 anos e chegou ao bairro, já viúva, com os seus sete filhos, quando ninguém estava lá, para ocupar alguns barracos próximos ao elefante branco. Hoje, seis famílias ciganas - todas ligadas entre si - esperam do Estado uma moradia digna para começar uma nova vida, como já fizeram os 200 reassentados em dezembro.

Sua neta Katia Lima, que há um ano é pastora da igreja evangélica se queixa das condições.

"Chove dentro das casas como se fosse na rua, elas são úmidas e as crianças estão sempre doentes", disse.

Sua reivindicação é clara.

"Queremos uma casa", afirmou ela, que não entende a razão pela qual eles serão os últimos a receber o imóvel, previsto para daqui cinco anos.

No prédio gigante que domina o bairro, dezenas de famílias se dividem em cubículos de dez metros quadrados, em volta de uma escada em ruínas e sem luz, cercada com taboas de madeira para evitar que as crianças caiam no vão.

Mariana Nascimento divide um quarto com a irmã, mas já chegaram a ser cinco pessoas amontoadas em um quadrado onde mal cabe uma cama, uma mesinha e um gaveteiro lotado de imagens de Nossa Senhora de Fátima.

O pior, confessou apontando para grandes manchas de mofo, é a umidade que perfura tetos e paredes e que lhe provocou uma doença que praticamente não deixa com que ela respire. A única janela do espaço dá para um enorme lixão que, segundo ela, as autoridades prometeram acabara. O combinado nunca foi cumprido.

Sua vizinha Aurora Coxi, que mora em um dos andares mais baixos, é a protagonista involuntária do súbito interesse que a Jamaica despertou porque participou de um tumulto que terminou com uma polêmica intervenção policial. Um morador gravou agentes agredindo os pais de Aurora e as imagens viralizaram. A reação não demorou e o protesto dos moradores da Jamaica chegou ao centro de Lisboa, em uma noite de confrontos que acendeu o alarme dos lisboetas.

"As pessoas que vivem nos bairros sociais somos tratados com preconceitos e racismo. É horrível quando dizemos que somos de um bairro social. Pensam que aqui só tem bandido e que a gente não trabalha. Eu tenho um salário, mas não tenho condições de pagar um apartamento", contou a jovem angolana.

Aurora argumentou que a Polícia deveria proteger os cidadãos, independetemente da raça.

"Se nós somos tratados assim, como serão tratados os meus filhos daqui uns anos? Ver a Polícia batendo nos seus pais, avôs, netos gera ódio e ira", advertiu.

Se o planejamento for mantido, Aurora será realojada nos próximos meses. Cremilde, por outro lado, terá que esperar.

"Falam que vão nos tirar daqui em alguns anos. Eu já não estarei mais aqui, mas ficam as crianças. Alguém deveria fazer algo", concluiu. EFE

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