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O que empresa que pagou R$ 530 milhões ao Barça quer no futebol brasileiro

Alexandre Dreyfus, CEO da Socios.com - Divulgação
Alexandre Dreyfus, CEO da Socios.com Imagem: Divulgação
do UOL

Do UOL, no Rio de Janeiro

02/08/2022 04h00

O Barcelona anunciou a venda de 24,5% do Barça Studios para a empresa Socios.com por um total de 100 milhões de euros - cerca de R$ 530 milhões, na cotação atual. Segundo comunicado, a operação é "para acelerar o crescimento da estratégia audiovisual e de blockchain, NFT e Web.3 do clube". Na prática, o dinheiro será usado de imediato para permitir que o Barça inscreva todos os reforços contratados para a temporada atual. Mas o que a empresa em questão, esses termos em inglês e siglas têm a ver com o futebol brasileiro?

A Socios é parceira de nove clubes do Brasil no lançamento de fan tokens. O objetivo é gerar meios de engajamento para os torcedores, que adquirem esses ativos digitais na plataforma da empresa. A moeda para essas transações fica hospedada na blockchain, um ambiente que armazena dados de transações e registros digitais.

Parte da receita das operações da Socios é revertida para os clubes. O torcedor pode receber algumas recompensas e ter direito a voto em enquetes que decidem, por exemplo, como será o ônibus do time, a bandeirinha de escanteio e o layout da braçadeira de capitão.

"Antes do verão (europeu) de 2021, nós não assinamos contratos com clubes de futebol brasileiros. E não tínhamos um interesse significativo pelos fãs brasileiros. Tínhamos marcas internacionais, como Barcelona, PSG e outros. Mas começamos a olhar mais diretamente para o país. O Brasil era a segunda maior fonte de crescimento dos nossos usuários. Não em termos de receitas, mas de interesse. Decidimos assinar com alguns times, agora temos nove", explica Alexandre Dreyfus, CEO da Socios.com, em entrevista ao UOL Esporte.

Flamengo, Palmeiras, Corinthians e Atlético-MG estão entre os que fecharam com a Sócios - Reprodução - Reprodução
Flamengo, Palmeiras, Corinthians e Atlético-MG estão entre os que fecharam com a Sócios
Imagem: Reprodução

O Atlético-MG foi o primeiro a fechar com a empresa. Depois, vieram Corinthians, Flamengo, São Paulo, Palmeiras, Vasco, Internacional, Bahia e, mais recentemente, Fluminense. Ao todo, a Sócios tem 63 parceiros dentro do futebol, entre clubes, associações nacionais e competições, como a Liga dos Campeões da Europa. Em geral, os contratos preveem pagamento de um mínimo garantido, além de um percentual pelas transações dos tokens.

No Barcelona, a compra do percentual do Barça Studios é um passo a mais. A empresa aberta pelo clube é o braço que centraliza a criação, produção e distribuição de todo o conteúdo audiovisual e é tida como elemento chave na estratégia digital.

No ambiente da chamada Web 3.0 — em que os usuários se conectam às plataformas por meio de suas carteiras digitais e não meramente pelo perfil na rede social —, o mercado já entendeu que a aproximação ao torcedor é necessária, sobretudo para angariar novas receitas. O trabalho de quem está na indústria é identificar o que colocar na prateleira para atingir os fãs e tirá-los de um estado de passividade.

O futuro do engajamento do torcedor não é tê-lo mais como espectador, apenas. Claro que você não será um jogador. Mas, sim, um torcedor ativo. De uma forma positiva. Você tem influência, é parte da comunidade. Eu acho que, em algum ponto, talvez em dez anos, a nova geração de fãs vai ter que escolher entre Corinthians, Flamengo, Palmeiras e São Paulo. Então, a questão é: Qual desses times vai oferecer a mim, um novo torcedor, um cara mais do e-sports, talvez, algo que será melhor do que outro time? Acredito que é onde o digital será crítico. E onde haverá essa transição de passivo para ativo".
Alexandre Dreyfus, CEO da Socios.com

Na visão do executivo, o torcedor passivo até vai ao estádio, assiste ao jogo pela TV e segue o perfil do clube no Twitter. Mas o torcedor ativo vai além, "está fazendo algo todo dia, em qualquer outro lugar que lhe dê algum tipo de recompensa".

No meio disso tudo, a Socios quer ter uma cara mais brasileira, até por isso abriu escritório em São Paulo, e ainda tem um caminho a percorrer na massificação do produto porque é voltado para as classes sociais mais elevadas. Atualmente, Dreyfus estima ter entre pouco mais de 3% (algo na casa dos 200 mil) de um universo de pelo menos 6 milhões de pessoas classificadas como "crypto natives" no Brasil. O termo se refere a usuários que mexem ou investem com criptoativos. Mas o plano de negócio no país é de dez anos.

"Ainda não arranhamos a superfície do que queremos alcançar", conta o CEO da companhia.

Como o produto é relativamente novo no mercado nacional, a tarefa em parceria com os clubes passa não só por popularizar os fan tokens, mas passar a função que entende ser a ideal para esses ativos.

"Nunca promovemos o fan token como uma ferramenta de investimentos. Primeiro porque não é mesmo. É como qualquer colecionável. Você pode comprar qualquer tênis do Jordan. Se você usar, não vale nada porque não são mais novos. Tudo no esporte tem a ver com valor. As pessoas podem comprar o fan token para ganhar com isso? Podem. Há uma garantia de que elas farão dinheiro? Absolutamente não. Deixamos muito claro quando você compra um token na Socios.com. Fazemos com que a pessoa aperte um monte de caixas dizendo que ela entende que isso não é um investimento", diz Dreyfus.

Há limite para engajamento?

Um modelo de bandeirinha de escanteio criado por uma torcedora será usado pelo São Paulo no Morumbi. Por meio de uma mesma plataforma, outros fãs têm recebido camisas autografadas e ingressos VIP para estádios. A ideia é construir com os clubes situações e itens que aprofundem mais essa relação de participação no clube. Mas é possível ir além da ornamentação do estádio e aprofundar o nível de decisões vindas do público?

O limite disso é testado a cada campanha. Mas não dá para transportar integralmente às redes o caminho da gestão do clube.

"O que vamos crescer nos próximos anos é mais sobre as recompensas, os benefícios. Não só na parte de votar. De todo modo, isso é e tem que ser limitado porque você não pode tocar na governança do clube, do negócio. Você quer que os torcedores escolham o técnico? Talvez eles queiram. Mas não faz sentido. É uma utopia achar que os torcedores vão escolher o técnico e os jogadores. O equilíbrio certo é dar voz para algumas coisas, como o número da camisa de um jogador contratado. É um pequeno detalhe, mas importa", disse o executivo francês.

Especificamente no mercado brasileiro, o interesse da empresa passa também por acompanhar o clima no Legislativo. Hoje, não há uma regulamentação específica para o mercado de criptoativos. O próprio ecossistema dos clubes brasileiros também precisa ser trabalhado. Alguns podem se encantar pelo mínimo garantido oferecido pelos contratos e não desenvolver o produto, em si. Isso não é exclusividade do Brasil, admite Alexandre Dreyfus.

Mas o olhar para a inovação tem se disseminado. Para o chefão da Sócios, isso, inclusive, pode ser potencializado com a organização da liga. Outro movimento relevante, segundo ele, é a transformação de clubes associativos em Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs).

"Para ser justo, em qualquer lugar do mundo os clubes não são as entidades mais disruptivas. Eles são grandes marcas com pequenas organizações. Eles não têm muitos recursos. Nem sempre é fácil. Mesmo quando eles querem inovar, muitas vezes não têm os recursos. Aqui no Brasil, como a maioria dos clubes é associação e não entidade privada, é ainda mais difícil. Estou muito animado pelo fato de que alguns clubes vão se tornar SAFs e também com o projeto da liga. Vai se tornar mais comercial, ainda que leve algum tempo. Isso vai dar aos clubes infraestrutura, recursos para que se tornem mais voltados para os aspectos profissionais e comerciais. Assim, podem dar mais aos torcedores", completou Alexandre Dreyfus.

Se isso não acontecer, o plano continua a aposta em pelo menos 10 anos por aqui.

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